Apesar de estarem debaixo de muito fogo, os Bob Vylan apresentaram-se finalmente em Lisboa. A banda mais badalada da música de protesto contemporânea estreou-se em Portugal com uma performance inquietante que articulou a irreverência do punk com o ativismo político que lhes é característico.
O ano de 2025 tem sido particularmente agitado para os Bob Vylan. Com a dupla Bobby e Bobbie no ativo desde 2017, nunca o seu nome tinha atingindo contornos tão mediáticos como aconteceu neste ano. Referenciados como um dos maiores expoentes da música de intervenção contemporânea, em particular para com a causa Palestiniana, os Bob Vylan começaram a gerar algum burburinho quando se apresentaram no festival Glastonbury, no Reino Unido, perante uma multidão de dezenas de milhares in loco e tantas outras que acompanharam a sua atuação através da transmissão da BBC. Cientes da exposição que estavam a ter, os Bob Vylan apresentaram o seu set característico, sem qualquer tipo de censura. Desta forma, quando chegou o momento indicado, o grupo incentivou o público, como faz em todos os seus concertos, a entoar a frase «morte às Forças de Defesa Israelitas». Rapidamente, a BBC foi inundada com protestos dos telespetadores e mais tarde chegou mesmo a declarar que a transmissão do concerto da banda tinha violado as diretrizes editoriais no que diz respeito a danos e ofensas.
Desde então, os Bob Vylan nunca mais tiveram descanso, para o bem e para o mal, seja lá qual for a interpretação de um e de outro. Um dos acontecimentos mais flagrantes foi o cancelamento da tour com os Gogol Bordello, que vai passar brevemente por Portugal, devido a pressões relacionadas com as declarações no Glastonbury. Mais recentemente, e após o assassinato do ativista norte-americano de extrema direita Charlie Kirk, os Bob Vylan voltaram a atiçar o fogo num concerto no Paradiso Club, em Amesterdão, ao terem proferido vários comentários impiedosos para com o seu desaparecimento. Como consequência, a sala 013 Poppodium, em Tilburg, viu-se forçada a cancelar o concerto que estava agendado. Agora, em Manchester, Inglaterra, vários deputados e líderes da comunidade judaica exigem o cancelamento de um concerto dos Bob Vylan marcado para o dia 5 de Novembro
Felizmente, um promotor português teve bom senso e não deixou os fãs portugueses de keffiyehs a abanar. O concerto em Portugal foi organizado pela recém criada promotora I Want More Live, liderada por Jorge Felizardo, ex-Primitive Reason e agora tour manager dos Bob Vylan, que chegou-se à frente para fazer com que este evento acontecesse num momento tão delicado, mas tão importante e necessário, para a política internacional.

Scúru Fitchádu
Sendo este um concerto avulso dos Bob Vylan, isto é fora de uma tour, já era expectável que a primeira parte ficasse a cargo de um projeto nacional. É certo que numas vezes as escolhas surgem um bocado ao lado, noutras fazem todo o sentido, e aqui temos que dar os parabéns a Jorge Felizardo, pois acertou na muche ao escolher o projeto Scúru Fitchádu para abrir o concerto. Também ele um projeto de protesto e de fusão da atitude punk com os ritmos cabo-verdianos, Scúru Fitchádu agarrou facilmente o público com o seu set dançável e as suas letras que espelham bem as questões sociais e políticas contemporâneas, incluindo o racismo. Do crioulo ao português, Marcus Veiga deu a conhecer vários temas do seu mais recente álbum “Griots i Riots” (2025) e passou uma mensagem de resistência em temas como “Kema palasio kema” e “Idukasan i saud“, esta última com várias referências ao clássico “Liberdade” de Sérgio Godinho. Não menos importante foi a valorização da instrumentação tradicional cabo-verdiana que vimos em palco, neste caso através do uso do Ferrinho, tocado por Marcus para marcar um ritmo frenético.
Bob Vylan
«A banda mais fofa do punk rock», «A banda mais simpática do rock’n’roll» ou «A banda mais importante da Grã-Bretanha», foram algumas das expressões que Bobby Vylan utilizou para descrever o grupo num tom jocoso. Talvez a última tenha sido a mais assertiva, tendo em conta o impacto que os Bob Vylan têm tido nos media britânicos e não só.
Independentemente do slogan, foi perante uma moldura humana repleta de bandeiras da Palestina e keffiyehs que o grupo entrou na sala 1 do LAV – Lisboa Ao Vivo para dar início ao seu protesto na forma de concerto. No palco, encontrava-se uma produção minimalista, composta apenas por uma bateria, tocada por Bobbie Vylan, e uma espécie de sound system, mas sem dj a comandá-lo, com a bandeira da Palestina afixada. Porém, verdade seja dita, que o concerto não teria o mesmo impacto sem as mais variadas mensagens de cariz político e social que foram projetadas na tela de fundo como: «Este país foi construído às custas dos imigrantes», «Precisamos de casas acessíveis para todos», «A vida humana antes do lucro privado», «Hoje controlamos os alugueres… amanhã a polícia, as escolas e a comunidade!», «Oito anos depois e ainda sem justiça para Grenfell» ou «Os direitos das mulheres são direitos humanos.» Todas elas foram “ilustrando” temas como “GYAG (Get Yourself a Gun)”, “Wicked & Bad”, “He’s a Man” ou “I Heard You Want Your Country Back”.
Apesar da alteração da setlist face à do último concerto decorrido a 15 de Setembro em Nijmegen, nos Países Baixos, a performance dos Bob Vylan contou com a tradicional meditação e uma série de alongamentos ao som de um instrumental grime logo na abertura. Enquanto o público seguia à risca os exercícios de Bobby, já a tela de fundo transmitia uma mensagem incisiva: «Os Bob Vylan estão matar o punk rock», uma declaração claramente em jeito de provocação para com todos aqueles que se opõem ao posicionamento político do duo britânico.
Combinando a agressividade dos Rage Against The Machine, a desobediência dos Sex Pistols e o flow de Dizzie Rascal, os Bob Vylan souberam alternar temas com mensagens poderosas como “Dream Big”, “Northern Line” ou “We Live Here” com discursos que tocaram em pontos como o seu cancelamento por parte da BBC, o incentivo à liberdade palestiniana, a procura dos jornalistas em arrancar soundbites nos concertos e, em jeito de aproximação para com o público presente no LAV, o crescimento da extrema direita e do partido Chega em Portugal, fazendo assim um paralelismo com o panorama britânico.
Num momento de protagonismo de Bobbie, houve espaço para ouvir a sua bateria a acompanhar o clássico “Everybody Loves the Sunshine” de Roy Ayers, antes de mais uma chamada de atenção na forma de “Ring The Alarm”.
A noite estava a correr bem, com o duo a confessar que aquele estava ser um dos «concertos mais divertidos» da sua carreira.
Apesar do tempo fresquinho no exterior, no interior do LAV o ambiente estava bem caloroso com mosh pits constantes a acompanharem a descarga de energia contagiante e catártica dos Bob Vylan. A noite estava a correr bem, com o duo a confessar que aquele estava ser um dos «concertos mais divertidos» da sua carreira. Para premiar esse título, eis que surgiu a primeira surpresa da noite com a estreia ao vivo de “Sick Sad World”, uma nova malha a roçar o hardcore que será lançada a 10 de Outubro. Mas, para Bobbie este concerto estava mesmo a ser especial e foi numa pequena conversa com Bobby que decidiram tocar mais um inédito cuja data de lançamento ainda não está sequer definida. Bobby mostrou-se inicialmente reticente, mas o público fez barulho suficiente e conseguiu convencer o frontman a apresentar este tema que se aproxima mais do rap britânico.
Para o fim ficou guardada “Hunger Games” cuja mensagem «(…) És mais forte do que pensas/És amor/Não estás sozinho/Estás a passar por um inferno, mas continua/Tem orgulho próprio, tem abertura de espirito/Sê barulhento, sê esperançoso/Sê saudável, sê feliz/Sê gentil contigo mesmo/Sê decisivo» abriu um raio de luz num mundo profundamente nublado. Prontamente, a dupla informou o público de que no fim teriam todo o tempo do mundo para trocar dois dedos de conversa, tirar fotos e dar autógrafos, num momento que demonstrou que, apesar dos palcos e dos púlpitos, ninguém é mais que ninguém.


























































