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O Legado de Dick Dale

O Legado de Dick Dale

Nero

Conhecido como “King of the Surf Guitar”, Dick Dale, basicamente, inventou este subgénero do rock através de um  estilo aguerrido e pioneiro de tocar guitarra, que então passou a ser objecto de culto.

Nascido Richard Monsour, em Boston, em 1937, Dale foi exposto desde muito cedo a várias fontes musicais. Filho de pai libanês e mãe polaca, foi fascinado pelo enorme caldeirão de diversidade de instrumentos de cordas de ambas as culturas. E depois, como o próprio sempre assumiu, o estilo vibrante da lenda Gene Krupa tocar, bateria fez o resto. Só faltava esse elemento oceânico, que Dale ganhou quando a a sua família se mudou, em 1954, para a Califórnia. Dale abraçou de coração a cultura surf.

Muito antes de “Pulp Fiction”, Dale escreveu aquele que se tornou o seu single mais reconhecido, “Misirlou”, em 1962. O tema é uma adaptação de uma composição tradicional na cultura do leste mediterrânico. A título de curiosidade, em grego, Misirlou significa literalmente egipcío.

Mas ainda antes dessa malha, em 1961, escreveu “Let’s Go Trippin’”, tema axiomático, considerado o primeiro surf rock instrumental e reputado como o Big Bang do género, com os históricos Beach Boys a assumirem depois a segunda vaga, tornando-se pioneiros do género com recurso a voz.

STRATOCASTER

Dale começou a tocar piano com 9 anos de idade, mas por essa altura comprou um ukelele e tornou-se um autodidacta da música country. Queria ser um cantor country, mas a ferocidade rítmica de Gene Krupa deu-lhe a volta à cabeça e pegou numa guitarra em detrimento do uke. O seu estilo de tocar guitarra tornou-se famoso especialmente graças ao seu picking staccato, ainda mais singular pelo facto de Dale ser canhoto e usar uma guitarra para destros invertida.

Todavia, usava-a de forma não modificada, ao contrário do que faria, o mago Jimi Hendrix. Como Dale mantinha as cordas mais graves no fim, o ângulo do pickup da ponte da Stratocaster ficava invertido, permitindo-lhe obter maior agressividade de agudos nas cordas mais graves e maior calor nas cordas mais aguda.

A sua famosa Stratocaster, alcunhada “The Beast”, foi-se tornando um portento de fúria, com massivas cordas .016-, .018- .020- .039-, .049- e .060-. Um calibre capaz de gerar uma tremenda tensão. A “Beast” não possuía quaisquer controlos de Tone, apenas um Master Volume e um gatilho que contornava o sistema triplo alternador das Strats, alternando apenas o pickup do meio e do braço (em conjunto) com o da ponte.

A Fender Custom Shop recriou a “The Beast”, uma beleza dourada que podem averiguar no site oficial.

MAIS VOLUME, MAIS RESULTADOS

Do outro lado de um continente e de um oceano, Jim Marshall trabalhava em conjunto com gente como Pete Townshend para criar os monstruosos plexis. Na Califórnia, Dale e o seu amigo Leo Fender descobriram que amps de 100 watts não tinham “patada” suficiente para o guitarrista, que rebentou vários amplificadores.

Para resolver este problema a Fender criou o primeiro transformador de 85 watts, capaz de aguentar os 100 watts de potência. Dale diria que «foi como passar de um pequeno Volkswagen carocha para um Testarossa». O novo amp acabaria por entrar em produção na Fender com o nome Showman, emparelhado com uma coluna que continha um altifalante de 15”.

Dale e Leo Fender continuaram a perseguição de maior jarda e acabaram por desenvolver uma coluna capaz de conter dois altifalanets de 15”. Para isso foi necessário um transformador ainda maior, que surgiu quando Leo e Dale se juntaram à Tria Company para desenhar uma unidade de 100 watts, capaz de aguentar 180 watts de potência. Foi assim que nasceu o Dual Showman.

O guitarrista foi também um dos primeiros utilizadores de reverb, ligando a Strat a um tanque de reverberação, para obter um som mais “molhado” e mais sustain. Daí em diante, o reverb tornou-se um pilar do surf rock.

HEAVY METAL

A revista Guitar Player já chamou a Dale o pai do heavy metal, fruto do seu som carregado de electricidade e da sua tremenda velocidade de picking. Talvez, os norte-americanos se sintam órfãos dos Black Sabbath e façam outra genealogia, através do surf rock. Afinal, Dale foi uma influência directa para Eddie Van Halen, cuja primeira canção que aprendeu a tocar em guitarra eléctrica foi “Walk Don’t Run”, dos Ventures, e sempre assumiu perseguir a velocidade de picking de Dale. Basta ouvir temas dos Van Halen como “Romeo Delight” ou “Top Jimmy”, para perceber o fascínio de Eddie com este universo musical.

PULP

Dick Dale retirou-se da música durante a década de 70. Regressou ao activo já a meio da década de 80. Em 1995, o colosso da rádio britânica, John Peel, descobriu-o a tocar no Garage, em Londres, e tornou-se um dos seus maiores patronos, procurando passar o seu legado musical para uma nova geração de músicos e melómanos. Algo que estava já acontecer através de Quentin Tarantino, que colocou “Misirlou” no genérico de “Pulp Fiction”.

Em 2008, Dale enfrentou um cancro, sendo sujeito a tratamentos de quimioterapia e sendo submetido a cirurgia. Ainda em 2016, o guitarrista continuava a actuar ao vivo, de forma a poder fazer face às suas despesas médicas e farmacêuticas. Morreu, vítima de insuficiência cardíaca congestiva, no dia 16 de Março de 2019. Tinha 81 anos. Descanse em Paz.

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