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Simon Phillips, Uma Vida a Tocar Bateria

Simon Phillips, Uma Vida a Tocar Bateria

Redacção
Tama

Simon Phillips nasceu em Londres a 6 de Fevereiro de 1957 e é um baterista de jazz e rock conhecido pelo seu trabalho com nomes como Chick Corea, The Who, David Gilmour, Jeff Beck, Gary Moore, entre muitos, muitos outros. Esta é a sua história.

O currículo de Simon Phillips é interminável. Na sua carteira de ‘clientes’ estão nomes como Judas Priest, Jon Lord, David Gilmour, Roger Glover, Ian Gillan, Jeff Beck, Michael Schenker, Jack Bruce, Brian Eno, Mike Oldfield, Gary Moore e Mick Jagger. Mas não só. Em 1989, participou na tour dos The Who e do subsequente álbum “Join Together”, além de ter gravado nos discos a solo de Pete Townshend e Roger Daltrey. Em 2009, juntou-se ao baixista Pino Palladino e ao teclista Philippe Saisse para formarem o trio instrumental de jazz e rock Phillips Saisse Palladino.

Para lá de todas estas participações, ainda tem alguns discos a solo. Tendo toda esta carreira como ponto de partida, a Prog Magazine quis prestar homenagem ao prolífico músico e produtor e dedicou algumas páginas a este baterista que dá nas vistas com o seu kit de 17 peças, num artigo em que Phillips – que não só acaba de completar mais um aniversário, como festeja 33 anos do seu disco a solo “Protocol” -, reflecte sobre a sua vastíssima vida e obra.

Emergindo como baterista de topo em Londres nos anos 1970, Phillips mudou-se para a Califórnia para se juntar aos Toto nos anos 90 e é aí que reside desde então, trabalhando como baterista de sessão, engenheiro e produtor. Paralelamente, Phillips lançou-se numa carreira a solo com “Protocol”, em 1988, ao qual se seguiram mais três discos sob o mesmo nome. Numa altura em que não há estrada, o músico fala sobre os seus processos de composição, que por vezes surgem na estrada.

«Começou no último álbum: a canção “Catalyst” foi maioritariamente escrita num avião, sem teclado, directamente para o computador, literalmente arrastando e colocando notas na pauta MIDI. O mais fixe nisso é que se confia puramente nos ouvidos para a harmonia, em vez de se recorrer por defeito às formas no teclado. Se fores um teclista limitado como eu, extremamente limitado, tendes apenas a repetir essas formas. Quando não temos um teclado à nossa frente, temos de imaginar literalmente o teclado e os intervalos entre as notas, por isso é óptimo. E ajuda porque se está a escrever a melodia em vez de se criar uma harmonia muito fixe e colocar a melodia em cima».

Apesar do virtuosismo da banda de “Protocol” – a encarnação actual ao vivo ostenta Greg Howe na guitarra, Ernest Tibbs no baixo e Otmaro Ruiz nas teclas – Phillips nunca quer que a sua música seja apenas técnica. «Se pensarmos em alguma das canções de Paul McCartney, é sempre a melodia. Há algo a ser dito sobre grandes canções, canções pop. De Don Henley, Billy Joel, seja quem for, é a melodia, e o problema com o jazz e a fusão é que, por vezes, a melodia é secundária».

Em “Protocol”, há também uma faceta funk, uma espécie de fusão progressiva, que Phillips diz ser «sempre importante, especialmente quando se toca música complexa». E explica: «Sempre tive esse problema, no sentido da produção. Quando as pessoas vêm ter comigo e têm música incrivelmente complexa, acabo por dizer: ‘É óptimo, é inteligente, mas não há groove’. E é então que desmonto a canção, como fiz com [o teclista] Derek Sherinian. É algo de que penso estar muito consciente, especialmente com a minha própria escrita, que primeiro e acima de tudo, mesmo com as coisas complexas, ainda há um groove. Pode basicamente bater-se o pé até ao fim da canção».

Toca para a sala. Se a sala é pequena e reflexiva, é preciso mudar a forma como se toca

Outro aspecto importante para que a música funcione é, segundo Phillips, o entrosamento entre músicos enquanto pessoas. Incorporar novos elementos – Greg Howe e Otmaro Ruiz chegaram depois da partida de Andy Timmons e Steve Weingart – significa que os membros da banda têm de descobrir se fazem ‘click’ não só como músicos, mas também como pessoas. «Nunca se descobre realmente isso até se ir para a estrada. A primeira digressão é geralmente fantástica. É na segunda digressão que a lua-de-mel acaba».

Simon descreve a actual formação como «a banda mais fria que já tive», sublinhando que têm viajado muito e perto uns dos outros, com o baterista muitas vezes ao volante, testando os nervos do grupo. «Na primeira parte da digressão, tive uma Renault Espace e era eu quem conduzia. Gosto de conduzir rápido e estou sempre a verificar se estão todos bem. Por isso, no dia seguinte, acelero um pouco mais só para ganhar a confiança de todos e, de repente, estamos a fazer 180 nas auto-estradas da Europa e toda a gente está fixe com isso».

Os clubes de jazz onde Phillips e companhia têm tocado com Protocol são uma experiência necessariamente diferente dos tempos em que tocava em grandes arenas com Toto, Jeff Beck ou The Who. Mas Phillips acredita que se trata apenas de adaptação ao local e não perder o foco no que realmente importa. «A minha cabeça já não está no rock’n’roll em termos de precisar disto, de precisar daquilo – a minha cabeça está em tocar música e fazê-la funcionar. Se perguntarmos a qualquer um dos bateristas mais velhos que existem há anos, eles dirão sempre: ‘Toca para a sala’. Se a sala é pequena e reflexiva, é preciso mudar a forma como se toca. É preciso ter respeito e estar atento à acústica. Há sempre uma tendência: quando não está a resultar, toca-se com mais força, mas está a bater-se numa parede de tijolo. Não vai melhorar. É preciso ir para o outro lado, basta aliviar um pouco e deixar a música tocar sozinha».

Para ilustrar o seu ponto de vista, Phillips recorda um episódio numa célebre sessão de gravação que ele próprio dirigiu. «Foi Brandon Fields no sax, Dave Carpenter no baixo, Peter Erskine na bateria e o artista era um pianista italiano. Fizemos um take e Peter disse: ‘Muito bem, vamos fazer outro take. Desta vez, vamos tentar não nos impressionar uns aos outros’. Eu estava na sala de controlo quase no chão a rir. E foi um belo take. Foi muito fixe o que ele disse. Basta tocar a música. É o que se tem de fazer nesses cenários quando se trata de uma sala com som mau. Tento sempre dizer aos músicos que tocam na banda se por vezes ficam demasiado envolvidos na forma como soa ou quando cometem erros… É essa a questão do jazz. É fazer funcionar. Não é o fim do mundo».

Embora esteja afastado dos Toto desde 2014, os fãs da banda costumam assistir aos seus espectáculos a solo. A verdade é que Phillips nunca foi apenas o baterista do grupo, pois concebeu três dos seus álbuns e também esteve envolvido no processo de composição de muitas canções. «Foi por isso que pensei que provavelmente nunca me juntaria a uma banda a não ser que fosse a minha própria banda porque, para estar totalmente envolvido e envolvido durante muito tempo, precisaria de ter essas outras coisas para fazer».

DA SAÍDA DOS TOTO AO HIATO DOS THE TRIO PROJECT

O 11º álbum de estúdio da banda americana Toto, de 2002, foi gravado no estúdio de Simon Phillips, que conta o que aconteceu desde essas sessões de gravação até à separação da banda. «Foi um processo lento até Steve Lukather, que trabalhou comigo num disco que produzi, disse aos outros rapazes: ‘Ele tem uma grande coisa a acontecer lá em casa, vamos gravar lá’. Então, eu tinha todos os Toto em minha casa, tinha o meu equipamento de guitarra na garagem e gravámos “Through The Looking Glass”[disco de versões de artistas que inspiraram a banda]. Envolvi-me muito mas acabámos em 2008 depois de Mike [Porcaro] já não poder tocar por causa da doença de Lou Gehrig [esclerose lateral amiotrófica]. Tudo chegou ao fim e só precisávamos de uma pausa. Voltámos a estar juntos em 2010 e eu estava bem se só saíssemos durante um mês por ano, talvez um par de vezes, mas o Steve queria mesmo fazer mais. Então eu disse: ‘Está bem, 21 anos é suficiente. Preciso de fazer outros empreendimentos musicais’».

Outro dos pontos altos do trabalho de Phillips, desde 2010, tem sido a sua colaboração com o fenómeno do piano Hiromi e o baixista Anthony Jackson no The Trio Project, apesar do hiato indefinido em que o projecto se encontra desde a actuação de Julho de 2016 no The Jazz Café em Londres, quando Phillips estava doente e Jackson sofreu um AVC. «O Anthony e eu estávamos num estado terrível. Eu estava com muitas dores, estava muito doente. O Anthony não estava melhor. Estava lento. Tivemos de ter muito cuidado com ele, certificando-nos de que ele não caía ou escorregava ao sair da carrinha, e algures nessa noite, ele caiu do lado de fora do Jazz Café… Então, ambos estávamos em cadeiras de rodas no aeroporto. E assim foi o fim».

Dois meses após esse episódio, Simon Phillips estava no caminho da recuperação, ao contrário de Jackson, que ainda não está bem, por isso The Trio Project está em modo standby. «Era provavelmente tempo de fazermos uma pausa de qualquer maneira. Mas tenho a certeza de que faremos algo novamente. Espero que sim». Aperta o play, no player em baixo, e desfruta da ‘desbunda’ que é Protocol.