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Se tens uma banda, esta entrevista é para ti!

Se tens uma banda, esta entrevista é para ti!

Redacção

Se és músico, existem três plataformas que talvez te sejam úteis.

WHY Portugal é uma plataforma sem fins lucrativos, que tem como objetivo agregar artistas e profissionais da indústria da música portuguesa numa base de dados, seguindo a lógica de uma plataforma de music exchange. Pretende fomentar contactos entre os artistas nacionais e as equipas profissionais que os representam, aos delegados internacionais presentes nas várias feiras e congressos da indústria da música a nível internacional.

Westway LAB, é também uma plataforma colaborativa que funciona quase como que um laboratório orgânico, de experimentação e estímulo à criatividade. No Westway LAB, que este ano conta já com 3 edições, artistas nacionais e internacionais juntam-se durante uma semana numa residência artística, num ambiente de criação, partilha, pensamento e confronto de ideias. Esta última edição foi, segundo Nuno Saraiva – precursor da iniciativa – «uma consolidação do projeto».

A Associação de Músicos Artistas e Editoras Independentes (AMAEI), é uma Associação Profissional Fonográfica que reúne os Produtores Fonográficos Independentes em Portugal, sejam eles editoras independentes ou músicos artistas auto-editados. A missão é defender, unir, organizar e promover o sector da música independente nacional, tanto em Portugal como no estrangeiro.

Para te esclarecermos um pouco melhor, aproveitamos uma viagem de comboio até ao Entroncamento  e trocámos umas palavras com Nuno Saraiva – diretor do Westway LAB, vice-presidente da AMAEI e integrante do projeto WHY Portugal. O Nuno explicou-nos em que consistem estas plataformas, e de que forma podem ser uma mais valia para novos músicos.

Qual é o balanço do Westway LAB e quais sãos os objetivos para o futuro?
Este ano foi já a terceira edição do Westway... O tempo passa a correr! Quando idealizámos o projeto, queríamos fazer, em Portugal, alguma coisa à semelhança dos eventos profissionais lá fora: Um showcase festival para novos talentos, com uma conferência profissional, com delegados internacionais a interagir com os nacionais. E um dos diretores do festival, o Rui Torrinha, optou logo, desde a primeira edição, por diferenciar o nosso evento dos outros, desafiando os artistas, nacionais e internacionais a entrar em residências artísticas… Pessoas que não se conheciam, que vão então numa semana criar algo novo, para depois tocar ao final da semana de trabalho à frente de um público. É um desafio bastante diferente. E podemos afirmar, já nesta terceira edição, que sentimos que o projeto se consolidou de uma forma potente. Tanto pela parte dos artistas que apreciam muito um evento que proporciona este tipo de liberdade, criatividade… Sei lá, são o que quiserem naquele ambiente… Como do lado da conferência profissional, onde os profissionais vêm a um evento mais pequeno, do que por exemplo o Eurosonic ou o SXSW [South by Southwest], onde têm mais tempo de interação uns com os outros, passam a conhecer-se melhor, e também têm esse potencial, que muitas vezes não acontece, de interagir com os próprios artistas, que lá estão a criar nova música. Portanto, foi uma excelente terceira edição!

Todo o propósito do festival enquanto plataforma de internacionalização está realmente a andar.

Quanto às residências, são vocês que convidam as bandas, ou qualquer banda pode se candidatar?
Qualquer artista nacional pode-se candidatar às residências de cada ano, através de uma plataforma, nossa parceira, que é a www.gigmit.com. Existe um open call para os artistas nacionais se candidatarem, depois entram para um banco de artistas selecionados, e são escolhidos pelos internacionais que depois vão votando por ordem de preferência, cada ano. Os artistas, de certa forma, escolhem-se uns aos outros.

Vocês têm histórias interessantes, de imprevisibilidade? Porque nunca sabem o que vai acontecer, pode correr bem, pode correr mal…
É verdade! Temos várias histórias… Só houve, em todos os grupos de trabalho dos três anos, um grupo que não funcionou bem, e tivemos mesmo que arranjar outra opção. As estéticas ou os temperamentos não estavam a ligar. Portanto, num total de 16 grupos, só houve um que não funcionou. Os outros, sobretudo nesta terceira edição, correram realmente tão bem, que eu penso que teremos projetos com uma vida para além do Westway Lab. Existe pelo menos um grupo de trabalho que já nos escreveu e que anunciou que vão continuar a trabalhar juntos e editar algo… Coisa que já tinha, de certa forma, sido anunciada. Logo na primeira edição, houve um grupo de trabalho, os austríacos Ghost Capsules com o José Figueiredo dos Peixe:Avião, que correu muito bem. Só que depois os Ghost Capsules acabaram, e então, nem eles, nem aquele projeto com o Zé dos Peixe:Avião foi para a frente. Desta vez, estamos a falar de um grupo húngaro, chamado Ivan and de the Parazol. Dois dos elementos dessa banda estiveram a trabalhar com o Nelson Reis [We Bless This Mess], uma coisa de Folk Punk, que correu muito bem, já têm fotos promocionais, um manager… Contam editar um EP e levar o Nelson à Hungria… Portanto, todo o propósito do festival enquanto plataforma de internacionalização está realmente a andar.

Lá fora, no Eurosonic e mesmo tendo em conta a tua participação no SWSX achas que se sente muita diferença entre as bandas portuguesas e a música que produzem em relação aos projectos internacionais?
É uma questão complexa! Eu acho que se nota essa diferença, mas é sobretudo no desenvolvimento profissional ou na visão ampla do que é que pode ser a profissão do artista, ou o que é que pode ser o artista profissional. Ou seja, enquanto que nos outros países existem esses apoios – que de certa forma fazem a ponte entre o que é a cultura musical atual de um determinado país, e as indústrias criativas oriundas dessa cultura – em Portugal não! Em Portugal temos muito aquela ideia antiquada que a cultura é a cultura como museus e as orquestras e que a música é comércio, a música Pop é comércio. A música Pop não é comércio! É cultura e é negócio, são as duas coisas. E enquanto, institucionalmente, Portugal não reconhecer isso, temos uma handicap. Portanto, não se sente a falta de talento, ou a falta de qualidade de produção dos nossos projetos, sente-se esse estar desamparado, ou não ter a estrutura e o conhecimento profissional necessários para dar o salto e ser um artista profissional. E é nisso também que um projeto como o Westway Lab pode ajudar, porque ao interagir com artistas e profissionais que vêm de fora… esse encontro de ideias e esse choque de realidades… de certa forma ajuda a catapultar os nossos artistas para outro mindset mais amplo.

Inserindo aqui também o WHY Portugal, ao qual estás ligado… Existe abertura e interesse em conhecer o que se faz em Portugal?
Nota-se que há esse interesse, claro, precisamente porque Portugal é provavelmente o último país da Europa Ocidental a não exportar música ou, institucionalmente, a não ter apoios para o fazer. Mas quando um evento como o Eurosonic, que é a maior feira profissional da Europa, destaca Portugal como country focus em 2017, alguma coisa tem que ser feita! Com ou sem export office alguma coisa teve que ser feita, e daí nasce o projeto WHY Portugal, que junta todo o trabalho do Westway LAB e toda a preparação de terreno com os profissionais internacionais que já conhecem Portugal, com o trabalho da AMAEI, que é a Associação de Música Independente, com o trabalho da Aporfest, enquanto associação de festivais – que muito impressionou os diretores do Eurosonic ao publicar um livro, com 300 ou 400 e tal festivais em Portugal. Portanto, esse grau de profissionalização começa a sentir-se, e foi só por isso que, atualmente, o Eurosonic sentiu que já havia, de certa forma, massa crítica para um desenvolvimento profissional em Portugal, que substanciasse o country focus. Agora, eu espero que não nos estejamos todos a enganar e que Portugal tenha realmente essa massa crítica para fazer boa figura. Muitas vezes costumo dizer que Portugal é mais ilha do que Inglaterra, por várias razões. No Reino Unido, existe um reconhecimento já de várias décadas, da potência económica das indústrias criativas, da música. E nós não, nós teimamos em que isso sejam indústrias que não são apoiadas, e que continuam quase marginais. E que deviam estar, como o turismo, no centro do que é o Portugal atual.

Quando um evento como o Eurosonic, que é a maior feira profissional da Europa, destaca Portugal como country focus em 2017, alguma coisa tem que ser feita! Com ou sem export office alguma coisa teve que ser feita, e daí nasce o projeto WHY Portugal

Voltando ao Westway Lab… Vocês este ano decidiram fazer uma apresentação aqui em Lisboa e deslocaram-se de Guimarães. Essa decisão tem a ver com a necessidade de atrair mais pessoas, de dar mais a conhecer, ou fazer com que quem não posssa ir a Guimarães consiga estar presente?
Foi um bocadinho de tudo. Logo desde a primeira edição, sabíamos que fazer uma conferência profissional em Guimarães tem vantagens e desvantagens. A desvantagem é que para alguém querer ir a Guimarães três dias dedicar-se ao pensamento, ao conhecimento e ao seu desenvolvimento profissional, é quase um retiro que não está ao alcance de todos ou, se por acaso a pessoa pode ir, nem sempre tem conhecimento do impacto que o Westway LAB pode ter no seu desenvolvimento profissional. E também, não só para divulgar isso, mas também para divulgar o nosso keynote speaker deste ano, o Charles Caldas, da Merlin, uma pessoa fabulosa…É quem vai bater à porta do Spotify e da Google Music a reivindicar os direitos digitais agregados de todo o setor independente.

O futuro da música passa pelo digital…
As apresentações que o Charles fez cá foram fantásticas! Nestes últimos anos de ação, a Merlin negoceia os direitos de streaming das grandes editoras independentes a nível mundial, e aponta um crescimento que, ao princípio – naquele momento de transição quando os downloads estabilizaram e o streaming começou a aumentar – o agregado dessas editoras fabricava 2 milhões por mês, por exemplo, e esse crescimento linear, com o lançamento da Apple Music e com processos… Fizeram com que esse crescimento começasse a aumentar exponencialmente. E agora, estamos a falar de 22 milhões por mês, num espaço de dois anos. Portanto, o aumento é exponencial e o futuro é digital! Mas mais do que digital, o futuro é o streaming. E existe uma capacitação básica e fundamental para todos os artistas autoeditados ou todas as editoras independentes, organizarem bem a sua casa digital, com um número mínimo de intermediários entre o criador, o artista e o seu público, e que esteja muito bem profissionalizada a nível dos metadata, metadados necessários à colheita dos vários direitos que daí advêm. Portanto, não estamos só a falar do rendimento comercial do streaming. Estamos a falar de direitos de autor, direitos conexos do produtor fonográfico, direitos conexos do artista… Existem, no mínimo, cinco vertentes básicas que é preciso organizar para ganhar a vida… Agora, a mensagem e o recado do Charles, foi que quem fizer isso agora, vai ter muito mais hipóteses de ganhar a vida como artista, do que tinham na era analógica. Foi uma apresentação muito positiva e muito otimista sobre o que é o futuro digital. Mas, claro, que aqui há uma ressalva: Isso é verdade para quem é dono dos seus próprios direitos e dos seus próprios fonogramas.

O futuro é digital! Mas mais do que digital, o futuro é o streaming.

E passando da escala mundial para Portugal, achas que tanto as pequenas editoras independentes, como as bandas que estão a começar agora, estão a aproveitar bem o uso do digital/streaming?
Eu acho que alguns já percebem e já rentabilizam bem a sua carreira, e há outros que ainda não percebem o potencial. É um desafio constante… Todas as entidades como o Westway LAB visam profissionalizar o setor e fazer valer o conceito de que muitas migalhas juntas fazem um bolo. É preciso ainda fazer passar esse recado a muitos artistas que ainda não têm nenhuma prova, e continuam a não aproveitar e a não receber o dinheiro que é deles e que vai parar a outro bolso.

Se eu tivessse uma banda, o que é que a AMAEI e a WHY Portugal podiam fazer por mim? Como me podiam ajudar?
A AMAEI, enquanto Associação de Músicos Artistas e Editoras Independentes, apresenta logo uma série de passos básicos para começar a rentabilizar essa realidade digital. Temos um protocolo com a Altafonte, que é uma boa distribuidora digital e que, por sua vez, tem um protocolo com a Merlin. Por isso, sabemos que estamos em boas mãos em termos desse frente a frente com a Google, a Apple, o Youtube, o Spotify, etc. E esse protocolo da Altafonte com a AMAEI dá logo uma vantagem em termos de percentagem aos associados da AMAEI para ganharem logo um pouco mais à cabeça. A AMAEI também inscreve todos os seus associados na Audiogest para que recebam o direito conexo do produtor fonográfico. E depois, fazemos workshops de partilha de conhecimento entre os nossos associados e vamos formando grupos de trabalho de acordo com as necessidades que são identificadas, para desenvolver esse trabalho e apoiar esse desenvolvimento profissional. Já o Westway tem um ambiente um bocadinho diferente, porque na conferência confronta toda esta realidade nacional com as boas práticas lá fora. E temos outro leque de conhecimento e outras opções que chocam muitas vezes com as nossas.

Estiveste no SXSW. Quais são as diferenças que notam entre o mercado americano e o mercado europeu?
Logo ao chegar a Austin, houve duas coisas que nos surpreenderam: primeiro, um ambiente ultrapositivo e otimista de todos os profissionais, que é uma coisa que cá, muitas vezes, não se sente… Acho que neste momento, na Europa, existe um certo pesar e uma certa preocupação sobre o futuro que, na América – mesmo com a incerteza das eleições – não se fez sentir. Depois, houve outro choque de realidades que foi completamente óbvio logo ao princípio: o South by Southwest não é só uma feira de música: é uma feira de música, cinema e interactive, tudo junto. E a parte do interactive e das start ups, provavelmente, na feira já tem um peso maior do que a música. A indústria e a cultura da música está intrinsecamente ligada ao ambiente das start ups e do digital. Toda essa economia do empreendedorismo… Tem que ser muito mais integrado no nosso discurso da música. E isso é um desafio institucional, porque essas coisas em Portugal têm sempre tendência a estar muito separadas. E é fundamental que a nível nacional se possa integrar essas realidades para fazer valer esse facto.