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Beatles, Apple Rooftop

Beatles, Apple Rooftop

Nero
beatlesbible.com

A história do último concerto dos Beatles, a lendária actuação surpresa nos telhados da Apple, que ocorreu a 30 de Janeiro de 1969.

Foi na segunda metade da década de 60 que os Fab Four começaram a perceber totalmente o seu poder e o impacto das suas acções. A banda editou “Rubber Soul” e começou a negar controlo aos barões do show bizz e deixou de aceitar ser manietada e exibida como um troféu de propaganda política. E o presunçoso mundo ocidental começou a ver a banda que idolatrava como uma ameaça.

Em 1966, a banda recusou o convite de Imelda Marcos, primeira-dama das Filipinas (onde estavam em digressão) e esposa do ditador Ferdinando Marcos, para uma recepção no Palácio Presidencial. Nos Estados Unidos, fanáticos religiosos e conservadores (incluindo o Ku Klux Klan) estavam em polvorosa com a famosa entrevista em que Lennon dizia que o cristianismo desapareceria: «Vai minguar e desaparecer. Nem preciso de o explicar, estou certo e o tempo o dirá. Actualmente, nós somos mais populares que Jesus Cristo; não sei qual desaparecerá primeiro, o rock ‘n’ roll ou o cristianismo. Jesus era a valer, mas os seus discípulos eram burros e vulgares. É a distorção que fizeram que me desagrada».

O Vaticano lançou um protesto e os discos da banda foram proibidos de passar em rádios holandesas e espanholas, por exemplo. Não valia de nada Lennon explicar que se referia à forma como a própria sociedade olhava para os Beatles e o seu sucesso. Fanáticos luteranos e católicos tinham sido colocados de frente com um espelho e não gostaram do que viram. Lennon acabou por pedir desculpa.

UM FIM ANUNCIADO

Entretanto, George Harrison conheceu Ravi Shankar em Londres e este ensinou-o a tocar sitar. A banda mergulhou na cultura indiana, onde se refugiou ainda nesse mesmo ano. A meio desta transmutação, a banda decidiu que “Revolver” (o título indicava agressividade e “revolvimento”, mudança), onde começa a emergir a influência de Harrison de forma mais vincada, seria o último álbum a ser promovido em digressão. A complexidade das canções aumentou, tal como a experimentação em estúdio, e surgiu o acréscimo de arranjos, indo de conjuntos clássicos de cordas ao psicadelismo. Um som que atingiu maturidade total em “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, editado em ’67. Nesse vórtice metamórfico, Brian Epstein morreu. As relações entre o empresário e a banda estavam tremidas, mas os rapazes de Liverpool, para todos os efeitos, estavam agora “órfãos” e viraram-se para Maharishi Mahesh Yogi, viajando mesmo para meditar junto do guru.

Redescobrindo-se criativa e musicalmente, em ’68 a banda iniciou as sessões do álbum homónimo, mas Ringo Starr e Paul McCartney começaram a questionar a influência do guru sobre os seus colegas e abandonaram o retiro. Lennon abandonaria também a Índia, quando confrontado com o comportamento sexualmente predatório de Maharishi, e trouxe consigo Harrison.

As gravações do “White Album” continuaram, mas a experiência no ashram havia cavado distâncias entre os Fab Four. Starr abandonou mesmo a banda por duas semanas, com McCartney a sentar-se na bateria em algumas sessões. Lennon perdeu o interesse em escrever com McCartney e todos os temas são de um ou de outro, com o primeiro a referir-se a algumas composições do companheiro como «música de merda para velhotas». Ao mesmo tempo, nenhum dos outros três apreciava o platonismo de Lennon por Yoko Ono. Se as sessões deste álbum decorreram num ambiente tenso, as de “Abbey Road”, de onde resultou também “Let It Be”, foram de “cortar à faca” e Harrison abandonou as sessões durante uma semana, ameaçando mesmo abandonar a banda.

Os Beatles não se entendiam quanto a quem apontar como seu gestor económico; Lennon, Starr e Harrison queriam Allan Klein, McCartney queria o cunhado, John Eastman. Lennon iniciou a Plastic Ono Band e, em 20 de Setembro de ’69, anunciou a saída da banda, ainda antes da edição de “Abbey Road”. Ninguém queria assumir a produção das Get Back Sessions (gravadas antes do material de “Abbey Road”), que viriam a ser “Let It Be”, tal era o ambiente entre os quatro músicos. Então, Harrison gravou “I Me Mine”, em Janeiro de 1970, e Phil Spector assumiu a edição e produção das sessões de “Let It Be”. Talvez por convicção, talvez por Spector ter produzido o single a solo de Lennon, “Instant Karma!”, McCartney desprezou o trabalho final do produtor e exigiu alterações à mistura final, particularmente em “The Long And Winding Road”. As exigências foram ignoradas e a 10 de Abril de ’70, foi a sua vez de anunciar a saída. A banda que havia sido maior que Jesus terminara e entraria numa tempestade de acusações internas e disputas legais.

VIOLINOS NO TELHADO

Voltando um pouco atrás. Os Beatles estavam a trabalhar em “Abbey Road”. Já não davam concertos. Mas havia planos para fazerem alguma apresentações ao vivo (antes de tudo implodir, como vimos). Não se sabe ao certo de quem partiu a ideia, mas apesar de não ter sido anunciado, o concerto nos telhados da corporação multimédia estava previsto há um par de dias. O teclista Billy Preston encontrava-se em estúdio com a banda, a convite de Harrison (este tentou que um músico externo ajudasse a banda a focar-se no trabalho) e subiu ao telhado para participar no concerto. O áudio foi gravado com dois “eight-track”, a partir do estúdio na cave da Apple. O engenheiro foi o lendário Alan Parsons.

Quando os Beatles começaram a tocar, a reacção inicial das pessoas, cinco andares abaixo, foi de confusão. Mas com tanta gente no intervalo para almoço, a notícia passou rapidamente de boca em boca. Os Beatles estavam a tocar ao vivo e à borla para quem quisesse ouvir. As ruas e telhados circundantes rapidamente ficaram apinhados de pessoas. A polícia, apanhada de surpresa, viu-se a achou-se para controlar a confusão e forçaram a entrada no edifício, com o pressuposto de controlar o ruído e de parar o concerto para resolver o caos gerado no trânsito. Quando a polícia conseguiu chegar ao telhado, era uma questão de tempo até o concerto terminar. Foi a última vez que os Beatles se apresentaram, em concerto, em público.