Quantcast
Nuno Calado & A Indiegente

Nuno Calado & A Indiegente

Nero

Quando o Indiegente celebrou o 15º aniversário foi editado um vinil para assinalar a efeméride. Relembramos o processo e a entrevista com Nuno Calado, agora que se prepara um festival.

No dia 13 de Outubro irá decorrer o Indiegente Live, 21 anos depois de Nuno Calado ter criado o seu programa de autor na Antena 3. Há seis anos atrás, com a chancela da Glam-O-Rama e da Raging Planet, duas respeitáveis editoras do underground nacional, foi editado um vinil que celebrava os 15 anos do programa com uma selecção de meticulosa de bandas e canções. Recordamos a entrevista com o radialista, na altura, que versava sobre a criação do disco e fazia uma retrospectiva aos, então, 15 anos no ar.

LUTAS INTERNAS

«As playlists dão pouco espaço para que existam programas de autor. Parece que há medo de se apresentar coisas diferentes, que em Portugal perdemos muito tempo a tentar que as pessoas não vejam o quadro todo ou que há algum problema com a liberdade de pensamento, a liberdade de escolha. É um bocado aquela frase que foi aplicada ao António Sérgio, “o direito à diferença”». De resto, a admiração pelo “velho lobo” da rádio é notória em Nuno Calado – a estreita ligação entre ambos levou à edição de um primeiro disco (à passagem dos 5 anos) com o selo do Indiegente. Calado criou um programa que celebrou os seus 15 anos de existência e caminha para mais uns quantos anos a lutar contra as convenções da indústria: «Percebo perfeitamente que seja mais fácil dirigir uma rádio com playlist, que é mais fácil de lançar para o mercado que se pretende, mas se nós continuarmos, cada vez mais, a mostrar as mesmas coisas, as pessoas vão querer cada vez mais o mesmo e estamos a entrar numa espiral que nunca nos vai alargar horizontes, e isso parece-me extremamente preocupante».

Aconteceu muita coisa em 15 anos?
Lutas internas, com passos para trás e para a frente. Houve muita música que passou pelo programa. E depois vives muito também daquilo que os músicos te dão, às vezes há correntes que são mais fortes que outras. Mas são 15 anos que, quando olho para trás, não tenho muito a sensação que tenham passado 15 anos. De alguma forma, dá-me vontade de sorrir e, ao mesmo tempo, fico um pouco apreensivo, porque a idade está a aumentar, e quando chega alguém ao pé de mim e diz «ainda tenho programas gravados em cassetes», penso «que diabo!» [risos]. E depois há pessoas que me dizem «cresci com este programa» e imagino que seja a mesma satisfação que qualquer banda tem quando aparece alguém a dizer «oiço a tua música desde o início e ainda hoje me satisfaz». É daqueles momentos que fazem acreditar que vale a pena muitas vezes estares colocado num sítio com menos posição, em que as pessoas olham e dizem «esse tipo é alternativo, é uma coisa meio estranha». Acho que não há nada de estranho neste caso particular do Indiegente. Se olharmos para os cartazes dos festivais em Portugal, se calhar 80% ou 70%, a maioria das bandas são consideradas alternativas, portanto isto de ser alternativo e de pensar diferente não é assim algo tão extraordinário e que meta medo, acima de tudo que meta medo às pessoas.

Indiegente 15 Anos LP

INDIEGENTE EM VINIL

E o convite para fazeres a compilação?
O convite foi feito pela Glam-O-Rama e pela Raging Planet, aliás o convite mesmo inicial foi feito pelo Luís Lamelas [Glam-O-Rama], um bocado naquela base «estás a fazer 15 anos». Não achava que fosse muito interessante ter uma compilação com coisas que existem em discos e por isso dirigi o convite às bandas de ter temas que, na sua maioria, não estivessem publicados na altura, sempre com a liberdade de depois as bandas poderem usar esses temas, mais tarde, onde quisessem. Acabou por ser um LP duplo por descontrolo da situação [risos], um descontrolo agradável. Eu, a pensar que muita gente poderia dizer que não, tive a agradável surpresa de toda a gente dizer que sim. E depois comecei a pensar: «meti-me aqui numa alhada, porque isto afinal era só um disco e vão ter que ser dois» [risos]. É muito bom ter esse feedback das pessoas e darem temas novos. Ficaram também algumas bandas de fora que tinham sido convidadas, porque não tinham os temas acabados na altura, e houve outros que ficaram chateados por nem terem sido convidados. Por isso, já estou a pensar mais tarde ou mais cedo fazer um outro disco. Chegas a uma certa altura da vida em que deves celebrar a existência e o panorama da rádio é tão difícil que cada ano de existência de um programa de autor, seja ele qual for, deve ser celebrado. E esta é uma forma de o celebrar, lançar música que depois possa ser partilhada por toda a gente, no fundo é isso.

Como é que surgiram as bandas?
Foi engraçado com os Raindogs, tinham acabado já há bastantes anos, mas entretanto também estavam a falar entre eles em voltar a fazer música e o primeiro tema que surge para a luz do dia é o que aparece na compilação do Indiegente. Ou o caso dos The Point, uma banda do Neil Leyton, um músico português, que é um projecto de colaboração com o Nicke Andersson [The Hellacopters, Entombed], têm dois ou três temas num single e, já que o single também era edição limitada, pensei dar aqui mais uma possibilidade de as pessoas conhecerem este projecto. Também houve outras coisas que descobri quase por acaso. Já no estúdio, quando íamos fazer a masterização, chegámos à conclusão que havia ali uma necessidade de arranjar mais dois ou três temas para completar o último lado do disco e o Fernando Matias diz-me: «Gravei uns tipos há relativamente pouco tempo que são fantásticos», ouvi e é uma grande cena! São os Fart Simpson Band. O Fast Eddie Nelson era outra das ideias que tinha, consegui arranjar o telefone dele e acho que é um dos momentos altos do disco. Deu-me muito prazer os Mão Morta terem aceitado o convite e terem feito uma música de propósito. Nicotine’s Orchestra, o Nick Nicotine fazer um tema de propósito e ainda mais da forma clássica como ele começou a trabalhar, a gravar todos os instrumentos. Existem apenas duas bandas completamente estrangeiras neste disco (havia outras propostas de outras bandas, mas precisavam de mais tempo para ir para estúdio, quando começámos o projecto tínhamos um mês e pouco para receber as canções), uma é os The Ones, um projecto do Jack Endino, o produtor que gravou o primeiro álbum dos Nirvana, os Soundgarden, etc., e a verdade é que nunca saiu nenhum tema deles. O único tema que estava masterizado dos The Ones, tinha sido masterizado pelo Jack pouco tempo antes e de repente surge essa possibilidade, acaba por ser também um marco histórico de alguma forma. E depois são os The Electric Mess, uns nova-iorquinos de garage rock fantásticos. Os Thee Eviltones gravaram de propósito para o disco também.

Quando alguém se dedica para fazer algo de propósito para um disco é claro que ficas quase comovido.

Foi gratificante obter tantas respostas?
Houve muita gente que se dedicou. Quando alguém se dedica para fazer algo de propósito para um disco é claro que ficas quase comovido. E a simplicidade de processos que foi… Encontrar o Sean Riley num festival e falar com ele, que me diz: «Não tenho assim nada que me tenha sobrado. Versões, pode ser? Então vou-te mandar uma versão que eu tenho dos The Strokes».

PROGRESSO, RETROCESSO E ESTABILIZAÇÃO

No início dos 90s começou esta conversa de que as bandas tinham evoluído muito e dez anos depois surgiu outra vez e agora, dez anos depois… Afinal já estávamos nesse nível ou estamos a chegar agora?
Essa é uma questão bem delicada, como se fosse um tronco de uma árvore com muitos ramos. Acho que há avanços e recuos na música portuguesa, e no meio destes avanços e recuos há bandas que não estão nesses avanços e recuos, há algumas que vão estando sempre ao nível do que se faz lá fora. O Jack Endino veio a Portugal produzir os More República Masónica há uns anos atrás, ficou em minha casa e partilhámos conversas e muitos discos, discos de bandas estrangeiras e, obviamente, bandas portuguesas. E colocando discos do início dos anos 80 e depois dos anos 90, havia uma coisa que ele me dizia: «Nuno, o que é que se passou neste país?», porque os discos dos anos 80 tinham melhor som. E claro que nós sabemos que foram gravados em condições inferiores a esses outros mais à frente. O que aconteceu é que esses discos tinham menos efeitos, logo à partida é um som que estava menos datado. No final dos anos 90 essa questão começa novamente a ser colocada de parte e as pessoas começam a fazer discos mais actuais. Os próprios músicos portugueses começaram a ter consciência do “over produced”, o que faz com que, quando vais ouvir dez anos depois, digas «isto realmente é muito 1993» ou «é muito 1988». Daí para a frente nós fomos fazendo uma evolução. Hoje em dia há uma maior busca dessa internacionalização e há muitas bandas que têm claramente qualidade suficiente para tocar em Portugal e no estrangeiro.

Não valorizamos o que é “nosso”?
Às vezes não damos valor ao que é nosso, em algumas questões, em algumas bandas. E depois noutras valorizamos extremamente aquilo que é nosso sem tu perceberes o porquê. Um exemplo claro é dizer «esta banda não vale nada, porque parece os Interpol, os Pearl Jam ou os Radiohead» e depois dizes muito bem de todas estas bandas. Ao mesmo tempo dizes de outro artista «este gajo é muito fixe, faz-me lembrar o Jorge Palma». Quero dizer, então onde é que ficamos? Ninguém é original todos os dias. Existem poucas bandas, mesmo no mundo inteiro, que acrescentem algo de novo, que façam algo que foi “fresco” naquela altura em que apareceu, existem poucas bandas nessas condições. E por isso ou vais porque é bem feito ou se vais porque é original então se calhar tens de deitar 95% de toda a discografia fora. Não podes condenar alguém porque tem influências, porque toda a gente tem influências. Pondo isto para o programa de rádio, se a linha estética me interessa e se está bem feito… Há uma banda que está no disco, os Noidz, que gera ou amores ou ódios, juntares guitarras pesadas que podem vir do nada com batidas e electrónica, que pode tocar drum ‘n’ bass e trance com música tradicional portuguesa, à partida, será algo complicado. Mas tens que olhar para isto, no mínimo, com a cabeça aberta, «se calhar não estava preparado para ouvir isto, mas está bem feito, e é curioso alguém ter agarrado nestas coisas todas e ter feito fusão disto». Ter agarrado e ter levado mais longe qualquer coisa que se podia ter feito. No fundo, a mesma coisa se passou com os Buraka Som Sistema e com o kuduro, agarraram naquilo e fizeram qualquer coisa de novo. Hoje em dia olhamos para o trabalho do João Aguardela e achamos uma grande coisa, o que ele fez com a electrónica e com o tradicional, mas na altura ninguém gostou muito. Foi preciso o João morrer para que alguém olhasse para as coisas com mais atenção…