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ENTREVISTA | Nuno Calado, O Indiegente Live Não é um Festival, é uma Festa!

ENTREVISTA | Nuno Calado, O Indiegente Live Não é um Festival, é uma Festa!

Nero
Vera Marmelo

Nuno Calado, radialista da Antena 3 e autor do Indiegente, fala-nos sobre a segunda edição da versão de palco do seu programa de autor. Numa época com festivais em cada esquina, era importante fazer algo que fosse singular e irrepetível.

Nuno Calado é o mentor e a voz por detrás do Indiegente. O programa da rádio Antena 3 notabilizou-se pela proposto alternativa ao mainstream musical e também por um forte apoio à música nacional. Na celebração dos 15 anos do programa, o seu autor, em conjunto com a Chaosphere Recordings e a RagingPlanet, lançou uma compilação em vinil 12” (edição limitada), com um conjunto de temas escolhidos por si, entre inéditos e exclusivos, desde as bandas mais conhecidas como os Mão Morta ou os X-Wife aos projectos menos expostos ao foco mediático, como os Asimov ou Pe7er Panic.

O ano passado, para celebrar os 20 anos do programa, o desafio foi um festival de música. O primeiro Indiegente Live realizou-se a 13 de Outubro no Lisboa ao Vivo, com nomes como Adolfo Luxúria Canibal, Scúru FitcháduSean Riley ou Tó Trips, a subirem a palco. Este ano, a dose repete-se numa fórmula muito parecida. Na mesma sala, pela mesma altura (já no dia 19 de Outubro), com nomes diferentes, mas com a mesma dinâmica.

O Nuno Calado, além de um radialista de excelência, é um colaborador da AS. E se lhe podemos apontar o dedo por não ser o maior adepto dos Led Zeppelin ou dos Beatles, também não podemos duvidar do bom gosto do seu ouvido musical e da coragem editorial das suas apostas musicais. O locutor passou na nossa redacção para, desta vez, falar um pouco desta segunda vida do Indiegente, o palco…

Depois do ano passado, da edição de estreia, em que ponto é que percebeste que querias fazer uma segunda edição?
Fui o último a ser convencido disto. No próprio dia houve logo muito pessoal de bandas que me disse para fazer isto mais vezes. E no dia a seguir, o Pedro Valente, da Azáfama, que se oferecera para ser o stage manager, ligou-me a perguntar se já havia datas para 2019. Ri-me e disse-lhe: «Ainda não dormiste sequer». Nunca tinha pensado em fazer mais do que um e isso levou-me a ver essa aceitação por parte das bandas, dizerem-me «sim, tens que fazer mais». Haver algum público que se chegou perto de mim, pessoas que vieram do Norte, de Bragança, ou do Algarve, de propósito – ainda para mais naquele dia de furacão – foi uma coisa que me tocou bastante. Mas tinha dito que só fazia uma vez. Ter que voltar com a palavra atrás foi algo que me fez andar a remoer esta situação durante uns meses largos, até que fui encontrando mais pessoas e as pessoas a dizerem-me isso. Houve também um promotor de festivais grandes que me telefonou e disse que devia continuar a fazer, porque é importante que existam coisas assim. Acho que foi a partir daí que comecei a pensar mesmo… Posso dar o dito por não dito e espero que as pessoas não me levem a mal. Então arranquei para a segunda. Mas perdi uns meses de preparação que podiam ter sido importantes na procura, por exemplo, de um patrocinador ou de alguém que ajudasse a melhorar a festa.

O sucesso do Indigente Live pode conflictuar com o programa rádio, ou não?
Penso que não. E olhando agora para este meu ponto de vista… Não quero que seja um festival (quero que seja um evento) e acho que não é um festival. Neste momento, não tenho vontade nenhuma que seja mais do que um dia. Portanto, acho que nunca vai existir um conflito de interesses com o programa, porque no fundo é o programa que alimenta a festa e não o contrário. Até pelo esquema que está desenhado. O dinheiro que se faz ali é dividido por toda a gente, por todos os músicos, de forma igual. É um esquema em que toda a gente ganha menos eu [risos]. Foi uma regra que criei deste o início. Portanto, não vejo que seja uma coisa que possa crescer tanto assim. Se me perguntares se gostava que a sala do Lisboa ao Vivo estivesse cheia? Claro que sim, mas não por minha causa particularmente. No fundo, o gostar de que a sala esteja cheia é um bocado também para o reconhecimento do trabalho que se faz. Quer na rádio, quer depois no próprio evento, e é sinal que se escolhem músicos porreiros para ir ali. Também acho que este ano é um cartaz mais arriscado do que o do ano passado.

A ideia é que aquela noite seja um pouco irrepetível num outro local qualquer. Acontecem ali, naquela noite, estas interligações e provavelmente não vão acontecer mais.

Já vamos ao cartaz. Antes, gostava que explicasses como é que definem a dinâmica das actuações, se a bandas têm reuniões, se há ensaios prévios ou se acontece tudo na base do improviso…
O ano passado tinha um conceito muito… O conceito base é fácil: que haja o mínimo de paragens possíveis. A perfeição seria não haver paragem alguma, o que tecnicamente não é possível. Ou teria que ser numa sala muito maior, com outro tipo de poderes para ter backline já montado. Também implicaria muito mais público. O ano passado, houve músicos a quem perguntei com quem gostariam de trabalhar e tentei facilitar esses “casamentos”. Outros sugeri e foi giro também ver a forma como essas colaborações foram acontecendo. Este ano, por exemplo, os KNOT3, a Selma Uamusse e o Toni Fortuna, vai ser a primeira vez que vão fazer alguma coisa. Estão a acabar as canções que vão apresentar ali um bocado em cima da hora e provavelmente não vão ter grandes colaborações externas. Vão querer fazer funcionar aquelas canções por si. Apesar de saber que o Cabrita vai tocar com eles. Também o Cabrita que vai apresentar o disco que celebra os 30 anos de carreira dele. Um disco que vai sair brevemente e tem várias pessoas a cantar. Ali vai ser apresentado só de uma forma instrumental. Não sei se as pessoas que vão tocar com ele agora serão as pessoas que irão acompanhar a digressão desse disco. A ideia é que aquela noite seja um pouco irrepetível num outro local qualquer. Acontecem ali, naquela noite, estas interligações e provavelmente não vão acontecer mais. Acho que isso é mais-valia para o público. E até para o músicos, porque pode criar uma sinergia engraçada.

Nesse sentido, têm gravado as coisas?
O primeiro ano foi filmado e gravado. Acho que ainda não acontecer nesta segunda edição gravar tudo por pistas, mas essa é uma das coisas que gostaria. Ter alguém que está a gravar isto tudo por pistas, entregar às bandas e depois cada um mistura como quer e até podíamos editar ou não, ficar só disponível. Acho que isso era muito interessante. No fundo, era ter mais algum fundo que maneio que permitisse que as coisas fossem melhores. Talvez ter um backline mais porreiro… Dar mais condições, isso interessava-me bastante.

No respeita às colaborações, só podemos, naturalmente, fazer retrospectiva ao primeiro ano. Houve alguma que te tenha surpreendido?

Sim e felizmente ficou gravado. O Fast Eddie Nelson e o Adolfo fizeram duas músicas de propósito para o evento e uma dessas músicas acabou no disco do Fast Eddie Nelson. É o Fast Eddie, o Adolfo e o Scúru Fitchádu. Acho que é uma bela canção e fico muito contente que isso tivesse acontecido ali. A colaboração da Surma com as Señoritas foi gira também. Há ali um momento, apesar de serem os Beatles [risos], que gostei muito, em que está uma quantidade de gente em palco e duas sitar que também foi muito feliz. O casamento d’O Gajo com Saturnia também foi muito engraçado. Acho que existiram momentos muito giros. Felizmente ficou tudo gravado, não por pistas… E este ano, houve uma altura quando comecei a construir o cartaz, que senti que talvez existisse barulho de mais. Era muita guitarra eléctrica com distorção.

Mesmo assim, fechaste o cartaz com Bizarra Locomotiva, quer dizer… Agora além do noise ainda levam com o peso da máquina.
[Risos] Gosto dos Bizarra, é uma banda que está ali naquele cruzamento entre o metal e o alternativo. Entre o industrial e o metal. Podem estar em festivais ou um pouco em todo o lado. Acho que este ano [o cartaz ] é mais “difícil”. Musicalmente, a banda mais mainstream que estará ali é o Cabrita a celebrar os 30 anos de carreira. Mas é um músico fantástico e achei que fazia sentido, ainda para mais a primeira apresentação ser ali. A Selma e o Toni também estou muito curioso para ver o que vai sair dali, a linguagem que vão ter os dois porque, apesar de serem um casal na vida real, a Selma hoje está num mundo bastante diferente do Toni Fortuna enquanto personagem musical. Se calhar, não está tão distante assim porque mesmo nos D3ö ele tem ficado cada vez mais com mais soul. Tenho alguma esperança que o projecto AlgumaCena possa vir um dia a fazer um crossover para o mainstream, por ser uma coisa do Alex D’Alva Teixeira, que conseguiu já conquistar o mainstream com D’Alva. Gosto de dar lugar a coisas novas e este Indiegente Live tem provavelmente muitas mais coisas novas do que teve o primeiro. Tem Dead Club, tem AlgumaCena, tem KNOT3, apesar de não serem músicos novos, já têm muitos anos de estrada, mas é um projecto novo.

A Nancy Knox…
Sim, é uma miúda que lançou uma cassete. Acho que tem um potencial engraçado. Há aqui espaço para os mais novos que estão a fazer coisas e depois para outros que já são valores confirmados, mas também são activos. Os Parkinsons são uma banda activa. Os Dirty Coal Train fartam-se de fazer discos uns atrás dos outros. O Nick Nicotine tem uma série de bandas e The Act-Ups é apenas uma delas, na verdade não convidei Act-Ups, convidei o Nicotine que disse «acho que este ano me apetece fazer Act-Ups» [risos].

Quando era miúdo também achava que queria ser guitarrista e cedo percebi ficar melhor a passar discos do que a fazer essas habilidades

Conta lá como é que, no ano passado, acabaste com uma guitarra nas mãos!
O Rai [Poppers, Keep Razors Sharp] tinha-me prevenido uns dias antes: «Vou-te chamar ao palco e tens duas formas de fazer isto, ou vais voluntariamente ou vou buscar-te onde estiveres» [risos]. Era melhor não fazermos aquela figura do «ah, não quero». Então ‘bora lá fazer isso. E ele disse-me que iria tocar uma música com eles, mas respondi  não saber tocar e ele retorquiu: «Não faz mal, é só uma nota. Na altura, explico-te» [risos]. E foi isso que aconteceu, foi só uma nota, ele na altura explicou-me como é que era e tentei fazer o menos mau que conseguisse.

Mas ficaste com o bichinho para comprar uma guitarra lá para casa e treinar?
Fiquei de uma forma que não esperava… Estava à espera de chegar lá acima e ficar todo a tremer: «Estou aqui a tocar, com pessoas a ver e isto está a acontecer», mas pronto, era só uma nota, não havia muito que errar. Na verdade senti-me super bem e super descontraído. Não estava à espera da sensação que tive em cima do palco, que foi incrível. Pode ser que para o ano haja Poppers ou outra coisa qualquer outra vez e aí eu volto ao palco [risos]! Este ano, até agora, ninguém me disse nada, portanto…

Não convenceste o pessoal…
[Risos] Ainda bem, acho que tenho mais futuro a passar bandas na rádio do que a tocar guitarra. Quando era miúdo também achava que queria ser guitarrista e cedo percebi, «ficas melhor a passar discos do que a fazer essas habilidades».