Quantcast
Oathbreaker, Purificação Espiritual

Oathbreaker, Purificação Espiritual

Nero

Caro Tanghe, a feérica vocalista dos Oathbreaker, revela com honestidade crua o processo de criação de “Rheia”, álbum que espelha a quintessência da banda.

Ao terceiro álbum, os Oathbreaker procuraram expandir o seu som. Junto do produtor Jack Shirley, a banda procurou criar, mais que um disco, o seu som, a sua personalidade e assinatura artística. A ferocidade da banda foi ampliada por diferentes correntes estéticas e maior honestidade emocional, derivada de um processo catártico da sua vocalista.

Para Caro Tanghe, o tempo de preparação e as múltiplas estéticas e fontes sonoras presentes em “Rheia”, deve-se a um profundo trabalho de busca de unidade: «Tratou-se de descobrir os nossos pontos fortes enquanto banda. E demora o seu tempo a descobrir isso». Mas, uma vez completo, esse processo dá frutos, segundo a vocalista dos Oathbreaker: «A partir daí, a finalização do disco, incluindo o artwork, tudo surge colado de forma orgânica. Assim que a música surgiu, sabíamos, passo a passo, para onde nos dirigir».

Depois de “Mælstrøm” (2011) e “Eros|Anteros” (2013), uma das diferenças significativas no som da banda em “Rheia” é uma maior preponderância das vozes límpidas de Caro, em detrimento de um perfil agressivo. Algo que acrescenta muito mais cores ao álbum e por onde iniciámos a nossa conversa com a cantora belga…

O que determinou os momentos de vocais “limpos” ou distorcidos? As letras, o instrumental ou ambos?
Penso que tudo se fundiu perfeitamente, no sentido em que sempre fomos uma banda que presta muita atenção às dinâmicas. A dinâmica da nossa música foi sempre muito importante e sinto que, neste caso, a música era já bastante dinâmica, com as partes mais calmas e os outros momentos agressivos bem definidos. Para mim tornou-se natural fazer o mesmo com a voz. Difícil foi encontrar uma forma apropriada para o fazer, porque é algo que precisas que se desenvolva interiormente. Penso que nos álbuns anteriores não me sentia confiante na minha capacidade para o fazer, mas depois da experiência ganha durante estes anos, este era o momento perfeito para, pelo menos, tentar acrescentar essa dimensão extra. Para mim, é algo de loucos. Estava tão habituada a gritar nas canções, durante mais de uma década tornou-se a única realidade que conhecia. E quando só gritas isso é muito limitativo. Há um número muito reduzido de coisas que podes fazer com esse tipo de vocalização – mais lento ou rápido, mais sobrecarregado ou suavizado, um pouco mais agudo ou mais grave – mas na realidade é impossível qualquer comparação com a quantidade de emoções que consegues abrir quando cantas mesmo. Há tantas coisas diferentes, um espectro tão alargado de possibilidades, que eu não fazia sequer ideia que era capaz de fazer. No final isso foi o que mais me agradou: o desafio!

Temos tendência a preparar tudo com perfeccionismo antes de entrar em estúdio

Cantando dessa forma, manter precisão de afinação também foi desafiante?
Claro que foi. Mas tudo o que gravámos foi trabalhado em maqueta durante muito tempo. Portanto, o mais difícil acabou por ser o processo de composição. Temos tendência a preparar tudo com perfeccionismo antes de entrar em estúdio – até porque gravar tão longe de casa não é algo fácil, não podes regressar a casa, dormir e recomeçar no dia seguinte, tens que fazê-lo bem porque o teu tempo é limitado – e foi difícil experimentar sons diferentes, experimentar notas agudas diferentes e formas musicais distintas. Foi algo que exigiu muito de mim e que trabalhei muito em casa antes de irmos para estúdio. Durante a gravação acabou por correr tudo de forma bastante fluída.

Referiste a importância da dinâmica e o quão determinante é a pré-produção. Nesse sentido, foi difícil ter trabalhado o disco com um baterista e depois acabar por gravar com outro?
O Wim [Coppers] não gravou tudo. Basicamente, o Ivo [Debrabandere] teve um problema no tendão de Aquiles, com o qual se debateu durante um ano antes da gravação. Por vezes não tinha quaisquer dores durante as partes blast beat, noutras não conseguia sequer tocar devido às dores que lhe causava e tinha que parar, às vezes durante um mês inteiro. Nas vésperas de iniciar as gravações, tivemos que perguntar ao Wim se podia juntar-se-nos. O Ivo também esteve nas gravações e acabou por ser um trabalho a meias, com o Ivo a gravar as partes menos mais lentas, as mais agressivas causavam-lhe dores. Para nós, o mais determinante foi a tristeza que isto nos causou, pois tocávamos com o Ivo há muito. Tínhamos uma excelente dinâmica de banda e quando trabalhas durante tanto tempo em conjunto ser forçado a uma decisão destas torna-se uma mágoa para todos. Mas não havia forma de adiar essa decisão. Passou meio ano depois disso e tivemos que seguir em frente. O Ivo decidiu deixar de tocar, por não conseguir suportar mais as dores. Mas foi a decisão mais dura que alguma vez tivemos que tomar. O Wim é um excelente baterista e sei que estamos em boas mãos, mas é sempre triste ter que ver alguém partir.

Sentíamos que este tinha que o ser “o disco” de Oathbreaker!

Depois de nos álbuns anteriores, de uma forma ou de outra, terem trabalhado com o Kurt Ballou [Converge], o que vos fez mudar?
Escolhemos o Jack Shirley. Ele trabalhou no álbum mais recente de Loma Prieta [“Self Portrait”, 2015], nos dois últimos álbuns de Deafheaven [“New Bermuda”, 2015, e “Sunbather”, 2013]. Mas escolhemos o Jack, não por ter gravado estas bandas, mas porque sentimos que este disco tinha que o ser “o disco” de Oathbreaker! O seu som teria que ser bastante pessoal, da banda, e não o som de um produtor. O Kurt Ballou tem um estilo seu, que é fenomenal, mas que não se ajustava ao que queríamos para “Rheia”. Queríamos que fosse um disco de Oathbreaker e não um disco do Kurt Ballou. Sentíamos que o Jack conseguira criar isso com os Deafheaven – ao ouvires um disco deles sabes imediatamente que é um disco deles e o mesmo acontece com os Loma Prieta – e queríamos que ele nos desse também essa personalidade. Acho que ele fez um excelente trabalho. Estou bastante satisfeita e trabalhar com ele foi óptimo, algo que adoraria repetir no futuro.

Qual foi o método de gravação do álbum?
Gravámos tudo em fita, em live take – com a bateria, baixo e guitarra na mesma sala, e depois foi convertido digitalmente. Depois acrescentámos outras camadas de som a essa base. Não gravámos com metrónomo, tocámos sempre pelo feeling e queria que as vozes também obedecessem a isso. Portanto, inicialmente tentei gravar tudo em takes únicos, sem separar as partes de vozes limpas das partes berradas. Comecei por conseguir, mas acabou por tornar-se impossível manter esse método. Há demasiada alternância entre um e outro registo e não conseguia manter o fôlego. Ainda assim, algumas canções acabaram por ser take único. Nas restantes, gravava primeiro as vozes limpas, ao início da sessão e as outras vozes no final, para que esse esforço não afectasse o meu timbre normal.

O que determinou a opção de gravar em live take?
Queríamos que soasse a uma banda a fazer música e não a algo automatizado, que ao ouvir o disco se sentisse algo. Não queríamos que soasse tudo perfeito. Era mais importante captar o ambiente e a nossa emoção ao tocar as canções que ter tudo a soar correcto. Que crescesse nos momentos certos e que se arrastasse quando sentíssemos que era isso que devíamos fazer, que soasse autêntico, tal como as letras.

“Rheia” é um trabalho conceptual, de certa forma…
Na minha mente, tinha coisas por resolver, que vinham do passado e das quais não me conseguia libertar. Coisas de infância e sobre as quais nunca tinha conseguido expressar-me ou revelar a alguém, o que foi formando um nó no meu estômago e no meu coração. Até chegar a um ponto em que era desprovida de compaixão, não havia mais nada ali, não era capaz de sentir. Passei por coisas que foram bastante duras e me endureceram emocionalmente. Até que o Bossu [Lennart Bossu, o guitarrista da banda] que me encorajou a falar sobre essas coisas e a escrever sobre isso. Muito está relacionado como a forma como cresci, com os meus pais, não tive uma educação normal, a maior parte das vezes fui forçada a depender de mim própria, sem ter quem se preocupasse comigo… É algo que, na verdade, não tem uma solução concreta, mas agora que desabafei, escrevendo sobre isso, encontrei uma forma de lidar com esses sentimentos que me faz sentir melhor.

Não esperava tamanha honestidade, muito obrigado.
[Risos] Está tudo bem. Sou uma pessoa honesta. Não vale a pena escrever sobre coisas que não conseguirás falar posteriormente. Não há nada a ganhar em criar qualquer mistério em relação a isso. As coisas são como são.