Passados catorze anos, os Gogol Bordello regressaram, finalmente, a Lisboa. A famosa banda multicultural liderada por Eugene Hütz assentou arraiais no LAV – Lisboa Ao Vivo para uma festa gypsy punk onde o mote para um desfile de clássicos da “música de imigração” foi o mais recente álbum “Solidaritine” (2022).
Quis o destino que o concerto de Lisboa dos britânicos Bob Vylan, banda que iria abrir inicialmente o concerto dos Gogol Bordello, calhasse na mesma semana e na mesma sala deste último. Inicialmente os Bob Vylan justificaram a saída da tour devido a complicações logísticas, mas no comunicado apresentado pelos Gogol Bordello lia-se que «após a polémica apresentação dos Bob Vylan em Glastonbury, os seus concertos com os Gogol Bordello foram cancelados pelos promotores e salas na Alemanha. A decisão de removê-los do programa não foi nossa e está para lá do nosso controlo. Após o ocorrido, precisávamos de avaliar a situação e decidimos remover os Bob Vylan da tour até que pudéssemos entender completamente a situação. Após os Bob Vylan publicarem uma explicação mais detalhada, uma conversa foi reaberta para explorar a possibilidade deles participarem noutras datas da tour. Infelizmente é logisticamente impossível para os Bob Vylan participarem na tour, dadas as circunstâncias. Trabalhámos diligentemente com nossos amigos Bob Vylan para encontrar uma solução, mas no final não possível. Os Gogol Bordello são representados por membros de várias nacionalidades e celebram a compreensão internacional. Consequentemente, valorizamos a liberdade de expressão de todas as perspetivas.»
Apesar de um certo silêncio face ao conflito israelo-palestino, que muitos dizem ser injustificável, a verdade é que os Gogol Bordello sempre foram muito abertos na sua posição para com as comunidades migrantes, aliás basta ler as suas letras. Por sua vez, o facto do seu líder Eugene ser ucraniano, e da Ucrânia estar a passar também por um conflito bélico aproxima de certa forma estas duas realidades. O que é certo é que apesar desta decisão não parece que os Bob Vylan e os Gogol Bordello tenham ficado de costas voltadas, visto que no concerto dos primeiros não houve nenhuma menção pejorativa. Já no concerto dos Gogol Bordello houve uma dedicatória por parte da banda de abertura, os britânicos Split Dogs, aos Bob Vylan, como se isso não bastasse, a música “Wicked & Bad” ainda compareceu na playlist que antecedeu o concerto dos Gogol Bordello.
Split Dogs
Articulando a irreverência dos Amyl and The Sniffers e das Lambrini Girls, os Split Dogs são mais uma interessante proposta da crescente fornada de bandas punk lideradas por mulheres explosivas. Ao LAV, os britânicos de Bristol trouxeram os temas do seu primeiro longa duração “Here To Destroy” (2025), curiosamente gravado em fita analógica. Em palco, a banda liderada por Harry Atkins é uma força avassaladora com um som potente e feroz e uma presença cativante. No seu set de sensivelmente 35 min ficou apenas a faltar uma maior entrega por parte do público com algum mosh, de resto a atitude punk esteve sempre lá em cima do palco.
Gogol Bordello
Nos últimos catorze anos, os Gogol Bordello passaram por Portugal em várias ocasiões, mas todas elas aconteceram nas regiões centro e norte de Portugal. De Coimbra ao Porto, passando por Vila Nova de Gaia e Vilar de Mouros, a banda mostrou-se permeável a vários contextos. Seja em festivais universitários ou festivais mais mainstream, a banda sabe que o seu modelo de espetáculo não deixa ninguém pregado ao chão e é por isso que se apresentam sempre como uma aposta ganha para qualquer promotor.
Estando, então, a banda ausente dos palcos lisboetas há mais de uma década, não é de estranhar que o LAV tenha esgotado num ápice para receber esta que é a trupe mais famosa do gypsy punk. É certo que a popularidade do grupo parece ter decrescido um bocado, isto se tivermos em conta que em tempos tocavam no Campo Pequeno, mas a entrega em cima do palco e por parte do público continua lá e, verdade seja dita, nada bate ver um concerto deste género numa sala mais pequena onde é possível sentir o calor humano e ver as expressões de felicidade do público enquanto dançam e saltam ao som do ritmo frenético da sua música.
Verdade seja dita, nada bate ver um concerto deste género numa sala mais pequena onde é possível sentir o calor humano e ver as expressões de felicidade do público enquanto dançam e saltam ao som do ritmo frenético da sua música.
A explosão inicial com “Daling” e “I Would Never Wanna Be Young Again” foi imediata. A cerveja contida nos copos não durou muito, com estes a voarem num ápice tal era ânsia de iniciar uma espécie de mosh pit trampolim (uma denominação que utilizamos para descrever o tipo de mosh praticado nos concertos dos Gogol Bordello, que invoca mais o pogo do punk britânico do que o slam dancing do punk hardcore californiano).
A energia contagiante do ritmo passou para as vozes que não precisaram de grande afinação para se soltarem nos refrões de “Not a Crime” e “Immigrant Punk”. Sem tempo para falinhas mansas, Eugene dirigiu-se pouco ao microfone entre músicas. Uma dessas vezes foi para anunciar as convidadas especiais da tour, as norte-americanas Puzzled Panther, que subiram ao palco para tocar “Fire on Ice Floe”, a única passagem por “Solidaritine” e o original, estranhamente familiar, apesar de nunca o termos escutado, “From Boyarka to Boyaca”, cujo refrão imediatamente se colou aos nossos ouvidos como uma pastilha elástica sonora.
Habituados a um entra e sai de músicos, este concerto permitiu apresentar aos fãs portugueses os membros mais recentes da banda, como é o caso do baterista norte-americano Korey Kingston, que entrou na banda em 2020, o baixista brasileiro Gil Alexandre, que entrou em 2021, e a acordeonista e teclista italiana Erica Mancini, que entrou na banda em 2023. Sem dúvida que a canção dos Gogol Bordello que melhor define esta multiculturalidade é “Immigraniada (We Comin’ Rougher)”, uma referência à dureza da vida de imigrante, que foi recebida em apoteose e com o percussionista e MC equatoriano Pedro Erazo na linha da frente a puxar pelo público. Erazo e o violinista russo Sergey Ryabtsev são os músicos desta formação dos Gogol Bordello que acompanham Eugene há mais tempo.
Dos Sex Pistols aos Gogol Bordello, a frase “We Mean It Man” continua a ter o efeito pretendido no momento de chamar a atenção para certas questões político-sociais com palavras de ordem que ao vivo são entoadas por todos os fãs. Já “Start Wearing Purple” com o seu tom jocoso é daquelas músicas para se cantar aos saltos e abraçados em clima de festa, no LAV esses requisitos foram cumpridos. Para o fim ficou guardada a irónica “Think Locally, Fuck Globally”, que encerrou o set principal com uma provocação.
Porém, o público ainda não estava disposto a abandonar o LAV e após um grande coro de assobios e cânticos, Eugene lá entrou em palco para tocar a gypsy ballad “Alcohol”, uma espécie de carta de amor a esta substância psicoativa. Depois seguiu-se “Wataka Wataka” e o hino “Undestructable”, a malha que descreve na perfeição a essência dos Gogol Bordello e toda a história traçada desde a sua formação enquanto saltimbancos musicais até aos maiores palcos do mundo. Com uma espécie de culto formado à sua volta, fortemente apoiado num público fiel, os Gogol Bordello continuam a não dar sinais de abrandamento, afinal de contas a estrada é o seu lar, os fãs, o seu teto e a liberdade a sua religião.
































































