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A Lendária Black Strat

A Lendária Black Strat

Nero

Para gravar “Rattle That Lock”, David Gilmour tornou a agarrar numa das mais icónicas guitarras de sempre. A Black Strat marcou história dos Pink Floyd, da Fender e da música. Esta é a sua história!

Se há coisas consensuais na música, a reverência ao som de guitarra de David Gilmour é uma delas. Há quem acuse esse mesmo som de ter iniciado a descaracterização dos Pink Floyd e a desfragmentação progressiva da banda mas, mesmo que isso seja verdade, não há como negar a beleza dos fraseados do guitarrista, a sua pujança melódica, e aquele som meloso de guitarra que é um dos mais distintos de sempre. Para gravar o seu álbum a solo, “Rattle That Lock”, Gilmour “ressuscitou” uma das mais lendárias guitarras de sempre: «A minha velha Stratocaster preta, foi a que utilizei mais».

Para começar, a Black Strat é um modelo de ’69. Como é próprio acontecer naquilo que se transforma em mitologia, houve intervenção das moiras. Em 1970, Gilmour comprou, na Manny’s Music, em Nova Iorque, um modelo igual, que acabou por ser roubado. Assim, regressando o guitarrista ao mesmo local para nova compra, algumas semanas depois, impôs-se o destino. Como era padrão na Fender, o corpo é de alder e o braço em maple, com o headstock grande da época. Aliás, todos os specs da guitarra obedeciam ao cânone de produção em série dos modelos: pickups single coil Fender, do final dos anos 60; afinadores tipo “F”, comutador de três posições; ponte sincronizada com a barra de tremolo. O acabamento… Sunburst, com pickguard branco. Sim, Sunburst, mas já lá vamos.

DÉCADA DE SETENTA

Gilmour usou a guitarra, ao vivo, pela primeira vez no Bath Festival, em Junho de 1970. Os Pink Floyd surgiram em palco, pelas três da madrugada, acompanhados por uma banda filarmónica e um coro de 12 elementos. Tocaram “Green Is The Colour”, “Careful With That Axe, Eugene”, “A Saucerful Of Secrets”, “Set The Controls For The Heart Of The Sun” e, pela primeira vez, tocaram a versão completa de “The Amazing Pudding” – o título provisório de “Atom Heart Mother”. Em Outubro de 1971, ainda com o pickguard original, mas com o acabamento completamente preto (pintado na Manny’s), David Gilmour usou a guitarra no memorável filme “Live At Pompeii”. O potenciómetro de volume original também surgia trocado por um de Telecaster, com a acção suavizada por uma tira de borracha.

Depois de dois dos maiores momentos da história dos Pink Floyd, as modificações à guitarra acentuaram-se.

Em 1972, Gilmour perfurou a guitarra com o intuito de instalar uma entrada XLR, de modo a atenuar o ruído do Fuzz Face, mas o resultado ficou aquém do esperado e o músico não tardou a preencher o buraco com madeira e a pintá-lo. As experiências no circuito também se intensificaram, ao ser instalado um mini switch de pickup, similar ao actual, que acabou por ser removido poucos meses depois, para tornar a ser instalado. Gilmour trocou os afinadores de fábrica por uns Kluson, mas mais tarde acabaria mesmo por trocar o braço à guitarra. O braço original, em maple, deu lugar a um com escala em rosewood, de ’63, que estava instalado numa Strat ’59, que David possuía e que acabou por acolher o braço removido da Black Strat. Esse braço permaneceu e é com ele que a guitarra grava “Dark Side Of The Moon”, “Wish You Were Here” e “Animals”.

Mas as alterações ao circuito eram constantes. Em ’73 foi instalado, entre o pickup da ponte e o do meio, um humbucker Gibson PAF. Para isso, o corpo teve que ser “escavado” e o pickguard original, das duas uma: ou foi modificado para acolher o novo pickup ou removido… O mini switch passou a servir como on/off ao humbucker. Ainda nesse ano, foi instalado todo o sistema de ponte de uma Bullet Strat de ’71. Então, em ’74, o pickguard acabou mesmo por ser substituído pelo modelo de 11 perfurações e folha única biselada, com 120”. O pickguard (em acrílico negro) permanece na guitarra até aos nossos dias. A “osmobiose” da Black Strat estava próxima do seu zénite.

No final de '74, a Black Strat com o pickguard que permanece até hoje.

No final de ’74, a Black Strat com o pickguard que permanece até hoje.

A segunda metade da década de setenta viu menos alterações. Em ’76 foi instalado um DiMarzio FS-1 como pickup de ponte. Já em ’78, o braço com escala em rosewood foi substituído por um braço custom Jackson/Charvel, em maple, que estava personalizado com o logótipo da Fender. Essa foi a configuração que gravaria “The Wall”, por exemplo. Depois das sessões de gravação desse tremendo álbum, o DiMarzio foi trocado por um Seymour Duncan SSL1C – foi esse pickup que fez a digressão promocional do disco, em 1980, e permanece na guitarra até hoje.

DÉCADA DE OITENTA

Uma década de vida “curta” para a Black Strat, mas bem significativa. A configuração herdada da digressão de “The Wall” ainda gravou o álbum “The Final Cut”. Aliás, esse foi o último álbum de Pink Floyd que a guitarra gravou, excluindo alguns overdubs aos outtakes de “The Division Bell” que acabaram por constituir aquilo que é “The Endless River”.

Logo após as sessões de estúdio do álbum, o braço foi trocado por um novo Charvel em maple, com 22 trastos, o logo Fender e afinadores Kluson. E depois, em ’83, foi a vez do sistema tremolo original da guitarra dar o seu lugar a um sistema Kahler, com locking tuners. Isto implicou um tratamento severo. O novo sistema, devido às dimensões consideravelmente maiores que o original, obrigou a que um pedaço do corpo fosse removido para poder ser instalado.

A Black Strat esteve durante uma década em exposição no Hard Rock Cafe de Dallas!

Em ’84/’85 Gilmour passou a usar alavancas de tremolo com cerca de 4.25” e foi nessa altura que decidiu trocar as réstias do modelo de ’69 original. O selector de pickups, de 3 posições, deu lugar a um de 5. Pouco depois, a Black Strat foi doada ao Hard Rock Cafe e foi colocada no restaurante da cadeia em Dallas. Permaneceu aí durante uma década! Quando David Gilmour a pediu de volta, a guitarra vinha em péssimas condições, com bastantes marcas de desgaste e sem algum do seu hardware. O técnico de guitarra Charlie Chandler reabilitou-a, instalando de novo o sistema tremolo original e preenchendo o pedaço que havia sido removido ao corpo para a instalação do sistema Kahler. O braço Charvel deu também lugar a um reissue de um Fender ’57 em maple.

“COMING BACK TO LIFE”

A configuração da recuperação de Charlie Chandler surgiu pela primeira vez em 2003. Foi assim que se apresentou no documentário da BBC sobre “Dark Side Of The Moon” e como seguiu para a exibição parisiense sobre os Pink Floyd, onde esteve até ao início de 2004.

Quando, em 2005, se deu a reunião dos Pink Floyd no Live 8, a ideia inicial de Gilmour era usar a sua Strat vermelha, com os pickups EMG. Contudo, o guitarrista optou por tornar a usar Black Strat. A configuração de ’97 permanecia e foi nesta altura que a Fender decidiu introduzir os modelos de assinatura de Gilmour, inspirados na lendária guitarra. Mas logo após o concerto de reunião, o braço tornou a ser trocado por modelo maple de curvatura “C”. A última alteração conhecida da Black Strat. E foi assim que Gilmour surpreendeu Roger Waters, surgindo na O2 Arena de Londres para tocar “Confortably Numb” com o antigo companheiro. Fez os overdubs para “The Endless River” e gravou “Rattle That Lock”.

Como acto final nas mãos de David Gilmour, foi agora leiloada junto de outras 120 guitarras da colecção do guitarrista. Estimava-se que pudesse chegar a um valor de cerca de 150 mil dólares, chegou praticamente aos 4 milhões (3,975) e tornou-se na guitarra mais cara de sempre…