Depois das notícias que davam conta do encerramento definitivo do Musicbox, chegou o comunicado oficial, nas palavras de Gonçalo Riscado. Replicamos na íntegra esse comunicado.
Depois de quase duas décadas a marcar o panorama musical da capital, o Musicbox, icónica sala do Cais do Sodré, prepara-se para encerrar definitivamente a 15 de Setembro.
Inaugurado em 2006 por Gonçalo Riscado e Alex Cortez, tornou-se um dos epicentros culturais de Lisboa, inspirado pelo espírito dos lendários Rock Rendez-Vous e Johnny Guitar. O encerramento do Musicbox marca o fim de uma era para Lisboa, mas também o início de uma nova aposta cultural com a Casa Capitão, que promete manter vivo o espírito de experimentação e diversidade artística.
Depois de a imprensa ter divulgado a notícia do encerramento do Musicbox, chega agora o comunicado oficial. Porque acreditamos que deve ser lido na íntegra, e nas palavras de quem ajudou a pensar e conceber o Musicbox, quem conhece o projeto melhor do que ninguém, deixamos aqui o comunicado completo assinado por Gonçalo Riscado.
«A notícia difícil de dar que queríamos ter sido nós a dar.
O Musicbox encerra a 15 de setembro, após quase 19 anos de existência.
Abrimos portas a 6 de dezembro de 2006, numa Lisboa muito diferente da de hoje, num bairro então abandonado e marginalizado no centro da cidade, que 19 anos depois preserva apenas uma coisa: o nome.
Ao longo de 19 anos, no Cais do Sodré, o Musicbox foi um clube de programação de música alternativo e independente, por vezes menos alternativo, mas sempre independente. Programámos, em média, mais de 200 concertos e 500 DJ sets por ano. Milhares de artistas passaram pelo nosso palco, e a todes deixamos o nosso primeiro agradecimento por terem feito o Musicbox.
Durante 19 anos, centenas de pessoas fizeram parte da nossa equipa: do bar à sala, da limpeza às equipas técnicas, de programação, de comunicação, de produção, administrativa e de gestão. Obrigado por terem feito o Musicbox. Só foi possível em equipa.
Ao longo de cada ano, dizem-nos os nossos registos, passaram pelo Musicbox, em média, 100.000 espectadores. Quase dois milhões de presenças no total, bastante menos se contássemos os repetidos, que felizmente foram muitos. A todes, o nosso enorme agradecimento por terem feito o Musicbox.
A todos os parceiros de programação e patrocinadores, o nosso obrigado.
O Musicbox não foi apenas o clube do Cais do Sodré: foi o pulmão da nossa atividade enquanto empresa de gestão cultural. Graças a ele, pudemos realizar muitos projetos ao longo destes 19 anos — Club Docs, Festival Silêncio, Lisboa Capital República Popular!, Poetas do Povo, MIL (nas suas várias vertentes: Festival, Convenção, Revista, Academias, Milímetro), Liveurope — e tantos outros projetos e processos de criação, edição e promoção cultural.
É difícil falar do Musicbox no passado, mas temos o privilégio de o fazer com futuro. Há oito anos iniciámos um novo projeto: um pequeno centro cultural, aberto a diferentes áreas artísticas e a todas as idades, pensado para reunir tudo o que fazíamos com todas as pessoas que quisessem criar e participar connosco. Um espaço de encontro, ideias e lazer, sempre presente. Esse projeto é a Casa Capitão, instalada na antiga Manutenção Militar. Depois de uma intervenção pop-up de resistência cultural durante a pandemia, de atravessar um exigente processo de financiamento e de completar uma complexa obra de requalificação, a Capitão abre finalmente ao público no dia 19 de setembro, no atual Beato Innovation District.
Até há pouco tempo, acreditávamos que seria possível manter os dois projetos, mas tal não aconteceu. Provavelmente não faria sentido. A Casa Capitão é, por isso, o último projeto concretizado pelo Musicbox e, dessa forma, dá-lhe continuidade.
Toda a programação do Musicbox transita para a Casa Capitão, assim como toda a sua equipa.
Sabemos bem que esta história de continuidade não acompanha a história da cidade. Ao longo dos últimos anos, sob diferentes executivos autárquicos, Lisboa apostou excessivamente num modelo ilusório de crescimento, assente no turismo, na especulação imobiliária e na atração de residentes temporários com rendimentos elevados, um caminho que está a destruir o maior ativo da cidade: quem nela vive e nela se expressa culturalmente.
Sabemos bem que esta história de continuidade não acompanha a história da cidade. Ao longo dos últimos anos, sob diferentes executivos autárquicos, Lisboa apostou excessivamente num modelo ilusório de crescimento, assente no turismo, na especulação imobiliária e na atração de residentes temporários com rendimentos elevados, um caminho que está a destruir o maior ativo da cidade: quem nela vive e nela se expressa culturalmente.
Defender o direito à cidade e os direitos culturais deve ser uma luta coletiva. A menos de dois meses das eleições autárquicas, é essencial pressionar todas as candidaturas a apresentarem programas políticos claros e objetivos, comprometendo-se de forma efetiva com políticas de habitação acessível e com políticas culturais que valorizem a cultura de base, o terreno fértil para o exercício dos direitos culturais de todas as pessoas.
Os números do Musicbox pouco significam perante o desaparecimento de tantas associações e espaços culturais e perante o processo de gentrificação que afasta tantas pessoas de Lisboa. Mas muitos espaços continuam a resistir e precisam de todes vocês, ao vivo. É preciso ir.
Em 2006, arriscámos ao abrir o Musicbox no Cais do Sodré. Em 2025, arriscamos tudo na Casa Capitão, no Beato. Poder arriscar assim é um privilégio. Acreditamos estar a fazer bom uso dele e esperamos que nos acompanhem e nos critiquem.
Estamos apostados em manter uma relação com Lisboa. Seremos exigentes.»
