Aclamada pela sua voz inconfundível e pela fusão entre tradição nórdica e modernidade eletrónica, Eivør trouxe pela primeira vez a sua música ao Porto e a Lisboa.
Se pensarmos nas centenas de concertos que já vimos, dificilmente nos vem à memória algo mau vindo do frio do Norte da Europa. Terras onde a luz e a sombra se confundem no mesmo horizonte, como a Islândia, as Ilhas Faroé ou a Noruega. Há nesses lugares inóspitos uma melancolia antiga, uma força silenciosa que parece transformar o vazio em som. Talvez seja esse o segredo. Cada vez que um artista dessas latitudes nos visita, renasce a expectativa de presenciar algo raro, música feita nas entranhas do frio. E os concertos de Eivør, Elinborg e Ásgeir não desiludiram, foram a prova de que até o gelo pode incendiar quem sabe escutar.
Filha do vento e do mar das Ilhas Faroé, Eivør cresceu entre o silêncio das montanhas e o eco das ondas, um lugar onde a música parece nascer da própria natureza. A sua voz transporta essa essência: profunda, livre e misteriosa, como se cada nota carregasse a memória de um tempo antigo. Agora, essa força vinda do Norte chegou a Portugal para apresentar o seu mais recente “Enn”, com o selo Season Of Mist, com dois concertos a 4 de outubro no Hard Club, no Porto, e a 5 de outubro na República da Música, em Lisboa.
A República da Música acolheu a estreia de Eivør em Lisboa, e o cenário quase cavernoso do espaço não poderia ter sido melhor escolhido. A artista faroesa não veio sozinha: trouxe consigo a sua irmã mais nova, Elinborg, e o seu “vizinho” islandês, Ásgeir.
Elinborg
O ritual nórdico começou com a doce Elinborg. Num concerto marcado por arranjos minimalistas e vocais transcendentes, abriu com “Til Myrkurs”, conquistando rapidamente o público com uma voz clara e hipnotizante. Seguiu-se “Vatnsins Verur”, que evocava a serenidade de nadar num oceano iluminado pelo sol. O dramatismo de “Trøyst”, a beleza de “Sjórok”, já com uma Fender em punho, e a intensidade quase sobrenatural de “Kærleikin” passaram num instante, provando que, mesmo num concerto curto, a força da sua presença é inegável.
Cada canção, interpretada na sua língua materna, explora temas profundos como a perda, a saudade e as complexidades do amor, especialmente em “Blóð”, primeiro single do próximo álbum, a ser lançado a 31 de outubro.
Embora breve, o concerto teve um bom impacto, consolidando Elinborg como uma artista única e capaz de se afirmar fora da sombra da irmã mais velha. É natural que surjam comparações entre as duas, mas Elinborg consegue imprimir nas suas canções uma sensibilidade muito própria. Com arranjos contidos e acompanhamento discreto, transforma o mínimo em essência pura. A clareza dos seus vocais, aliada a leves batidas eletrónicas, criou momentos de encanto deixando o público rendido e a desejar mais. Mas ainda havia muita música para ouvir…
Ásgeir
O tímido cantor islandês Ásgeir marcou a noite com o seu falsete, que por vezes lembra Bon Iver, aliando domínio do piano e da guitarra a um repertório versátil que transitou entre eletrónica, pop e jazz. Canções como “Dream”, “Julia” e “Ferris Wheel” evidenciaram a sua sensibilidade, criatividade e autenticidade. As suas letras, delicadas e expressivas, combinam melodia e emoção de forma harmoniosa, enquanto guitarras simples, percussão assertiva e falsetes reforçam a intensidade das músicas. A interpretação em islandês de “Dýrð Í Dauðaþögn”, retirada do seu álbum de estreia, acrescentou charme cultural, e a reação entusiástica do público comprovou o sucesso de uma performance marcada por técnica, presença e genuína expressividade.
Eivør
A simpática Eivør foi a responsável por transformar a República da Música num ritual quase mágico, com um público atento e silencioso, e participativo quando tinha que ser, mostrou-se completamente absorvido pelo encanto da natureza nórdica. A artista das Ilhas Faroé subiu ao palco com presença magnética, ora apenas com a sua voz, ora acompanhada pela guitarra ou pelo tradicional tambor sámi, guiando a plateia por uma viagem sonora que mesclou elementos ancestrais, eletrónicos e distorção.
Canções em tons azulados e gélidos como “Jarðartrá”, “Salt”, “Gullspunnin” e “Í Tokuni” mostraram a sua capacidade de equilibrar intensidade e delicadeza, enquanto momentos de destaque como a velhinha “Boxes”, a fazer lembrar uma Kate Bush, e a belíssima “So Close To Being Free”, com uma batida pujante na bateria revelaram uma profundidade emocional perfeita. Não ficaram de fora alguns temas da série “The Last Kingdom”, que apresentou Eivør a um público mais amplo, incluindo os belíssimos “Lívstræðrir”, o tema que dá nome à série, e “Hymn 49”.
Com Ásgeir em palco, brilharam numa emocionante interpretação de “Us And Them” dos Pink Floyd, enquanto a irmã de Eivør, Elinborg, se juntou a ela em “Upp Úr Øskuni”. Em tons avermelhados, a luz contrastava com os azulados anteriores, conferindo contornos quase demoníacos ao ritual e acrescentando ainda mais dimensão e intensidade à noite.
O concerto culminou com a tribal “Trøllabundin“, marcada por sons vocais vindos das profundezas, e o encore em “Falling Free“, deixando o público rendido a uma experiência que uniu tradição, inovação e entrega genuína, consolidando Eivør como uma artista capaz de transformar cada apresentação em algo verdadeiramente inesquecível.









































































