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A queda de B e a ascensão de Fachada

A queda de B e a ascensão de Fachada

2014-05-08, Zé dos Bois
Timóteo Azevedo
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Após um ano e meio de retiro sabático, Fachada, agora sem o B, regressou aos concertos para revelar aquilo que anda a preparar para o próximo álbum. Se há coisa que podemos aprender com a história de Fachada é que a história de Fachada não se repete: de álbum para álbum Fachada inova, procura, experimenta. Ontem, numa ZDB esgotada, para além de recordar canções antigas, Fachada veio comprovar isso mesmo. O novo Fachada reinventa-se na sua melhor forma portuguesa: um herói da cidade inspirado na figura do cantor da festa de aldeia. Está tudo certo.

A noite começa com concerto surpresa introdutório. Éme entra em palco a dizer que não é o “Bê”, apesar de estar ali a convite dele. Apresentou novas canções de um álbum que sairá este ano, produzido pelo próprio Fachada, demonstrando maturação em palco, quer na sua presença como na prestação. Para quem conhecia o trabalho deste “miúdo”, a curiosidade em relação ao seu novo álbum adensou-se, para quem não conhecia, serviu o concerto como um bom cartão de visita. Fachada, depois de acompanhar a última música de Éme, agarra-se à guitarra eléctrica, enquanto aguarda que o amplificador aqueça. “Na segunda-feira passada dei o cu por vocês”, vai explicando Fachada, “estive muito doente no Domingo, e tive que ir apanhar uma injecção de penicilina”. A boa disposição está instalada.

Os acordes tocados à chapada não nos fazem adivinhar o que daí vem. “Quando eu cheguei não tinha nada, só uma mão à frente e outra atrás”, entra assim a letra e percebemos que é a “Zé”, numa versão electrificada e mais suja, que grande parte do público ajuda a cantar, com o mesmo ímpeto que na “Quem Quer Fumar Com o B Fachada” que se segue. O artista está presente. E mantém-se humano. Se se engana, ri-se, e nós rimo-nos com ele, ninguém leva a mal. “Eu sou o pai das canções, mas vocês é que são a mãe”, diz Fachada, cultivando a proximidade com o público. “Tó Zé” e “Estar à Espera ou Procurar” fecham a primeira leva de músicas antigas que fazem o gáudio geral.

De repente, no meio de toda esta tendência do tradicional que tomou posse da música portuguesa que ouvimos do alto do nosso cosmopolitismo, Fachada “desfoleiriza” o que há de mais foleiro na tradição da festa de aldeia.

Fachada agarra-se ao sampler e o que acontece ali é fantástico. Das coisas que mais gostei no álbum “Criôlo” foi do novo explorar de ritmos e sonoridades luso-africanas. O que Fachada anda agora a fazer, imagine-se, é um álbum onde isso é assumidamente exposto, mas em dobro. Utilizar samples de música popular portuguesa para criar canções que soam completamente a novo e fresco, vão me desculpar, mas é tão necessário como obrigatório. Toda esta recente restauração da tradição popular portuguesa que se estendeu pela música nacional foi feita com grande calculismo e distanciamento, um pouco a medo.

Fachada reinventa-se na sua melhor forma portuguesa. De repente, no meio de toda esta tendência do tradicional que tomou posse da música lusitana que ouvimos do alto do nosso cosmopolitismo, Fachada “desfoleiriza” o que há de mais foleiro na tradição da festa de aldeia. Dos cantares populares, aos ranchos folclóricos e aos ícones regionais da música de festas (aquela figura solitária acompanhada por um órgão Casio que, para bem ou para mal, é o nosso verdadeiro herói do underground nacional), Fachada volta a pegar na tradição, mas naquela que ainda era foleira. Naquela que a betalhada desconhece, a mesma betalhada que canta em alto e bom som “Não pratico habilidades”.

Nas músicas novas como “Dá Música à Bófia” e “Um Fandango Ensaiadinho”, exemplifica-se a base do que poderá ser o próximo de Fachada. Com prosa e poesia mais apurada, onde até há refrões em alemão gritado, com ritmos dançáveis, samples inovadores, temáticas novas: há aqui ingredientes suficientes para se ficar empolgado com o sucessor de “O Fim”.

“Obrigado por terem vindo, por estarem comigo, e por me ajudarem a fazer as minhas coisas”. Dizem que quando somos pais tudo muda. Parece que a paternidade mudou Fachada, ofereceu-lhe uma certa paz de espírito. Volta ainda ao repertório antigo, e acaba o concerto com “É Normal” e “Afro-Xula”, não antes de três encores solicitados à força de palmas e assobios insistentes, que incluíram “Não Pratico Habilidades”, “Kit de Prestidigitação”, “A Casa do Manel”. Caiu o B, mas Fachada está mais sólido do que nunca.

 

Fotografia cedida por e com autoria de Vera Marmelo