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Criatura, Salmos da Terra

2015-08-14, Cem Soldos, Tomar
Nero
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A passagem da Criatura pelo Bons Sons, não foi um concerto, foi uma experiência. Uma liturgia.

Para não variar, inicie-se repetindo a afirmação da extraordinária qualidade de som presente nos palcos do Bons Sons. Esse pressuposto foi ainda mais decisivo dado o número de músicos que subiram ao palco Lopes Graça, para dar forma à Criatura, além das vezes em que se lhes juntou a imponência do Grupo Coral e Etnográfico da Casa do Povo de Serpa. Nesses momentos, os ambientes de folk experimental (inclusive dark wave) da Criatura, carregados de uma lindíssima solenidade rural portuguesa, conduzidos por sintetizações esparsas e bonitas harmonizações de guitarras, ganham uma dimensão… Épica. Trans-dimensional. Capaz de nos elevar sobre o interior profundo, do Alentejo a Trás-os-Montes.

Será uma questão de gosto, de estado de espírito ou de interpretação, mas o som mais denso da Criatura (à laia de associação obscura, apetece referir pontos de contacto com os finlandeses Tenhi) poderá erigir-se como uma referência, mais contemplativa, ao lado dos Gaiteiros na música nacional. «Tanto verde pr’ ocupar / Tanta terra pr’ a cavar / Tanto velho p’ ajudar / Tanto novo a zarpar». Sublime visão social e política. A Criatura mostrou em Cem Soldos poder recuperar com elegância o melhor da exploração sonora de José Mário Branco ou Fausto e, ao mesmo tempo, recuperar a importância da palavra na verdadeira música popular portuguesa.

Roma e Pavia não se fizeram num dia, mas o que “Aurora”, o disco que está para sair, transbordou em palco, é promissor quanto baste. Foi assombroso.