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Guns N’ Roses, O Magnetismo Daquela Que Foi a Mais Perigosa Banda do Mundo

Guns N’ Roses, O Magnetismo Daquela Que Foi a Mais Perigosa Banda do Mundo

2022-06-04, Passeio Marítimo de Algés
Nero
Jarmo Luukkonen
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Os Guns N’ Roses procuram avidamente recuperar o tempo perdido e voltar à essência que os tornou numa das maiores bandas na história da música e do rock. A sede de palco era notória, tal como a cada vez maior solidez e coesão dos músicos. Enquanto a voz de Axl Rose “durou”, o concerto dos Guns N’ Roses foi estrondoso, depois passou por oscilações, mas o magnetismo dos gunners e das suas grandes canções mantém-se intacto.

Nos muitos bootlegs dos soundchecks das noites anteriores, que fãs da banda partilharam abundantemente nas redes sociais, ficava a sensação de que poderíamos ouvir “Reckless Life”. E assim foi. Porque começamos por destacar este tema que, de resto, já não era ouvido ao vivo desde 1993? Porque este explosivo hino sleazy reporta aos mais primordiais dias dos Guns N’ Roses e é uma razão pelo magnetismo que a banda ainda é capaz de exercer sobre uma multidão entre as 45 e as 50 mil pessoas, como aconteceu no Passeio Marítimo de Algés.

Originalmente gravado em 1986, num histórico e há muito extinto estúdio de Hollywood, o Pasha Music House, o tema nem é bem dos Guns – é da sua anterior encarnação, os Hollywood Rose antes da chegada de Duff McKagan, embora este já o tenha gravado. Eram os dias da banda mais perigosa do mundo, eram os dias do apetite por destruição, cujas sessões de estúdio criaram não só o primeiro EP na UZI, como o fabuloso álbum de estreia da banda, depois “Lies” e muito daquilo que chegou ao imponente quádruplo LP “Use Your Illusion”. Portanto, as sessões de “Appetite For Destruction” foram, ao jeito dos Guns, uma espécie daquilo que Headley Grange foi para os Led Zeppelin, tendo ainda aí surgido (colocadas de lado no alinhamento final) várias composições como a épica “Civil War”, as pedradas “You Could Be Mine” ou“Back Off Bitch”, além de um esboço, ainda sem a magnitude orquestral, de “November Rain”. Foi até totalmente descartado um malhão como “Shadow Of Your Love”, que também fez parte do alinhamento em Lisboa. E o encanto dessas malhas é o alimentarem-se de um turbilhão de emoções numa tempestade de fogo, electricidade e espírito marginal. Exsudam autenticidade. O sitz im leben de desses dias é o que torna as canções únicas e irrepetíveis.

Já tive oportunidade de o dizer nestas páginas, são temas escritos por rufias das sarjetas de Los Angeles, uma cidade que estava no seu auge de luxúria na década de 80, e na qual cinco putos irascíveis gastavam cada dólar que conseguiam meter no bolso em bourbon e vinho rasca (“Nightrain” presta homenagem a uma dessas zurrapas), cocaína e heroína. Vadios que dormiam na garagem onde ensaiavam ou em casa de strippers ou actrizes porno atraídas por aquela ferocidade juvenil. Esses rufias ascenderam ao trono de LA e da indústria musical, ao paraíso. O verdadeiro rock ‘n’ roll dream.

O magnetismo mantém-se, mas os putos envelheceram. Uma vez mais em Lisboa, para arrancar uma nova digressão europeia depois da reunião de 2016, Axl, Slash e Duff deram tudo o que tinham, apoiados por um bandão como, admita-se, nunca tiveram antes. E procuraram manter-se colados à sua essência, tanto quanto possível. O arranque foi clássico, “It’s So Easy” e “Mr. Brownstone”. Depois Slash pegou naquele monstro verde carregado de switches, um modelo BC Rich Berni Rico de dez cordas que o guitarrista usa modificado para seis, e “Chinese Democracy” soou bem punk rock, com Richard Fortus a assumir o protagonismo com um vibrante solo. Duff usou maioritariamente o Fender Jazz Bass Special Branco, de ’86, com o símbolo de Prince, mas depois do tema do álbum, digamos solo, de Axl Rose, pegou naquele massivo Fender Aerodyne Jazz Bass e fez-se ouvir “Slither”, com o primeiro grande solo de Slash e fica a ideia de que, enquanto estiveram separados andaram todos a gravar riffs de Guns depois do cisma dos Guns. Seja como for, sente-se a essência, o magnetismo.

Frank Ferrer faz troar o ritmo explosivo de “Double Talkin’ Jive” – o baterista e Richard Fortus acrescentam mais-valias à banda que esta nunca teve antes. Ferrer mistura a extravagância técnica de Steven Adler com o poder de Matt Sorum.

O concerto está a ter um arranque arrasador, com um som enorme. Frank Ferrer faz troar o ritmo explosivo de “Double Talkin’ Jive” – o baterista e Richard Fortus acrescentam mais-valias à banda que esta nunca teve antes. Ferrer mistura a extravagância técnica de Steven Adler com o poder de Matt Sorum. Fortus jamais irá escrever como Izzy Stradlin, mas é um guitarrista mais contemporâneo, capaz de acrescentar muito (e até suplantar) ao que Slash faz. Dinâmico, versátil, tecnicamente exuberante e um team player. Com Duff McKagan, formam uma formidável banda que, ao longo do concerto, será várias vezes injustamente colocada atrás de Slash na mistura. Mas neste tema o tipo da cartola esteve fenomenal, diga-se, naquele seu híbrido solo fronteiriço, entre o blues e o flamenco. E se alguém pensava respirar por um momento… Bom, «YOU KNOW WHERE THE FUCK YOU ARE?»

As más notícias eram que a tremenda intensidade dos primeiros seis temas, mais o enorme esforço em “Welcome To The Jungle”, rebentaram de vez com a voz de Axl.

“Welcome To The Jungle” foi o tema onde Axl Rose menos se defendeu e mais agressividade emprestou à voz. Fê-lo razoavelmente bem, aguentando o icónico verso, ajustado geograficamente: «You’re in the jungle Portugal, you’re gonna die». O clássico que abre “Appetite For Destruction” foi tocado com os bpm muito reduzidos, quase um boogie onde ficou mais explicitamente manifesta a influência que os Rolling Stones sempre tiveram nos norte-americano. Influência nunca escondida, de resto. De seguida, também “Better”, outro tema do controverso “Chinese Democracy”, se ouviu com arranjos bem distantes dos originais, mais ajustados à personalidade musical de Slash. Mais bluesy. Todavia, foi Fortus quem segurou este tema. As más notícias eram que a tremenda intensidade dos primeiros seis temas, mais o enorme esforço em “Welcome To The Jungle”, rebentaram de vez com a voz de Axl e, porque essa é a sina do frontman, o concerto (que estava a ser fenomenal) passou a uma sucessão de altos e baixos. Mas se a voz se foi, permaneceu a categoria dos instrumentistas e, uma vez mais, o magnetismo das composições.

Podemos ficar com saudades da voz de Axl Rose ali na viragem das décadas 80/90, na paquidérmica digressão de suporte aos álbuns de 1991, mas se voltássemos atrás no tempo seria impossível ouvir “Coma” tocada com a classe que se ouvir em Lisboa. Nesses tempos, Slash passava os concertos “cozido”, tocando muitas vezes de forma indigente e displicente. Ouvi-lo aqui a solar, os detalhes dinâmicos da sua palhetada, a expressividade e articulação das notas. Enfim, não se pode ter tudo. Depois de “Reckless Life”, tocada com a estridente BC Rich Warlock vermelha, a metaleira guitarra daqueles primeiros dias de Slash nos Guns, o guitarrista pegou na LP Goldtop e surgiram as melodias assassinas de “Estranged”. Nessa épica balada, como nos também épicos “Coma”, “Civil War” – Por mais débil que esteja a voz de Rose, um verso como «It feed the rich while it buries the poor» jamais perderá força – “November Rain” e “Rocket Queen”, ficou bem patente que estamos diante de uma banda que parece ter sobrevivido a tudo e cujo único lamento é a idade com que agora se debate e o tanto, tanto tempo perdido.

A multidão, pelo menos a maioria dos que nos circundavam, parece não ter reconhecido “Walk All Over You”, como não terá identificado a proveniência de “I Wanna Be Your Dog”. Esta multidão de fiéis ouvintes de rádios comerciais e supostamente específicas de décadas não encontra aí grande airplay dos AC/DC, quanto mais dos Stooges. Mas nisto das versões, “Live And Let Die” e “Knockin’ On Heaven’s Door” foram aclamadas de forma retumbante. É preciso reconhecer que numa e noutra os Guns apoderaram-se das composições, ultrapassando o trabalho dos autores originais. Na de Paul McCartney a força orquestral possui maior preponderância na actualidade. Soa mais grandiosa, fruto da tecnologia, que permite a Melissa Reese disparar samplagem de maior resolução e, consequentemente, maior eficácia e impacto. Na de Bob Dylan, Slash empunhou finalmente a ’66 EDS-1275 de dois braços. Em “Civil War” recorreu ao mais leve e semi-acústico modelo Guild Crossroads.

Toda a gente espera um novo álbum dos Guns N’ Roses, cada um dos músicos já o prometeu, mas será isso uma boa ideia? “Hard Skool” e “Absurd” fazem temer o pior.

Como referimos, Axl, Duff e Slash, parecem sedentos de recuperar aquela aura da segunda metade da década de 80, aí se colando. Toda a gente espera um novo álbum dos Guns N’ Roses, cada um dos músicos já o prometeu, mas será isso uma boa ideia? “Hard Skool” e “Absurd” fazem temer o pior. São inócuas e pífias, principalmente tocadas a seguir a um dos mais ferozes momentos da noite, como foi “You Could Be Mine”. Mais um malhão surgido das sessões de “AFD”, a banda retirou-lhe alguma velocidade e tudo soou perigoso, autêntico, demolidor e pesado. Ferrer foi fenomenal. E Duff já não se resume à exuberância do seu som agressivo de baixo, tendo-se tornado um dos melhores pilares rítmicos no rock. Para que se perceba o impacto do tema, só “Sweet Child O’ Mine” foi motivo de maior efusividade na plateia. Não terá havido alguém, pelo menos ali mais na frente (depois do neo-liberal “Golden Circle”), que se tivesse abstido de cantar, no mínimo, um par de versos e o refrão. Em vez do tradicional tema da banda-sonora d’”O Padrinho”, Slash optou por jammar com a banda um dos mais clássicos temas do cânone blues, “Born Under A Bad Sign”, que Albert King imortalizou em disco em 1966. E o canhão que Fortus usou nesta introdução e no tema? Um híbrido Les Paul Jr com Strat, trata-se da 4Tus Leather Hot Baby Junior, um modelo custom do luthier Fabrizio Paoletti. Com a moral nos píncaros, Fortus foi o rei em “Rocket Queen”. Slash não deslustrou na talkbox, mas Fortus shreddou a malha rainha do sleazy.

As últimas notas obrigam a destacar “Nightrain”, um hino que passou os anos 90 meio esquecido no início dos sets dos gunners. Foi triunfalmente recebido. E por falar nos anos 90, “You’re Crazy” nunca fora sequer ouvida em Portugal, pelo menos na sua faceta “AFD”. “No que respeita a obrigatoriedade, Fortus, Duff e Slash sentaram-se a dedilhar  a “Black Bird”, dos Fab Four, antes da obrigatória “Patience”. Após quase três horas, sabia-se, teríamos que nos despedir desse recanto «where the grass is green and the girls are pretty». Para este que vos escreve, que não esteve no infame concerto de Alvalade, a actuação de Adler’s Appetite, no Musicbox, em 2011, mantém-se como a mais autêntica experiência daquilo que terá sido o contexto original dos Guns N’ Roses nos dias em que andavam pela Sunset Blvd. com skinny leather jeans e maquilhados como top models, de bourbon na mão e heróina no bolso. Ainda que o concerto de ontem tenha suplantado o de 2017 (para nem falar dos que só trouxeram Axl) não houve nada disso, mas o magnetismo permanece intacto.

A abrir a tarde estiveram os Last Internationale. Uma banda competente, com uma voz considerável como a de Delila Paz, com rodagem em grandes palcos e pequenos palcos. E ainda assim, por algum motivo as coisas parecem não colar. A banda mostra garra, mas não tem coesão. Paz revela um enorme poder de projecção, mas amiúde descontrola-se. A versão de “Think” deve ter deixado a lendária Aretha Franklin às voltas na tumba. E não deixou de ser algo caricato ouvir “Grândola, Vila Morena” no final do seu curto alinhamento. Primeiro, uma absconsa introdução instrumental e depois, ainda que se saúde o entusiasmo idealista de Paz, digamos que o grande Zeca não estaria a pensar nos milhares de neo-liberais que compraram bilhetes com preços entre os setenta e os mil paus para estar num concerto. Foi tudo muito incaracterístico e inócuo.

Gary Clark Jr. ficou a milhas daquilo que lhe tínhamos visto há uns anos no Rock In Rio, quando antecedeu os Stones. A densidade do seu soul/blues também terá tido menos impacto na platei que, cada vez mais volumosa, ainda tinha a sua atenção bastante dispersa. “Low Down Rolling Stone” ou “When My Train Pulls In” soaram do camandro. Depois de. em anos recentes (2017?) a Gibson lhe ter criado um modelo SG de assinatura, estará à vista uma nova Flying V como a que usou em Lisboa, com uma tripla de P90s, tal como sucede na SG. Estas fogosas guitarras foram alternadas com os clássicos modelos ES-330 e Casino.

Os Guns N’Roses não autorizaram a captação de imagens.

SETLIST

  • It’s So Easy
  • Mr. Brownstone
  • Chinese Democracy
  • Slither Double Talkin’ Jive
  • Welcome to the Jungle
  • Better Coma
  • Reckless Life Estranged
  • Shadow of Your Love
  • Walk All Over
  • You Live and Let Die
  • You Could Be Mine
  • Hard Skool
  • Absurd
  • Civil War
  • Sweet Child o’ Mine
  • Rocket Queen
  • I Wanna Be Your Dog
  • November Rain
  • Knockin’ on Heaven’s Door
  • Nightrain
  • Patience
  • You’re Crazy
  • Paradise City