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Guns N’ Roses, Bons Amigos

Guns N’ Roses, Bons Amigos

2017-06-02, Passeio Marítimo de Algés
Nero
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Clark Street, Chicago, 1989 – Axl Rose quebrou o seu regime de reclusão. Earl Gabbidon (o seu segurança privado), Tom Mayhew (road manager) e Steven Adler estão no quarto do vocalista a altas horas da madrugada. Ouvindo barulho, Slash dirige-se ao local, onde encontra o grupo com duas miúdas «happy-go-lucky», como as descreve, às quais é sugerido fazer sexo com os homens ali reunidos. Elas apenas concedem em praticar sexo oral a todos eles. Axl Rose explode de raiva e expulsa violentamente as jovens, confessa Slash na sua autobiografia: «A proporção que tudo ganhou foi completamente desnecessária. Para ajudar, o pai de uma das miúdas era chefe de polícia em Chicago, alguém me disse. Na final da manhã seguinte, arrumei as minhas coisas e apanhei um voo de regresso a Los Angeles».

A digressão de promoção a “Appetite For Destruction” (AFD) tinha terminado, fechando um ciclo de sucesso retumbante, ditado pelo explosivo álbum de estreia da banda. O comportamento tendencialmente auto-destrutivo da banda necessitava de ser impedido de propagar-se durante um prolongado tempo de inactividade e, por outro lado, era necessário manter a banda nos píncaros de adoração pública. Além disso, AFD tinha deixado várias composições da banda de parte, composições como a épica “Civil War” ou um esboço, ainda sem a magnitude orquestral, de “November Rain”. Assim, era imperativo colocar os Guns N’ Roses a trabalhar num novo álbum e impedir que cada um dos membros encontrasse a melhor forma de sucumbir aos seus“fun and games” de eleição. Por isso, o management decidiu mudar a banda, em segredo, para Chicago, onde poderia trabalhar longe do escrutínio dos media, do público e dos vícios da Cidade dos Anjos.

As sessões de Chicago foram um desastre. A banda mudou os seus hábitos para a noite do Midwest, passando noite após noite em excessos de consumo, com Slash e Duff empenhados em rebentar o stock dos bares próximos à “residência” da banda e Steven Adler como o mais destacado dependente de narcóticos da banda (o que faria com que nem gravasse as sessões finais de estúdio, além de “Civil War”). Izzy Stradlin começou aí o seu progressivo processo de isolamento e Axl Rose tinha uma participação errática, no mínimo, nos ensaios. O frontman iniciou aqui uma maior obsessão com o piano, enquanto Slash, nunca o escondeu, não pretendia afastar-se da alta intensidade de guitarras do primeiro álbum. Consequentemente, cada um começou a considerar que o outro não se estava a empenhar totalmente na criação do álbum. As diferentes visões sobre o som e o rumo da banda acabaram por resultar num quádruplo LP, lançado em duas partes.

A banda estava a começar a desintegrar-se. Depois das sessões de Chicago, Steven Adler agravou a sua dependência por heroína e acabou por ser despedido da banda. Parece ridículo, considerando as confissões de abusos de drogas de Slash ou Duff, nas suas respectivas biografias, mas o baterista “quebrou” na altura em que a banda começou o périplo pelos vários estúdios de gravação das sessões do disco – A&M, Record Plant, Studio 56, Image Recording, Conway Studios, Metalworks Recording Studios, entre outros. Adler não conseguia corresponder e Matt Sorum chegou para regravar tudo. Também nesta altura, Axl Rose começou a comunicar com a banda através do seu management, criando uma distância cada vez maior entre si e os companheiros. Na sua biografia, Slash guarda mágoa desta atitude, mas admite que o isolamento do vocalista se, por um lado destruiu a banda, por outro, foi o factor que elevou a dimensão do álbum.

Isto tudo para dizer que a história, a partir daí e com o desastroso concerto de Alvalade pelo meio, apenas faria pensar ser ainda mais impossível imaginar ver os Guns N’ Roses juntos uma vez mais em Lisboa. Ou parcialmente juntos, Izzy Stradlin está totalmente de fora da equação e Steven Adler, que tem surgido em alguns concertos da Not In This Lifetime Tour, não esteve neste concerto. Mas na música pouco conta a história, na música conta a música. E os Guns N’ Roses têm grandes músicas. Não são indie, nem electrónica, nem alternativo. Os Guns N’ Roses não cantam músicas ecológicas, nem lêem papelinhos a dizer que fazem surf nas praias nacionais. Os Guns N’ Roses continuam a ser uma das maiores bandas da história do rock, porque têm grandes músicas.

“It’s So Easy” e “Mr. Brownstone” (numa abertura clássica da banda), “Welcome To The Jungle” e a surpreendente “Double Talkin’ Jive”, uma das canções mais pesadas da banda, fizeram inclusivamente crescer “Chinese Democracy” e “Better”, dois dos temas do álbum maldito, para tantos, que Axl Rose fez sem Slash e Duff, os dois que dão um corpo sleazy aos temas originalmente industriais. Como a voz de Axl Rose já não é de ferro, “Estranged” abrandou a setlist com elegância e com o sentimento singular de Slash, naquela que é uma balada tão épica como algo ostracizada em detrimento de “November Rain” ou “Don’t Cry”.

Esta última falhou a presença em Lisboa, mas a primeira (introduzida pela segunda parte de “Layla”, na forma como Derek and the Dominos a gravaram) foi acompanhada pelos milhares de vozes presentes no Passeio Marítimo de Algés. Outra marca que permanece de há mais de duas décadas atrás é essa de os gunners prestarem tributo às suas influências, ouvindo-se as clássicas versões de “Live And Let Die” e “Knockin’ On Heavens Door” ou evocando a memória de Chris Cornell, através de “Black Hole Sun”. Além dos momentos instrumentais a evocar outros clássicos, como “Wish You Were Here”, “Voodoo Child” ou “Melissa”. Já “New Rose” (The Damned) e “Whole Lotta Rosie” (AC/DC) ombrearam com “You Could Be Mine”, “Nightrain” ou “Out Ta Get Me”, como temas mais explosivos do concerto.

“Sweet Child O Mine”, “Patience” e o hino final “Paradise City” ganham o título das mais cantadas (ou assobiadas) pelo público. “Rocket Queen”, “Coma” e “Civil War” foram os épicos que mostraram uma banda que parece ter sobrevivido a tudo e cujo único lamento é a idade com que agora se debate e o tempo perdido. Porque Slash terá sempre um som reservado na história dos grandes nomes da guitarra – o que ficou amplamente comprovada na forma como ainda é capaz de “escavacar” o solo híbrido de “Double Talkin’ Jive” ou como criou um dos momentos mais icónicos em concertos, através da sua interpretação da “melodia romântica dos Corleone”. E Duff já não é apenas a exuberância do seu som agressivo de baixo, tendo-se tornado um dos melhores pilares rítmicos no rock, pelo menos foi assim, durante as quase três horas que aquela que já foi “a banda mais perigosa do mundo” esteve a tocar em Lisboa.

Foto: Everything Is New (não foi permitida a captação de imagens à equipa da AS)

SETLIST

  • It’s So Easy
    Mr. Brownstone
    Chinese Democracy
    Welcome to the Jungle
    Double Talkin’ Jive
    Better
    Estranged
    Live and Let Die
    Rocket Queen
    You Could Be Mine
    New Rose
    This I Love
    Civil War
    Black Hole Sun
    Coma
    Sweet Child O’ Mine
    Out Ta Get Me
    November Rain
    Knockin’ on Heaven’s Door
    Nightrain
  • Patience
    Whole Lotta Rosie
    Paradise City