Quantcast
Iron Maiden Para Sempre, O Arrebatador Concerto no Estádio do Jamor

Iron Maiden Para Sempre, O Arrebatador Concerto no Estádio do Jamor

2022-07-31, Estádio Nacional, Jamor
Nero
Inês Silva
9
  • 8
  • 9
  • 9
  • 10

Aquela que é, provavelmente, a melhor banda de sempre ao vivo, no seu maior e mais ambicioso concerto em Portugal. Aclamados por uns 30 mil fãs, ofereceram a Lisboa uma daquelas noites raras, difíceis de descrever e explicar, mas absolutamente inesquecíveis. De uma dimensão épica como mais nenhum género além do heavy metal e nenhuma outra banda além dos Iron Maiden podem almejar.

Se traduzido, o hino da banda diz qualquer coisa como não se poder lutar, nem se poder procurar ou almejar, simplesmente «onde quer que estejas, os Iron Maiden vão alcançar-te, não importa quão longe». Esse inevitável encontro da Providência, no caso deste cronista, deu-se cedo. Muito antes da plenitude da era digital, um petiz dos anos 80 aprendia a dominar a mais imponente tecnologia do seu lar: a aparelhagem paterna. Imaginem o impacto visual e imaginário da capa de “Powerslave” (1984) numa criança.

Aliás, era digital ou não, experimentem mostrar capas de vinil dos Iron Maiden e, particularmente, a desse álbum aos vossos putos. Podem ter a certeza que será uma experiência impressionante e que irá, a seu tempo, criar paixão ou, no mínimo, admiração perene. Esta é uma constatação empírica. Assim sucedeu comigo. Assim sucedeu com os meus pequenotes que já identificam as capas de Iron Maiden, ainda que a música dos britânicos não caiba ainda na sua infância musical. E assim sucedeu com, pelo menos, uma multidão verdadeiramente multi-geracional de mais de 30 mil almas que encheu o Estádio Nacional para ver a 19ª ou 20ª actuação (peço aqui o auxílio de algum fã mais metódico) dos Iron Maiden em Portugal.

Nenhuma outra banda – de heavy metal, seguramente, ou de qualquer outro género, possivelmente – visitou as nossas fronteiras tão amiúde. E isso diz muito mais da própria banda que de outra coisa qualquer. Não somos assim tão especiais. Os Iron Maiden é que são um caso singular. O habitat natural da banda de Leyton, East London, onde sempre se transcenderam e onde permanecem indisputadamente uma das melhores (talvez mesmo a melhor) bandas de sempre: é o palco. Afinal, ainda em 2021, saiu um novo álbum de estúdio, “Senjutsu”, mas os Iron Maiden, se excluirmos a opinião da legião de fãs, estão numa crise criativa que, nem o regresso de Bruce Dickinson e Adrian Smith, há mais de uma década já, conseguiu resolver (e tão bem que os dois estavam a sair-se nos álbuns assinados com o nome do carismático vocalista). Portanto, tal como o anterior “The Book Of Souls” (2015), “Senjutsu” tem todo o aparato de sempre de cada álbum dos Maiden, mas não tem metade do fogo criativo que existia há três décadas atrás. Contudo, isto não interessa nada quando nos vemos num concerto de Maiden, precisamente devido à imensa dimensão da produção do espectáculo e pelo tremendo savoir-faire dos músicos britânicos. E claro pelo estatuto absolutamente épico da primeira metade dos seus 17 álbuns de estúdio. Enfim, seja qual for o alinhamento, espera-se que tudo seja apoteótico devido a esse, que é o maior predicado da banda: o seu som, os seus músicos e as suas canções, transmutam-se ao vivo – multiplicam o seu vigor. Quanto mais num estádio…

As coisas mudaram um pouco nesta segunda leg europeia da digressão “Legacy Of The Beast”, após uma primeira etapa de concertos antes da caos pandémico, que incluiu uma data (esgotadíssima) na Altice Arena, em 2018. Como referido, pelo meio foi editado “Senjutsu“, além do álbum ao vivo “Nights of the Dead, Legacy of the Beast: Live in Mexico City”, que chegou a 20 de Novembro de 2020.

Seja qual for o alinhamento, espera-se que tudo seja apoteótico devido a esse, que é o maior predicado da banda: o seu som, os seus músicos e as suas canções, transmutam-se ao vivo – multiplicam o seu vigor. Quanto mais num estádio.

FERVER EM LUME BRANDO

E foi com um palco a evocar a era do shogunato no Japão, alusiva à temática do mais recente álbum, que subiu o pano daquele que foi o mais grandioso concerto dos Maiden em Portugal. O tema homónimo do mais recente trabalho discográfico abriu a noite, seguido dos singles extraídos do álbum “Stratego” e “The Writing Of The Wall”. Esse tríptico, digamos assim, criou as primeiras vagas de entusiasmo, podendo verificar-se o compromisso de muitos fãs de primeira fila, cantando já vigorosamente as letras das canções. Estava encerrado o primeiro acto. Serve também de preâmbulo para a FOH. Será um pesadelo conseguir fazer som à banda, bastando lembrar a presença de três guitarras e o enorme drumkit de Nicko, do qual se ouve cada nuance de timbalões e pratos. A espessura de um calor que quase se podia agarrar, a completa ausência de aragem – ao contrário, por exemplo, do que sucedeu no mesmo espaço, poucas semanas antes, no VOA – e a impressionante moldura humana… Tudo se congregou para favorecer a qualidade tremenda do som geral, afinado desde bem cedo, nestes primeiros três temas.

A mudança de cenário, com eficácia das maiores produções teatrais e operáticas, transporta-nos para a catedral dos Maiden, onde tudo iria desenrolar-se num crescendo de arrebatamento e extâse de fervor religioso. Primeiro a contemplação, através de “Revelations”, “Blood Brothers” (o primeiro momento cantado com o emergente poder coral do público), “Sign Of The Cross” e “Flight Of Icarus”. A idade não perdoa ninguém. Nem o hiperactivo Bruce Dickinson que já se protege na maior parte dos temas, sugerindo as notas mais agudas em vez de realmente as cantar e “apressando” muito os versos, para resistir com mais vigor durante todo o concerto. Isto não se trata de desvalorizar de qualquer modo o músico  que, aos 63 anos de idade e mesmo depois de ter tido de lutar com um cancro na garganta, permanece um dos maiores cantores de sempre, apenas que se vai sentido o peso da idade. Aliás, foi o próprio que, recentemente, abordou o assunto. Conforme os anos vão passando, torna-se mais difícil para qualquer vocalista de heavy metal atingir as notas mais altas e manter o vigor necessário a um concerto e Dickinson, numa entrevista com o Daily Star, deixou claro que, a partir do momento em que não consiga cumprir quatro músicas por noite, gostaria de ser substituído com efeito imediato. Apesar disso, Dickinson deixou claro que não abandonaria totalmente a banda: «Se amanhã não me sentir capaz de cantar mais do que quatro músicas por noite, gostaria que os outros tipos continuassem e gostaria de poder escolher o meu substituto. Claro que ainda continuaria a aparecer de vez em quando e o outro vocalista faria o resto».

O HERÓI NÃO CANTADO

Mas, chega um momento em que se esquece tudo isto. É quando chega o peso harmonizado das três guitarras em “Fear Of The Dark”. As melodias, os coros uníssonos de mais de 30 mil pessoas… É mesmo a melhor canção de sempre ao vivo, o exemplo perfeito do que se entende como a mistura entre uma banda, a sua música e o seu público. É sempre arrepiante. É também o momento ideal para deixar a minha laude ao herói nunca cantado dos Maiden: Janick Robert Gers. Nunca adquiriu o estatuto icónico de Dave Murray e dos seus antémicos leads, aquela imperturbável serenidade e solidez da mão esquerda, e nunca foi aclamado como o vibrante shredder que é Adrian Smith, mas é como uma soma de ambos e trouxe um som bluesy aos Maiden que, nos dedilhados e pequenos apontamentos melódicos sem distorção, tão bem patentes neste magistral tema, redimensionaram o carácter sonoro das lendas britânicas.

É mesmo a melhor canção de sempre ao vivo, o exemplo perfeito do que se entende como a mistura entre uma banda, a sua música e o seu público. É sempre arrepiante.

Aliás, as suas Strats, como o modelo branco dos anos 70, soam mais aproximadas aos pressupostos originais desse design, com os vibrantes Seymour Duncan JB Jr. (no braço e ponte) e o Seymour Duncan Hot Rails (no meio); já o modelo preto dos anos 60, o que lhe foi oferecido por Ian Gillan [Deep Purple], possui a mesma configuração SSS, com os JB Jr., mas com um genérico no meio, em vez do Hot Rails. Bom, é difícil dizer, na verdade, se as guitarras são as originais ou as versões Fender Custom Shop com que foi presenteado no início deste milénio. Mas, caramba, soa com a alma de um dos seus maiores ídolos, Rory Gallagher.

Nesse particular, Dave Murray usou principalmente (parece-nos) a sua Fender Californian Series Strat, a Sunburst de dois tons. Murray inverte o setup de pickups de Gers. Ou seja, dois Hot Rails e o JB Jr. na posição do meio. Os sistemas tremolo Floyd Rose são indicadores do seu carácter mais mod, que vem de há muitos anos, desde a sua Strat preta, a 1957/63 (braço de ’57 e corpo de ’63). Essa guitarra era de Paul Kossoff [Free] e Murray usou-a exaustivamente até 1990. Em 2009, a Fender usou-a para criar uma réplica Artist Signature, que agora é usada no palco, enquanto a guitarra original hiberna em casa da mãe do guitarristas. Já Adrian Smith usa ainda mais agressividade. As suas assinaturas com a Jackson Guitars têm sido ciclicamente notícia nestas páginas, desde as primeiras versões à actualização de 2020 ou a personalização espectacular, criada para celebrar o 40º aniversário da Jackson Custom Shop.

Steve Harris, praticamente, não largou o seu Precision Bass de assinatura. O baixista comanda desde sempre os Iron Maiden a partir de um Fender Precision. O modelo azul é bastante famoso, tal como o preto e branco. Depois passou a usar um novo modelo com a sua própria assinatura, criado em 2015. O Fender Steve Harris Precision Bass possui acabamento gloss branco, com o pickguard tipo espelho e o emblema do West Ham United FC (Go Hammers!). Corpo em duas peças de maple, braço e escala na mesma madeira. O pickup é o seu Seymour Duncan de assinatura. A ponte é uma Fender High Mass. Podem ver aqui mais detalhes. Nicko McBrain trouxe novamente um kit SQ2 a Lisboa. Mas se o kit é basicamente o mesmo que trouxe em 2016 e já na primeira passagem da “Legacy Of The Beast” no nosso país, em 2018 o acabamento é novo, com um artwork personalizado e inspirado nos motivos da produção desta renovada digressão. O conjunto de bateria consiste em: timbalões 6×6, 8×8, 10×10, 12×12, 13×13, 14×14, 15×15, 16×16, um timbalão de chão 18×18, bombo 24×18 (tudo com cascos Medium Beech) e ainda uma tarola 14×6.5. O hardware é Black Chrome.

APOTEOSE

De volta ao concerto, “Fear Of The Dark” instalou uma efusividade febril no Estádio do Jamor e abriu uma sequência apoteótica, cantada por um público delirante, que incluiu os mega clássicos “Hallowed Be Thy Name”, “The Number Os The Beast” e “Iron Maiden”. O primeiro encore, instalou o desconfortável sentimento de que estava tudo a aproximar-se rapidamente do fim e esse estado de urgência foi combustível nessa tremenda energia que grassava no estádio. “The Trooper” e as pantomineiras zaragatas entre Dickinson e Eddie, a abrutalhada e estimada mascote da banda, colocou o cenário da “guerra” em palco. O neo clássico épico “The Clansman” e o seu trovejante refrão, clamando essa palavra de beleza arrebatadora que é a «Liberdade», soou triunfal. Depois, “Run To The Hills” virou o mundo do avesso. Pelo menos ali, junto do palco (estrategicamente próximo de um bar), já não se estava num simples concerto, mas num vórtice de energia pura, de alegria, de devoção e arrebatamento. Foi um daqueles momentos que mal se descrevem, mas jamais se esquecem.

Faltava a última cortina. Ouve-se o mais famoso discurso de Winston Churchill, que exortava o povo das ilhas britânicas a lutar até às suas últimas forças contra a praga nazi, surge a pairar sobre a banda a impressionante réplica Supermarine Spitfire da Royal Air Force, e “Aces High” transporta este cronista ao início de tudo isto, a “Powerslave”, à sua infância e a quando, sem ter procurado por isso e sem capacidade para debater-se, foi apanhado pelos Iron Maiden. Se, em algum momento desta noite épica dos Iron Maiden, sentiram algo similar, aqui vos deixo um abraço sentido. Up The Irons!

Vê a foto-reportagens do concerto de Airbourne e Within Temptation.

SETLIST

  • Senjutsu
    Stratego
    The Writing on the Wall
    Revelations
    Blood Brothers
    Sign of the Cross
    Flight of Icarus
    Fear of the Dark
    Hallowed Be Thy Name
    The Number of the Beast
    Iron Maiden
    The Trooper
    The Clansman
    Run to the Hills
    Aces High