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Machine Head, Um Furioso Rugido Que Fez Estremecer Lisboa

Machine Head, Um Furioso Rugido Que Fez Estremecer Lisboa

2022-10-09, Campo Pequeno, Lisboa
Nero
Nuno Cruz
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A sede de palco e a fúria de execução dos Machine Head foram notórias desde os primeiros segundos em palco, na passagem da Vikings And Lionhearts Tour por Lisboa. Sem medo das palavras, este foi o melhor concerto de metal do ano no nosso país. Os alicerces do Campo Pequeno ainda estarão a estremecer.

Pareceram dias de um sumptuoso festival de heavy metal em Lisboa. Na passada sexta feira, o Coliseu dos Recreios encheu para aclamar Unto Others, Carcass, Behemoth e Arch Enemy. Depois, no Sábado, os Seventh Storm, liderados por Mike Gaspar, apresentaram o seu álbum de estreia ao vivo num RCA Club ao barrote.

Por fim, no Domingo, o Campo Pequeno abriu as portas à Vikings and Lionhearts Tour, para o regresso das lendas da Bay Area Machine Head e os expoentes do viking metal sueco Amon Amarth. A estes dois colossos juntam-se os The Halo Effect, uma nova banda composta por cinco dos mais talentosos pioneiros do death metal melódico sueco: Peter Iwers, Daniel Svensson, Jesper Stromblad, Niclas Englin e Mikael Stanne. Se alguém se recorda de tal convergência de amplificadores no prego num único fim-de-semana na capital, é favor chegar-se à frente.

«Head Cases e Lion Hearts, alegrem-se!», exclamava Robb Flynn, o vocalista e guitarrista dos Machine Head no anúncio desta tour. «É com enorme prazer que anunciamos o nosso regresso triunfante ao vosso país para esmagar crânios, inspirar circle pits e esgotar o vosso stock de cerveja! Só que, desta vez, não vamos estar sozinhos. Isso mesmo! Pela primeira vez em quase uma década, os Machine Head vão abrir mão das suas habituais “An Evening With…” para unirem forças com nossos irmãos dos Amon Amarth e os seus conterrâneos The Halo Effect. Esta tour monstruosa vai começar no Outono de 2022 e será, garantidamente, uma das noites mais devastadoras de sempre das vossas vidas metaleiras. Como tal, preparem-se para levantar os punhos, erguer os copos no ar e abanar a cabeça connosco na digressão mais pesada do ano! Ninguém vai conseguir resistir ao poder desta aliança épica. Vamos ao vosso encontro muito em breve!»

Pensando no fulminante concerto dos Amon Amarth e na actuação verdadeiramente arrebatadora dos Machine Head, de facto, foi uma aliança verdadeiramente épica e de força irresistível. Preparem-se porque, diante do apoteótico concerto do quarteto liderado por Robb Flynn, vai haver muita adjectivação repetida e, ainda assim, será escassa para fazer justiça a um dos melhores concertos de metal que Lisboa já testemunhou. No mínimo, foi provavelmente o melhor do ano dentro das nossas fronteiras.

Não que se pretenda estabelecer comparações com aquilo que os Amon Amarth fizeram, afinal são dois conceitos estéticos e de produção bem diferentes, mas quando o tema de introdução ao concerto da banda de Oakland foi “Diary Of A Madman” (a melhor malha de Randy Rhoads com Ozzy), a batalha dos clássicos já estava ganha. O 10º álbum de estúdio de Machine Head, “ØF KINGDØM AND CRØWN”, chegou no dia 26 de Agosto. Previamente anunciado como uma espécie de segundo “The Blackening” – o épico e conceptual álbum de 2007, considerado por muitos fãs como o melhor disco da banda (por aqui permanece o seu primeiro trabalho com esse estatuto). Nesse sentido, também este disco é conceptual, com uma intensa reflexão antropológica, inspirada na celebrada série anime e manga japonesas “Attack On Titan” ((進撃の巨人, ”Shingeki no Kyojin”).

Na descrição dos personagens da narrativa, reconhece-se imediatamente outra influência, a da mitologia clássica, através dos nomes evocativos das divindades da Guerra e do Amor. Em publicação oficial, podia ler-se: «Personagem #1 Ares: (pronuncia-se Aries), o protagonista, que perde o amor da sua vida (Amethyst) e entra num tumulto assassino contra a vil seita responsável pela sua morte. Personagem #2 Eros: (pronuncia-se Arrows) o perpetrador, que perde a sua mãe devido a uma overdose de droga e se radicaliza em consequência disso. Eros emerge do abismo através da sua própria onda de assassinatos. As letras pormenorizam a forma como as suas vidas se entrelaçam». Fazemos este preâmbulo porque, desde que o concerto abriu com “BECØME THE FIRESTØRM” (a única malha do recente disco no alinhamento), a entrega da banda foi uma tempestuosa mistura de paixão e belicismo e logo foram dissipadas quaisquer dúvidas a respeito da forma e da sede de palco de uma das bandas que mais se mostrou activa durante o confinamento, inúmeras foram as vezes que Flynn esteve em directo nas redes sociais.

“I Am Hell (Sonata In C#)”, com uma redimensionada amplitude coral, e depois a arrasadora fúria de “Blood For Blood”, a primeira incursão a “Burn My Eyes”, soou como Slayer vintage, ao mesmo tempo que deixou bem vincado que, a seguir a James Hetfield, Robb flyyn é o melhor vocalista/guitarrista do universo da música extrema.

“Imperium” sentiu-se sequencial, transportando todas as mais vibrantes idiossincrasias dos Machine Head, os pinch harmonics, o paredão de guitarras, a brutalidade rítmica e a montanha-russa de blasts e breakdowns, cujo poder foi avassalador. Recua-se a ’97 e a “The More Things Change”, com “Ten Ton Hammer”, e as infusões de groove nu-metal soam precisamente como uma esmagadora bigorna que vai dobrando a espinha dorsal de todos os que estão na plateia, obrigando a violente headbanging. “I Am Hell (Sonata In C#)”, com uma redimensionada amplitude coral, e depois a arrasadora fúria de “Blood For Blood”, a primeira incursão a “Burn My Eyes”, soou como Slayer vintage, ao mesmo tempo que deixou bem vincado que, a seguir a James Hetfield, Robb flyyn é o melhor vocalista/guitarrista do universo da música extrema. Por esta altura, o vendaval de shred e a espantosa entrega da banda alastrara ao público e o circle pit ocupava mais de metade da plateia.

As coisas apenas acalmaram no momento confessional de Flynn, que falou a Lisboa com autenticidade e honestidade tendo pegado numa Fender Acoustasonic Stratocaster para o muito celebrado semi-acústico “Darkness Within”. Abra-se este interlúdio para, aproveitando o cariz estético da balada, referir que foi com genuína alegria que assistimos à vertiginosa actuação de Wacław “Vogg” Kiełtyka, cuja ascensão nos Decapitated foi brutal e tragicamente travada vai para 15 anos. Ver um “miúdo” da nossa idade, que emergiu do underground europeu ao topo do heavy metal, é verdadeiramente gratificante. Ao seu irmão “Vitek”, esteja onde estiver (certamente cheio de orgulho), deixamos um sentido abraço.

A brutalidade refinada de “We Die” foca-nos novamente a atenção no momento presente, antes de “From This Day” nos levar em mais uma viagem ao passado e ao mais nu-metal dos álbuns dos Machine Head, “The Burning Red” (1999). Então chegou o triunfal “Davidian”. Sinceramente, falham as palavras para descrever aquilo que se passou. Quase toda a bancada de pé, um frenesim de mosh e o circle pit alastrado a toda a plateia. «Let freedom ring with a shotgun blast», o antémico e bélico refrão gritado por todo o público, e uma prestação soberbamente visceral de cada um dos músicos. Quando chegou o breakdown e o riff final, não ficou pedra sobre pedra e, possivelmente, os alicerces do Campo Pequeno ainda estarão a estremecer.

Com a sala em polvorosa, na saída do tema, os músicos ainda atiraram um excerto de “Raining Blood”  e “The Number Of The Beast”. A primeira em concordância com as muitas referências e discurso devocional aos Slayer de Flynn, que recordou amiúde a sua primeira visita a Portugal, quando os Machine Head abriram o concerto de Slayer, no Dramático de Cascais em 1994. Quem vos escreve não viu esse concerto, acabando por ver Machine Head, pela primeira vez, pela Páscoa de 1995 em Colónia. Isto para dizer que, após tantos anos e depois de os ter visto umas quantas vezes (pelo nosso país e no estrangeiro), este foi mesmo o melhor concerto que vi dos Machine Head. Uma intensidade como poucas vezes se tem a oportunidade de sentir seja em que estilo de música for e que, quando a banda encerrou com “Halo” – fantástico tema de “The Blackening” que nos remete para a influência dos Maiden, fechando o círculo com a anterior evocação de “The Number Of The Beast” – tudo soube a muito pouco…

SETLIST

  • BECØME THE FIRESTØRM
    Imperium
    Ten Ton Hammer
    I Am Hell (Sonata in C#)
    Blood for Blood
    Darkness Within
    Now We Die
    From This Day
    Davidian
    Halo