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Nick Cave & The Bad Seeds

Ghosteen

Kobalt Music Group, 2019-10-04

EM LOOP
  • Sun Forest
  • Galleon Ship
  • Ghosteen Speaks
  • Ghosteen
  • Fireflies
  • Hollywood
Nero

“Ghosteen” é o álbum mais bonito na discografia de Nick Cave e dos Bad Seeds. Uma majestosa obra de arte.

“Ghosteen” encerra a trilogia iniciada com “Push The Sky Away” e prossegue o movimento catártico de “Skeleton Tree”. Embora neste álbum o luto que Nick Cave faz do querido filho que perdeu ganhe lentamente mais cores e uma nostalgia melancólica, mas de algum modo aconchegante. É um álbum onde a esperança está mais presente. Daí a sonoridade ser menos pesada, menos densa na sintetização, e possuir a elegância melódica do piano como matriz.

É, de alguma forma, um álbum mais colado a essa grande referência de Cave que é Leonard Cohen. E com a omnipresença do piano, mais próximo de “The Boatman’s Call”, o décimo álbum dos Bad Seeds, de 1997.

PRIMEIRA PARTE

A forma como Cave e Warren Ellis passaram a dominar o equilíbrio entre excentricidade e deslumbramento melódico faz com que, a partir do momento em que se escutam os primeiros sons de “Spinning Song”, o tema de abertura, fiquemos colados no disco com um enorme investimento emocional. “Bright Horses”, “Waiting For You”, “Night Raid” e por aí fora, revelam que esta é uma das melhores colecções de canções que Cave já assinou na sua carreira.

As dicotomias sentimentais presentes na voz de Cave, alternando entre o desespero (que estará presente para sempre) e o consolo das memórias, são envolvidas por uma atmosfera de beleza, de um calor inteligível, mas também quase sensível, criadas pelas sintetizações analógicas de Ellis. No pináculo destas sensações surge “Sun Forest”, uma canção verdadeiramente deslumbrante, onde Cave, em modo aproximado a spoken word nos diz que «não há nada mais valioso que o amor». Logo de seguida, “Galleon Ship” soa como um clássico imediato. Canção arrebatadora.

Esse fantasma adolescente que assombra Cave fala-lhe em “Ghosteen Speaks”, dizendo-lhe estar ao seu lado, e ele ao lado dele, de existir nele. Simples, incrivelmente pungente. Quando chega “Leviathan”, para concluir a primeira parte do álbum, reparamos que apesar deste ser um LP duplo – o primeiro em 15 anos, depois de “Abattoir Blues / The Lyre Of Orpheus” – é um disco que discorre com extrema ligeireza.

SEGUNDA PARTE

O tema título abre com sintetizações epicamente cinematográficas. Na parte que Cave definiu como a dedicada aos pais, fica ainda mais claro que a música de Cave deixou de ser meramente um exercício de carreira e se tornou na banda sonora de um trajecto de vida, exalando autenticidade e visceralidade a cada segundo, dos mais simples e susurrados aos mais grandiosos – contrastes expostos de forma fenomenal nesta canção, na qual Nick Cave nos lembra, diante da morte, que «não há nada de errado em amar algo que não podemos ter nas nossas mãos».

“Fireflies” e “Hollywood” (evocativa do pós punk original dos Bad Seeds e, ao mesmo tempo, angelical) formam a densa cúpula de “Ghosteen”, o vibrante final do disco. Cave e Ellis, quais arquitectos sónicos, criaram este templo musical em ascensão.

Este álbum é um auto de fé, de devoção e dor. Tem o poder de nos elevar o espírito e consolar a dor. Na busca pela cura da sua alma, Nick Cave ofereceu-nos a todos uma profunda experiência espiritual e, nos dias que correm, isso é algo extremamente raro na arte.