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Jack “Wolfgang” White

Jack “Wolfgang” White

2018-07-14, Passeio Marítimo de Algés, NOS Alive
Nero
João Silva / Everything Is New
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Carla Azar, na bateria, conduziu uma noite inspirada de Jack White. Na tour de Boarding House Reach há mais guitarra, mais banda, mais peso.

Vou partir do princípio que 80% dos leitores desta crónica possuem uma cópia ou, pelo menos, conhecem o álbum ao vivo dos Deep Purple, “Made in Japan”. A partir daqui, deduzo que estejam a indagar sobre que tipo de disparate essa dedução possa significar. É muito simples. Quem conhece esse álbum sabe perfeitamente o fogo inigualável que tem a prestação de guitarra de Ritchie Blackmore, a atitude e electricidade extraordinárias ao mesmo tempo que destila pregos, erros nas escalas e tem o som super sujo e cru! Pois bem, a prestação de Jack White no NOS Alive 2018 foi dentro dos mesmos parâmetros. Não se pense em cru tipo sushi arranjadinho e da moda, mas cru porcalhão e rocker!

Feeling e comoção são as armas que o músico tem e que sabe potenciar de uma forma que o torna num improvável estandarte geracional das seis cordas, isto se olharmos às galerias de magos e ícones da guitarra desde os anos 50 para cá.

Divagando um pouco, é curioso ver como num tempo em que a mecanização da sociedade nos exige cada vez mais capacidades e competências especializadas, White é o oposto, uma espécie de niilista renascentista – um homem que sabe um pouco de tudo (e como sabe de songwriting!), mas não é o melhor em nada e está-se pouco lixando para isso. Não sendo um virtuoso, tornou-se um dos guitarristas mais importantes desta geração, foi buscar a força de dar algumas notas à atitude dos anos 60 e 70, prestando homenagem aos heróis eléctricos dessas eras e tornando a imperfeição num caminho de pureza.

LOBAS & SANTAS

Houve várias diferenças em relação à sua presença nos Coliseus, em 2012, desde logo na presença de Carla Azar, a monstruosa baterista que gravou os dois últimos álbuns a solo de White, “Lazaretto” e “Boarding House Reach”. Ainda que esses trabalhos, mais “Blunderbuss” tenham estado em pouca evidência no alinhamento. Carla Azar partiu tudo, mesmo, em “I’m Slowly Turning Into You”, que ao vivo tresandou a Black Sabbath e Zappa  e foi um dos momentos mais extraordinários no concerto, tal como no também Zappesco instrumental “Corporation”. Tema onde houve ainda espaço para evocar Led Zeppelin ou o lendário delta blues de “Baby, Please Don’t Go”. Outro incrível momento de um grande concerto em que, a partir da entrada com “Over And Over And Over”, também do mais recente disco, ficou evidente outra diferença em relação à anterior presença: muito maior peso sonoro! Talvez um reflexo das guitarras usadas.

O disco editado em Março passado, teve como principais armas os modelos personalizados que Jack White usa das EVH Wolfgang USA. White confessou em várias entrevistas sobre “Boarding House Reach” ter sido influenciado pela funcionalidade destes modelos e ter sido por isso que escolheu usar as assinaturas de Eddie Van Halen. Ainda não existem muitos detalhes sobre as personalizações das guitarras, principalmente se os pickups são modelos de stock, mas que soam assassinas e são visualmente deslumbrantes, isso são. Jack surpreendeu ainda ao usar um modelo de assinatura St. Vincent, da Ernie Ball. E nos momentos mais acústicos recorreu a uma cintilante Gretsch Rancher Falcon.

Depois de ter surgido em “Black Math” (outro highlight no concerto), a Gibson Firebird Skunk Baxter Signature regressaria para o último bloco do alinhamento que compreendeu “Freedom at 21”, “Screwdriver” e “Broken Boy Soldier”, antes de dar lugar à escavacada Gibson 1915 L-1, a “Robert Johnson”, para “Seven Nation Army”, já no final do concerto.

A MALDIÇÃO DE SEVEN NATION ARMY

Não há volta a dar à frustração causada pelo rodopio de gente a borrifar-se para os concertos para cá das torres de delay. Será normal que os temas de White a solo ou os dos Raconteurs e Dead Weather (brutal interpretação, mais lenta e mais pesada, de “I Cut Like A Buffalo) passem um pouco ao lado da maioria do público, mas estranha-se que uma multidão que se torna histérica a urrar o riff de “Seven Nation Army”, tema que torna qualquer um num perito musical, não tenha outra reacção aos White Stripes (cujas canções estiveram em larga maioria no alinhamento) a não ser estar em conversa e, em muitos casos, de costas para o palco.

No entanto, o volume esteve superior ao dia anterior, num crescendo que iria ter o pináculo no concerto de Pearl Jam, onde White iria também dar uma perninha. O maior volume (bem com o tremendo corpo e detalhe da mistura) e a excelente panóplia visual dos ecrãs, aumentaram consideravelmente a experiência a quem estava ali por devoção a um dos músicos mais importantes deste milénio. Pelo que inspira e por revelar em quem se inspira.

SETLIST

  • Over and Over and Over
    Lazaretto
    Hotel Yorba
    Corporation
    Black Math
    I Cut Like a Buffalo
    Love Interruption
    We’re Going to Be Friends
    I’m Slowly Turning Into You
    Steady, as She Goes
    Connected by Love
    You Don’t Know What Love Is (You Just Do As You’re Told)
    Icky Thump
    Freedom at 21
    Screwdriver
    Broken Boy Soldier
    Seven Nation Army