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Optimus Alive’12: Dia 02

2012-07-14, Passeio Marítimo de Algés
Redacção
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O espaço debaixo da cobertura que abriga o palco Heinenken, no início da tarde do segundo dia do Optimus Alive, convida a descansar o corpo, quiçá ainda ressacado do balanço do dia anterior (e este proporcionou várias oportunidades de ouro para balançar). Numa altura em que recintos deste tamanho mal se começaram ainda a compor será talvez sempre um desafio para as primeiras bandas do dia darem o corpo a este manifesto. E a este espaço. Os senhores que se seguem parecem não fazer um Big Deal do semi vazio. Uma dupla saída do Reino Unido (ela) e dos Estados Unidos (ele). (M)unidos em palco de duas guitarras fazem o espaço parecer menor do que realmente é. As melodias, que tocam em contraponto um ao outro, e a harmonização das vozes fazem parecer que estão mais do que duas pessoas em palco. Ela que tem qualquer coisa de Debbie Harry no rosto e na voz. Ele por uma fracção de segundo parece um Henrique Iglesias indie e shoegazing. E domina na perfeição a arte de semi comunicar com o público, uma espécie de falsa timidez, também conhecida por falar para dentro (vem numa tradição da qual o senhor que encerrará o palco principal hoje é o expoente máximo.) A música fala por si no entanto. As canções são bem construídas, cheias, tomando partido da harmonia muito bem conseguida das duas vozes, muitas vezes no formato chamada e resposta. Um par profissional que passa uma imagem romântica? Um par romântico que pensou ser interessante abordar a coisa de forma profissional. Quem saberá dizer?! Uma grande parte de toda a música que derivou do folk (e é inevitável falar de folk hoje) fala simplesmente de boy meets girl. Num caso como este, o manifesto é apenas tomado de forma um pouco mais literal. Passaram por aqui como uma brisa numa tarde de verão!

A tranquilidade que hoje perpassa o festival é um tipo de calm after the storm. O vento corre forte e veloz, e os We Trust, após um ano de estrada ganharam a tranquilidade sobre a tempestade que despoletaram com o single “Time (Better Not Stop)”. Como o tempo só para no final, até lá chegarem mostraram “Reasons”, “Within Your Stride”, “Freedom Bound”, “Again”, “Once at a Time”, “Tell Me Something”, “This Time the Truth” e “Swoon”. Não sei se os “novos países” que Tentugal refere serão as fronteiras de cada pessoa, cada momento na vida de alguém, mas o concerto vai sendo banda sonora para as várias múltiplas curtas-metragens que decorrem no Passeio Marítimo de Algés – os que olham o palco, os que seguem sentados no carro à procura de lugar, os que se encontram e os que se desencontram ou os que se espraiam nas esplanadas fora do recinto.

Noah and the Whale e Mumford & Sons. Vale sequer a pena traçar uma linha de demarcação entre estes dois concertos? Nem em género (inscrevem-se ambos na toada neo retro folk de meados da década passada), nem em proximidade geografia (ambos originários de Londres) nem sequer em termos de imagética cultural (a começar pelo facto de ambos apresentarem-se com nomes de pub inglês, e um certo piscar de olho literário, muito British middle class). Ambas as bandas parecem ser compostas de gente nova e bem comportada, com gosto pela acústica dos instrumentos, quiçá com gosto pela madeira que os compõe e pelo campo de onde esta é extraída. O retorno às raízes? A nova ruralidade da classe média urbana expressa em formato musical? Tudo isto e mais!

Noah and the Wale tem qualquer coisa mais de Pogues no seu som, uma certa toada festiva, embora dificilmente se confundiria a cara limpinha e Amishiana do vocalista Charlie Fink com Shane Mcgowan. Afinal este parece ter os dentes todos no lugar. Não há aqui propriamente uma renovação ou re-imaginação dos cânones do movimento (longe vai o tempo em que Bob Dylan provocava choque e pavor ao ligar a guitarra a um amplificador), mas são simpáticos e competentes. O público gosta, responde e dança. Há aqui muita dança. Mais uma vez assiste-se hoje no recinto a um grande contingente abifalhado, o que talvez contribua para despertar um pouco mais ainda uma certa veia celta sempre presente nos portugueses. Hoje, ao contrário de sexta não há nuvens no céu, e o sol de fim de tarde permeia o passeio marítimo. Perfeito para músicas que falam esta linguagem em particular.

 

Mumford tem assim a vantagem de encontrar uma multidão já aquecida pelos seus congéneres e bastante responsiva. Músicas como “Lovers Eyes”, “Awake My Soul” ou “The Cave” são cantadas, puladas e celebradas com fervor entusiástico. Não sei se ganharam a multidão ou se foi esta que os ganhou a eles. A resposta do público gera à vontade e garra na banda que devolve o cumprimento. Há aqui um loop entre os dois lados da actuação que funciona na perfeição. Há dias em que as coisas simplesmente encaixam. Os músicos em palco parecem genuinamente surpreendidos. Acho que não estavam à espera desta recepção. Se Mumford escreveu um dia “Little Lion Man” para purgar os seus pecados, e procurar a redenção, talvez a tenha encontrado aqui e isso viu-se no seu rosto! Voltem sempre. A festa é por estas bandas! Além do mais, poder ver uma Leslie em palco é algo que não sucede todos os dias e ouvir uma ao vivo praticamente vale o preço de um bilhete. Se não podemos ou conseguimos ver um concerto com a rapariga que queríamos, ao menos alegramo-nos com material vintage, acho que é aquele tipo de compensação emocional masculina!

A acalmia que percorre o Alive é violentada pelo concerto surpreendente dos Awolnation – os californianos sempre foram menos dados à subtileza que os súbditos de Sua Majestade – com um volume tremendo de som (o palco Heineken esteve sempre nesse registo neste dia). Aaron Bruno pede crowsurf e para ver um moshpit português, talvez não tenha noção de que o corpo cristalizado de produção da banda demonstre uma bizarra combinação entre a devoção a Nirvana, o thrash americano contemporâneo com os ganchos melódicos de coisas teenager como 30 Seconds to Mars ou mesmo Backstreet Boys! Uma banda que, sonoramente, retrata uma geração que quer tudo, mas não sabe mesmo o que quer! Enquanto vão convencendo com uma prestação de energia pura e principalmente por um frontman como Aaron que além de presença teve uma enorme prestação vocal, agressiva, melódica, versátil, chegam a aumentar a sensação de estranheza quando num tema como “Sometimes You Get Drunk” roçam zonas próximas do post rock tocado, pasme-se!, pelo doom. A meio desta confusão e fusão de correntes, que o próprio vocalista assume em conversa com o público, tiveram a plateia nas mãos.

Os Morcheeba têm pela frente uma tarefa que é sempre algo ingrata. São a banda de substituição no lugar de Florence and the Machine. Tocando para um público que, sabem eles, a priori pagou para ver outros no seu lugar. A dificultar o esforço, está o facto de Florence ser uma das bandas mediáticas do momento, surfando a crista da onda da cena musical pop indie contemporânea, enquanto os Morcheeba há muito que perderam um lugar de relevância mais imediato. Vivem da força de álbuns poderosos criados há mais de dez anos. Tem hoje uma montanha pela frente. Como descalçar esta bota?

Fazendo o que fazem melhor! O seu som. As suas músicas. Que já passaram todo o tipo de teste. E tem ainda (de novo e esperemos agora e para sempre) um trunfo poderoso que qualquer banda desejaria possuir para ganhar a vaza: Skye Edwards. A regressada vocalista tem tudo o que se possa pedir em cima de um palco: a voz (que continua doce, ligeiramente rouca, encorpada e luminosa) o movimento, a dança, o ritmo, dois olhos gigantescos que nos olham e olham para o mundo, e um carisma gigantesco. Quem está ali em cima é exactamente aquilo que parece. E a genuinidade sente-se. Numa dada altura do concerto pede desculpas por Florence não poder estar presente e que lamenta não saber tocar nenhuma das suas músicas. Lança-se então numa pequena improvisação de “You’ve got the Love. Uma cover de uma cover. Uma pequena homenagem. Um momento de gozo. E um brinde para os fãs que desejariam ver a sua banda neste palco. Não é qualquer um que faz isto. E sem qualquer tipo de sensação de se estar a fazer um frete. É preciso humildade. E auto confiança! Ter-se-á até saído melhor, com menos tiques vocais. Os Morcheeba têm a rodagem completa das suas próprias canções e aqui elas saem escorreitas e cristalinas. “Rome Wasn´t Build in a Day”, “The Sea”, “Part of the Process”! Não há aqui novidades, mas já tínhamos saudade de os ver com Skye. She´s the trigger hippie. Bang bang!

Como Tricky foi desapontante. “Sweet Dreams” em versão instrumental? Ok, aceita-se, serviu para o técnico de frente limar o bom som do concerto e para o de palco ajustar a monição aos músicos. É um bom e velho truque. Mas depois o assassinato de que “Ace of Spades” foi alvo é um truque com muito pouca graça – quando se passa a vida em concertos de rock ouvem-se muitas versões do clássico dos Motörhead, esta foi possivelmente a pior e foi aumentada em 2 vezes e meia. A banda esteve desgarrada, nem o poder da zona rítmica segurou o concerto, desconcentração, pregos e um frontman que deixou a banda sozinha – foi sempre esse o seu timbre, mas conhecendo a poder dos discos, o concerto foi apenas desapontante.

The Cure. É absolutamente irrelevante qualquer tipo de discurso sobre relevância, o culto, a devoção, a presença que se aninhou e aninha na alma de muita gente deste pais, o facto do último bom álbum ter mais de vinte anos, as mudanças de formação, etecetera! Tudo já foi escrito, dito e redito vezes sem conta. Robert Smith, Simmon Gallup e Roger O´Donnel estão de volta. Três rapazes imaginários. A peregrinação é encetada. O ritual tem lugar. Às vezes é tão simples como isto. Uma banda aparece, ganha fama, ganha reputação, atinge o pico do sucesso, é a banda do momento, declina, desintegra-se arrasta-se, definha, separa-se, junta-se, faz comebacks, reunion tours, nos velhos tempos é que era. E, às vezes, muito raramente, uma banda torna-se simplesmente aquilo que já é. Já não há nada a provar, ninguém a agradar, somente existem as coisas exactamente como elas são.

 

Vamos imaginar uma potencial espectadora deste concerto. Qualquer semelhança com a coincidência é pura realidade. Chamemos-lhe F. Tem 22 anos, nunca os viu ao vivo. Nasceu quando eles davam o seu primeiro concerto em Alvalade. Está aqui hoje para se juntar às duas gerações anteriores de fiéis. Na devoção. É uma iniciada. Espera não se sentir desiludida. Espera não se sentir defraudada. Não irá ter razões para tal. Os Cure deram no Alive um dos seus melhores concertos. E para quem, muitas das vezes, mais do mesmo já é bom o suficiente, isto terá sido a surpresa. Talvez um presente desembrulhado para uma nação de fãs que sempre souberam guardar devoção, e que passa agora por um dos seus momentos mais árduos (uma das guitarras de assinatura, a imponente Schecter Ultracure, tem escrito qualquer coisa como citizens not slaves – Robert Smith, o revolucionário). Três horas de concerto e no fim pedia-se mais. Profissionalismo a toda a prova de quem aguenta tanto tempo em cima de um palco. Reeves Gabrels mostrou-se um guitarrista enorme e trouxe bons solos de guitarra e encadeamentos melódicos aos dedilhados carregados de delays de Smith.

Robert Smith é talvez o frontman mais improvável da história da música. A pose de timidez mal disfarçada, de gestos bizarros transformados em imagens de marca. O quanto ali veio de uma real dificuldade em lidar com qualquer tipo de holofote e quanto é pensado para ser um veiculo de expressão emocional, um ícone vivo? Sempre foi difícil de dizer. De qualquer forma ele já faz de ele próprio há muitos anos, ninguém o faz melhor do que ele, e hoje fá-lo melhor que nunca. No final, e no mais comunicativo que este homem alguma vez esteve em palco, resume desta forma o menu Cure: temos músicas lentas (longas, arrastadas, introspectivas, muitas vezes doridas) e temos músicas rápidas (poppy, festivas, ritmadas). O que preferem de seguida? E sim, é entre estes dois polos que os Cure sempre alternaram.

Músicas lentas esperadas, como “Pictures of You”, “One Hundred Years”, “Lullaby”. Músicas rápidas esperadas, como “Friday I’m in Love”, “Just Like Heaven”, “In Between Days”. Pelo meio algumas surpresas como “Push” ou “The Walk”. A sequência que embala para o final é do mais crowd pleaser que pode haver: “LoveCats”, “Catterpillar”, “Close to Me”, “Boys don’t Cry”. Mas são as duas finais que deixam o povo em delírio: “10:15 Saturday Night” e “Killing an Arab”. No fim voltamos ao início. Raramente aparecem ao vivo (Robert Smith admite que não tem a certeza se ainda sabem tocá-las), e serão o motivo pelo qual muita gente se arrependerá de não se ter deslocado até Algés. O ritual foi mais uma vez cumprido e ninguém parece se sentir defraudado. Os de longa data e os de agora. F. é de agora. E irá voltar. No final há poeira e copos de plástico a serem levantados em espirais pelo vento. Parece apropriado. Parece o tipo de imagem que ilustraria um qualquer teledisco dos The Cure e as suas músicas de fé e devoção!

Em final de festa os Blasted Mechanism foram aquilo que há muito habituaram o público – ainda que continuem a melhorar a sua sonoridade em estúdio a cada álbum, é ao vivo que a banda se plenifica. Mais um grande concerto dos Blasted. A meio dos storytellers do folk que preencheram o cartaz desde dia, foram o elemento sci-fi!

Por Nero e Carlos Garcia