Quantcast

Optimus Alive’12 – Dia 03

Nero

Ao terceiro dia a sensação de que o Alive é agora uma espécie de sucursal de Reading ou Glastonbury torna-se ainda mais presente! Existirá um terminal da Easy Jet algures no recinto a transportar tanta bifana para o nosso grelhador luso? E haverá mostarda para isto tudo? Peguntas, perguntas! E a pergunta que se poderá fazer ao contemplar o semblante de Miles Kane no palco Heineken é: quem deixou o irmão mais novo dos manos Gallagher à solta e porque que é os Oasis não foram  (infelizmente) abençoados com este tipo de talento? O co-vocalista dos THE LAST SHADOW PUPPETS apresentou-se hoje aqui a solo mas bem acompanhado pelo resto da banda.

Kane tem tudo o que se possa pedir de um musico que será talvez o mais recente representante de uma corrente que percorre a música britânica desde pelo menos os anos cinquenta: o visual mod, a vocalização muito particular da linhagem Lennon, a guitarra psicadélica a rasgar, e as canções que por cima de qualquer efeito garage ou pós punk que lhe possam querer pôr em cima, são acima de tudo pop muito orelhudo. Em palco revela ser um bom mestre de cerimónias. Tem o tipo de carisma que não pode ser manufacturado, ou sai ou não sai, e entrega-se com garra ao microfone, com uma língua que ameaça permanentemente saltar da boca.

Excelentes canções que entroncam na grande árvore dos Beatles, mas que por uma vez não parecem uma qualquer copia mal enjorcada da época, mas sim algo que estes poderiam fazer se tivessem nascido enquanto banda quatro décadas mais tarde! O filho perdido de John Lennon e Paul Weller? Talvez! Pelos menos um dos melhores singer/songwritters da na cena musical Inglesa contemporânea! Creio que grandes coisas ainda virão destes lados. Por hoje o povo deixa o palco ainda a entoar a última toada de Come Closer, sempre um bom sinal de que o espírito do artista foi entranhado! Whoa Ahhah. Whoa Ahhah!

Se Miles Kane provém de uma certo ramo evolutivo da música britânica, os MACCABEES provêem do outro. Aquele que usa camisas cinzentas e cortes de cabelo certinhos. As suas músicas, que em álbum tem quase sempre um travo mais melancólico ou por vezes sombrio, mesmo quando são up tempo, ganham ao vivo no entanto um pouco mais de cor, ao que o facto de terem tocado ao pôr do sol só poderá ter facilitado. Se se focar só sobre os instrumentos, este quinteto produz talvez a quintessência de um certo som Indie que as ilhas sempre souberam muito bem produzir. E a voz do vocalista Orlando Weeks que lhes dá um travo de incerteza e fragilidade. Não é a mais colocada das vozes mas resulta muito bem aqui. No final toca-se os parabéns a você ao  baixista Rupert Jarvis! Bom alinhamento dos três álbuns com uma performance que encheu as medidas para a chegada da noite!

 

PAUS. Paus. Paus. Grande. Muito grande. Um dos melhores projectos da música portuguesa contemporânea. Um laboratório de ritmo e acupuntura que não entra em nenhuma vertente classificável. Poder-se-á falar em pós rock e Battle e Tortoise, mas parece-me unicamente o desejo de encontrar a gaveta e botar verbo de encher. E as verbalizações nesta música são palavras e frases desconexas (ou não linearmente conectadas), tão parte da imprevisibilidade do som como os restantes instrumentos. Apresentaram-se no palco principal com uma música épica de incerteza. Épica porque é grandiosa, enche tão bem um grande espaço como este, na verdade parece ter sido composta para um grande espaço como este. Incerteza porque estas canções nunca vão bem para onde esperamos que se encaminhem. Incerteza como princípio activo do caos e isso é coisa boa. A toada  é marcial mas não propriamente militarizada. Antes ecoa bombos e fanfarras esquecidas de outros tempos e de outros lugares do nosso imaginário. São bons em estúdio. Ao vivo são ainda melhores.

 

Há um certo nível de branding em festivais de música contemporâneos (com muito concursinho e promoção e faça uma figura ridícula para nossa câmara e ganhe um exclusivo para qualquer bugiganga, e modelos simpáticas com sorriso de plástico e um nível geral de muito full of shitismo) que faz ter vontade de, no melhor espírito punk, enfiar uma guitarra pela garganta dos senhores promotores marketers que organizam estas coisas. Música como esta faz o efeito de deitar abaixo todo esse verniz corporativo, falso e imbecilizante. Faz isso e muito mais. Vem talvez de um sítio de genuinidade que sabe que recuperar raízes e alma é a única tábua de salvação para o actual estado das coisas. Uma banda assim é imprescindível que toque muitas, muitas vezes em festivais de grande visibilidade. Conseguiram ainda protagonizar o único momento de crowd surfing do festival. É obra. Este é o verdadeiro Portugal profundo!

 

RADIOHEAD. Os cabeças de cartaz. O grande nome do festival. A actuação por que todos (ou quase todos esperavam). Cumpriram? Desiludiram? Difícil de dizer. É provável que a prestação no Alive vá dividir opiniões! Creio que o sentimento é ambíguo. Passou muito tempo. O próprio Thom Yorke o disse que talvez tenha sido tempo demais, para nos voltarem a prestar uma visita. A última vez foi em 2002!  E numa banda que nesta altura já possui um considerável número de álbuns e um repertório vasto de canções (que disparam em todo o tipo de direcções) talvez a grande falha tenha sido a brevidade.

Esperava-se um explorar extenso de todo o repertório, e tocando no último dia, como última banda do palco principal, tendo principiado a actuação relativamente cedo, o desejo por um ritual longo e épico que percorresse os vários momentos da banda era muito. E nesse aspecto saiu frustrado. Por culpa dos próprios? Ou trata-se de um daqueles casos em que não se consegue encaixar o filme tal como ele é naquilo que tínhamos previsto? Expectativas diferentes? Talvez. Mas, e sem querer comparar o modus operandi de uma banda com outra, quando no dia anterior se assistiu a um concerto em que uma grupo percorreu toda uma vida de canções, tocando até singles que foram escritos ainda na adolescência, isto ficou aquém. “King of Limbs!” foi tocado praticamente na íntegra (apenas “Little By Little” e “Codex” ficaram de fora).

É uma opção. E não agradará a toda a gente. A opinião é pessoal e subjectiva como uma opinião é sempre, mas creio que a postura de banda que toca o que lhes apetece, como lhes apetece e o público que se mostre grato pela genialidade que tem pela frente já me soou mais a vanguarda. Hoje soa-me só a pedantismo. Há quem tenha pago um bom e suado dinheiro, muito suado, para estar aqui! Pedia-se mais. Não que o que tenha sido apresentado não seja muito bom: “Exit Music (For a Film)” continua a ser das confissões mais dolorosas alguma vez entoadas; “Paranoid Android” e as suas bizarras mudanças de tempo resultam na perfeição com uma multidão a fazer o coro; “Pyramid Song”  é quase demasiado frágil para aguentar todo este espaço; “Idioteque” é o que todos iremos dançar no Apocalipse, e  pudemos fazer aqui um mini ensaio;  “There, there” é uma falsa música de embalar para nos tirar o tapete dos pés; “Everything In It’s Right Place” foi precedida por uma intro a ecoar “The One I Love” dos REM. Tudo isto lá esteve. Muito mais faltou. Isto foi um bom concerto. Ponto. Mas não foi o concerto de uma vida. Era legítimo esperar tal? Talvez. Terminaram com “Street Spirit. Fade Out”! Em grande mesmo estiveram os manos Greenwood, quer Colin no baixo, quer Jonny na guitarra. Sonzaço e grandes execuções.

THE KILLS atacam o palco Heineken às duas da manhã. O duo negro e vermelho da música contemporânea talvez esperasse encontrar uma plateia já desgastada de três dias de festival, ainda por cima a esta hora tardia, mas o povo está fresco, e quer a dose certa de rock sujo, suado e sexual. Que por coincidência é o que a banda tem para oferecer. O pano de fundo remete para o papel de parede de um qualquer bordel decadente. Há tambores marciais, escondidos na penumbra, a marcar o compasso.

Jamie Hince parece acreditar no velho mote de Woodie Guthrie: esta guitarra é uma arma, por vezes apontada ao público de forma literal! Arranca notas com violência e intensidade. Percorre o espaço cénico. Ocasionalmente tira fotografias. 

Alison Mosshart nasceu para usar calças de cabedal justas, estar em cima de um palco e cantar canções para nos manter no lado mau.  É assim o privilégio de todos nós que seja justamente isso que ela faca na vida. Uma das grandes damas do rock a comandar uma máquina dura de esmagar corpos e corações. E no entanto é curioso que toda esta pura energia agressiva e sexual se transmute ao longo do concerto em algo mais emotivo, quase terno. Alison manda parar “The last Goodbye” porque alguém se sentiu mal na frente. Parece genuinamente preocupada. Depois da pessoa ser atendida dedica-lhe a música. O público aprecia. Muito. E aplaude. No final, com “Monkey 23”, grande ovação. Está comovida. Agradece. Abraça o parceiro. Momento mais emotivo do festival? “You guys are so fucking amazing!” Rock n’ roll negro e vermelho como sempre deveria ser!

Estivemos à conversa com o Jamie, estará na AS em breve!