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PAUS: A máquina bélica instala-se no São Jorge

2016-02-12, Cinema São Jorge
Tiago da Bernarda
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A banda apresentou pela primeira vez o novo álbum “Mitra” no Cinema São Jorge, em Lisboa.

Quinze minutos na fila e não é que a pessoa que estava a servir ao balcão do andar de cima esquece-se de tirar o café pedido. Um mísero café! Gostaria apenas de frisar o sucedido não para chingar o serviço de restauração do cinema São Jorge, mas para criar uma alusão ao caos que por lá caminhava. E por razões óbvias: os PAUS, que se barricaram durante os últimos meses no seu estúdio ainda a cheirar a novo, preparavam-se para estrear em palco material do seu mais recente álbum, “Mitra”, na passada sexta-feira. E, como sugerido inicialmente, aquilo encheu.

Ao entrar na sala Manoel de Oliveira, a grande, via-se, por entre os resíduos provenientes da máquina de fumo, uma instalação alta com a infame bateria mutante em destaque. Por comparação, Lula, também conhecido pelo projecto Cachupa Psicadélica, mostrava-se muito pequenino.

E no meio daquilo tentava não emocionar-se.

Sozinho em palco, o bardo cabo-verdiano de voz rasgada deu início ao concerto ainda as pessoas procuravam o lugar assinalado no bilhete. Pobres os que perderam a sua cover de “Love Buzz”, dos Nirvana (que por sua vez é uma cover dos Shocking Blue). A partir daí, entregou-se ao público dentro do seu habitual e afável registo enraizado na cultura cabo-verdiana. Conta-nos histórias de família e sobre o desgraçado que bebia demais. E no meio daquilo tentava não emocionar-se. Sorria cordialmente e passava à próxima. Um pequeno belo espectáculo enaltecido por uma fantástica produção de luzes. Parabéns è equipa de produção de espectáculo que soube perfeitamente jogar as luzes certas nos diversos momentos em que Lula cantava, deixava de cantar e conversava com o público. Parte dos aplausos que acompanharam a sua saída de palco dirigem-se também para a produção que soube acentuar o psicadelismo da cachupa.

O importante ali era manter a máquina sempre em andamento.

Já quando os PAUS entraram, nem cinco minutos depois, percebemos que a produção é, de facto, um trunfo bem jogado desde o início. Enjaulados em LED’s vindos de todas as direcções, aquele grupo de quatro ligou rapidamente o motor com o novo single “Pela Boca” seguido de “Era Matá-lo”, um ponto de partida perfeito que soube estabelecer o ritmo acelerado que se estendeu pelo resto do set. O importante ali era manter a máquina sempre em andamento. Mas engana-se quem acha que PAUS é apenas um peso bruto post-rock. Há ideologia ali. As influências afrobeat fazem-se notar e com intenção. Com percussões sufocantes e vocais pujantes, PAUS revela-se, em palco especialmente, como música de intervenção. Música que incita, que intimida. E as novas músicas ajudam a fomentar essa mensagem bélica.

E funcionam!

As novas faixas integradas em “Mitra” ajudam a desfazer a percepção que a banda já se rendia a uma fórmula pré-definida. São mais carnudas, mais líricas, mais imprevisíveis. Sem dúvida, bons pontos culminantes para os diversos build-ups. E funcionam! Não me lembro de alguma vez ter visto o cinema São Jorge tão cheio de pessoas que acompanhavam a música com abanões de cabeça em sintonia, como se algo de gospel pairasse no ar.

O encore terminou com “Deixa-me ser”, a música que culmina com o verso “No São Jorge toda a gente se levanta”. Suficiente para pôr toda a gente a dançar. E, finalmente, “Mo People”, possível futuro single, esperemos nós, que deixou, literalmente, pessoas boquiabertas. Saíram do palco. O resto saiu um minuto depois. Suspeito que ainda estavam a digerir aquilo tudo.

Fotos: Nuno Cruz