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Perry Leopold

Christian Lucifer

N/A, 1973-06-30

EM LOOP
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Nero

“Christian Lucifer”, de Perry Leopold, é um disco que esteve perdido durante duas décadas e se revela como uma cápsula do melhor que a década de 60 e 70 tem para oferecer no que diz respeito ao acid folk, psych e prog rock.

Este (diga-se, infelizmente) pouco conhecido compositor oriundo de Philadelphia gravou apenas dois álbuns. “Christian Lucifer” é o segundo e, possivelmente, o melhor. Curiosamente, em 1973, numa altura em que a experimentação no rock dava cartas, o sentido conceptual lírico e a produção desenvolvida deste disco e do anterior, “Experiment In Metaphysics”, não vingou e afastou Perry Leopold das grandes massas de audiência.

Aliás, é quase miraculoso que este álbum tenha chegado intacto aos nossos dias. Devido ao fracasso comercial do primeiro LP, já depois deste ter sido gravado, o estúdio (Veritable Recording Studios, Lansdowne, PA) onde fora registado foi vendido e com ele as fitas de gravação. Então, os direitos deste disco foram passando por vários companhias discográficas, o que fez com que as master sessions fossem perdidas, tendo-se usado a fita original para regravar qualquer outro(s) trabalho(s). Felizmente, os vários temas foram sobrevivendo em reel-to-reel e essas bobinas permitiram que, em 1999, a pequena editora Gearf Fab reeditasse este trabalho, com uma recuperação de qualidade perfeita. A tecnologia aliou-se ao misticismo.

Ao mesmo tempo, são esses factores (insucesso e esquecimento) que, de certa forma, trouxeram esta fusão de elementos folk nativos das Américas e da música barroca europeia intacta até aos dias de hoje. Os seus dualismos líricos fizeram com que o músico começasse a ser designado por Christian Lucifer nos cartazes das suas actuações e isso terá acabado por influenciar o título deste álbum.

“Christian Lucifer” representa um duelo entre as pontas da alma humana com letras marcantes, poderosas e evocativas espiritualmente, com um toque apócrifo de proximidade aos hinos dessa subcultura cristã. E os níveis de composição são pioneiros, suportados por uma produção de valores irrepreensíveis, na coordenação de vários elementos distintos e dos arranjos desses mesmos elementos durante as estruturas das músicas. Cheio de composições nas quais as progressões melódicas são tão reconfortantes como surpreendentes.

Era como se um canta-autor, além da simplicidade folk da guitarra acústica, usasse a profundidade sonora do psicadelismo do rock progressivo; como se Bob Dylan tivesse gravado um álbum com os Pink Floyd. Ou a fragilidade de Nick Drake com a cosmicidade de David Bowie (que até é citado no tema “Serpentine Lane”). De modo mais sucinto, podemos dizer que se aproxima a uma versão americana de Jethro Tull. Afinal, a voz e o estilo de entoação aproxima-se ao que conhecemos de Ian Anderson.

Não é um álbum conceptual per se, as músicas não se interligam, mas há uma atmosfera densa que percorre cada um dos temas que provoca o ouvinte e o leitor, que intriga a consciência e enriquece a experiência de audição. Isso já foi algo pertinente na música, ao invés daquele que é o objectivo primordial de todos os campos de actividade humanos: o imediatismo, esse filho bastardo do materialismo que é revelado como loucura neste precioso álbum. Se decidirem ouvir este “Christian Lucifer”, serão arrebatados pela sua simplicidade, pela beleza bucólica que tem e por uma sensação de pacificação das sinergias dualistas que nos percorrem.

Obter um desses raros LPs, de 199, da Gearf Fab, pode ser uma empreitada bem dispendiosa. Houve, pelo menos, mais duas reedições diferentes em vinil que também estão esgotadas. Mas porque, lá no fundo, a Internet é uma das maiores invenções de sempre da humanidade, podem ouvir o álbum digitalmente em plataformas como a do player aqui em baixo, propriedade da Merlins Nose. No cabeçalho do artigo estão destacadas três canções, apenas para não colocar, redundantemente, as sete que compõem o alinhamento deste extraordinário disco. Ouçam-nas todas!