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Marés Vivas: 2º Dia

2012-07-19, Vila Nova de Gaia
Nero

Num dia em que o recinto ainda acolheu mais pessoas que na 4ª feira a AS chegou no momento em que os THE ELEANORS terminaram, não foi possível avaliar todo o potencial duma banda que foi escolhida a dedo por Ken Nelson, mas durante o óptimo concerto que deu Slimmy elogiou a actuação da banda que o antecedeu “há ali gente de muito talento” e quando um artista dá um concerto como Slimmy fez há que confiar na sua credibilidade. Portanto, certamente os Eleanors deram um bom concerto. Em SLIMMY, com novo álbum prestes a sair (o mês previsto é Setembro), houve hipótese de ouvir músicas novas, que fazem pensar em Duran Duran com muito mais músculo! Com um som muito bom no palco secundário, a organização do Marés Vivas mostrou que secundarismo é apenas uma questão de tamanho físico das estruturas dos palcos e Slimmy mostrou que uma música pode transcender estruturas e soar do tamanho do coração de um músico. Foi um grande concerto. Ressalva para o “estalo” de som de baixo: RICKENBACKER vs. ASHDOWN e muitos dedos!

Os GUN têm novo álbum também, e a banda está em forma, mas a verdade é que a sua criatividade já teve “Better Days”, um dos clássicos que se pôde ouvir e que fazem surgir um cheiro a nostalgia com a mesma força com que cheiramos o Douro ali na sua margem. Entre os temas do novo álbum de bastante alheamento do público e como ainda provocam reacções com clássicos como “Steal Your Fire” ou a cover dos Cameo, “Word Up”, o público aqueceu enquanto provocava a maior concentração da noite junto ao palco principal para ver os The Cult. Para todos os efeitos, “Gallus” e “Swagger” serão sempre dois discos imensos no rock dos anos 90.

Começa a ouvir-se um tambor ritual japonês e os coros assombrosos de “Making Of Cyborg”, da banda sonora composta por Kenji Kawai para o espetacular anime “Ghost in the Shell”, e nos ecrãs surge a imagem do índio com look pós-apocalíptico que serve de capa a “Choice of Weapon”, o mais recente álbum dos THE CULT. Então a banda surge em palco com os acordes de “Lil’ Devil” – através dos ajustes de som IAN ASTBURY parece desconcentrado e falha um pouco, na mistura a voz permanece um pouco em cima do instrumental e também a guitarra solo vai sendo puxada para cima (a técnica parece ser tratar primeiro do som das estrelas). “Honey from a Knife” é o primeiro tema do último álbum a soar nas margens do Douro e depois em contraste cronológico surge “Rain” (uma personal favorite da owner da AS, em jeito de trivia – a Arte Sonora tem patrões com bom gosto, pois claro). A forma como a guitarra de BILLY DUFFY soa naquele riff melódico final faz-nos lembrar que o guitarrista tem de facto um timbre único, que fez questão de explicar em entrevista à Arte Sonora (já nas bancas).

“Lucifer” evoca novamente o mais recente trabalho e parece soar melhor ao vivo, com um toque muito mais hendrixiano nas guitarras. Repetindo-me Billy Duffy está com fogo nos dedos, uma das melhores prestações de guitarra ao vivo em Portugal este ano. Depois de “Rain” os Cult tornam a ir ao baú buscar “The Phoenix”, também do álbum “Love” de 1985! Aqui será a altura de JOHN TEMPESTA roubar o palco, com um solo de bateria daqueles – não pensem em thrash metal, mas em swing – no qual, por momentos, o baixista CHRIS WYSE também se intromete até tornarem a acolher a guitarra solo.

Se temas místicos e órficos ou primitivos como Rain, Fire, Lucifer, Phoenix, não fossem o suficiente para o perceber, Ian Astbury expõe ainda mais a sua obsessão com Jim Morrison e introduz “Fire Woman” da seguinte forma: “Out here in the perimeter there are no stars, out here we is stoned. Immaculate”. Intercalado sempre por clássicos, o novo álbum torna a surgir com “The Wolf” e a ser sucedido por “Wild Flower”. Numa cadência roqueira que poucas bandas na actualidade serão capazes de manter, surge o petardo de “Beyond Good and Evil”, a provocar uma ascensão de espírito num processo xamânico de redenção através de guitarras eléctricas, é assim que soa “Rise”. A forma como no interlúdio de solos do tema John Tempesta segura os tempos no hi hat, só poderia vir, e aqui podem pensar nisso, dum baterista de thrash metal – com a força quase de um bombo! Com “For the Animals” despedimo-nos de “Choice of Weapon” e depois com “She Sells Sanctuary” e “Love Removal Machine” despedimo-nos da banda.

Por algum motivo, em “She Sells Sanctuary” Ian Astbury quase tornou estranho o tema, com uma prestação displicente. Serão dos quase 30 anos a tocar o single? Para compensar e tendo tido uma prestação de Culto, Billy Duffy parte tudo no solo final de “Love Removal Machine”. De tirar o fôlego!

Os GARBAGE, banda bem conhecida do público português, entraram com um som forte e pesadão que se manteve durante todo o concerto. Uma setlist inteligente, recheada de singles que a maioria do público sabe cantarolar como “I Think I’m Paranoid”, “Queer”, “Stupid Girl”, “Cherry Lips” , “Special”, “Push it” ou a mais aplaudida “Only Happy When It Rains”. Vários momentos marcaram este concerto, o raspanete da vocalista SHIRLEY MANSON, bastante chateada com aqueles que estão nos concertos só para destabilizar e dirigiu um comentário directamente a alguém do público que supostamente estaria a atirar coisas para o palco, Shirley ameaçou mesmo chamar a segurança “I swear it, I’ll call the cops and they’ll fuck you, I’m on my fucking period” – recordamos que recentemente nos EUA a vocalista expulsou um espectador do concerto que teria agredido uma rapariga durante o mesmo.

Houve tempo também para despedidas, o técnico de luzes de Garbage está de partida, deixando os Garbage para seguir em tour com Sigur Rós. A pedido de um fã, a vocalista e a banda improvisaram tocando um excerto de “Sugar”, música que faz parte do mais recente álbum da banda “Not Your Kind of People”. Shirley Manson está em forma, com grande presença em palco e bastante comunicativa, e claro com um temperamento de prima donna. De qualquer forma os Garbage não deslumbraram (talvez com excepção de VITCH BUG – que estará em entrevista na próxima Arte Sonora), cumpriram e não desiludiram.

Ao segundo dia de concerto ponderava sobre ainda não se ter visto um lendário VOX AC30, numa altura em que este amp está de novo em voga, e eis que ANDREW WHITE surge com dois no seu backline, não foi possível discernir no concerto o pedal de fuzz que o guitarrista estaria a usar, mas músicas como a nova “On the Run”, “Good Days Bad Days” ou “Put Me on the Cover of Your Magazine” (dos seus tempos enquanto Parva) estavam com um sonzaço sujo e punk! O maior problema é que depois do corpo gigantesco que os Garbage tiveram e da exibição de Billy Duffy, agora tudo parecia mediano, como os KAISER CHIEFS cantam em “Everything is Average Nowadays”.

Talvez inspirado pelo guitarrista dos The Cult, Andrew White abriu também o livro no solo de “Na Na Na Na Naa”. E a partir daqui NICK BAINES começou a puxar pelos temas nos synths, com apontamentos de piano a carregar os tempos de bateria num estilo bem rythm n’ blues ou numa postura mais electrónica como em “Everyday I Love You Less and Less”, que soou ao vivo muito mais agressivo, com as guitarras a fazerem lembrar coisas de Josh Homme. A sério, nunca havia visto Andrew White tocar assim.

A banda estava a colocar toda a carne no assador e ouvir logo de seguida “I Predict a Riot” e “Little Shocks”, esta do recente “Future is Medieval”, foi explosivo. Antes do futuro ser medieval, os Kaiser Chiefs em 2005 cantavam sobre a “Modern Way” no álbum “Employment”, um engraçado paradoxo temporal, a provocar saudades dum tempo em que havia emprego! Aqui antes de iniciarem o tema, White decide evocar Hendrix com o riff de “Foxy Lady”. Há pouco que reste a um homem em tempos assim que pensar pela sua própria cabeça, “Listen to Your Head”, mesmo quando é atormentado pelo amor, pois muitas vezes a Ruby não sabe o que nos faz.

RICKY WILSON parece estar um pouco rouco e não tem uma actuação brilhante, mas numa altura em que duas ou três divas cancelaram actuações no nosso país por estarem para morrer com dores atrozes de garganta inflamada há que salutar os Kaiser Chiefs por se terem portado como rockers e surgirem em palco! Mas Wilson tem outras armas e em “The Angry Mob”, em vez da tradicional deslocação a um bar do público para saciar a sede decidiu subir a encosta que serve de muro ao recinto – os seguranças parecem só ter percebido que estavam junto ao vocalista de Kaiser Chiefs devido ao foco de luz. Talvez acusando um toque de delírio cantou “Take My Temperature”. No encore ainda se ouviria que “o amor não é uma competição, mas há quem esteja a ganhar” e “Oh My God”.

Estiveram melhores que no Rock In Rio ou o ano passado no Alive. São sempre bem-vindos.