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Sun Ra Arkestra, a cacofonia para além do logos

Sun Ra Arkestra, a cacofonia para além do logos

Timóteo Azevedo
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Noite em que o B.Leza se transformou em nave espacial cheia para receber o afro-futurismo da Arkestra. Marshall Allen, piloto e maestro experiente, com 90 anos de idade, sem nunca ceder a ela, a comandar uma trupe de músicos, que nos trouxeram o cósmico e o misticismo que esse astro de nome Sun Ra historiou.

Faria 100 anos em 2014 se não tivesse regressado já ao pó cósmico primordial. Sun Ra, ou no seu nome terreno, Herman Poole Blount, partia em 1993 para o outro lugar, mas a sua Arkestra ficava por cá. Mas não partia sem primeiro deixar um legado enorme no jazz e na música em geral. Marshall Allen, com os seus incríveis 90 anos, assume liderança do grupo desde 1995, continuando a manter viva essa instituição chamada Sun Ra Arkestra. A Jubilee Tour é digressão que celebra os 100 anos de Sun Ra e os 90 do actual maestro. O afro-futurismo da Arkestra passou no dia 2 de Junho por Lisboa, um dia depois de estar no Serralves em Festa.

Em palco 14 músicos. Tara Middleton, com uma voz doce e suave, ocasionalmente pegando no violino, encaixou com placidez o seu canto com a secção de sopros composta por saxofone, sax tenor, sax alto, trompete, trombone, trompa e até flauta transversal. Marshall Allen, para além da direcção, encarregou-se do saxofone e ocasionalmente de um EVI (Electronic Valve Instrument): estranho instrumento eléctrico que se toca por sopro, que permite variar de oitavas rapidamente, conseguindo-se um efeito alucinante e espacial com as variações repentinas das notas.

Ouvimos “To those of Earth and other worlds, listen while you have the chance, find your place among the stars” em “Astro-Black”, primeiro momento de viagem verdadeiramente sun-raneana, e percebemos a dimensão da música pensada por Sun Ra. Mais à frente “We travel the spaceways”. Há filosofia na música de Sun Ra, mas também uma cacofonia para além do logos. A progressão nos arranjos faz-nos pensar em coisas atómicas, espaciais, onde cada instrumento é um fragmento em fusão no núcleo da música. A percussão ancorada em ritmos tribais dão o afro ao futurismo, e o resultado chega a ser uma cadência dançável. Marshall Allen vai rasgando com um tom de saxofone estrebuchante, e faz-nos esquecer que estão ali 90 anos num só homem.

Há versões. Medley com “Stars Fell on Alabama”, original deMitchell ParrishFrank Perkins, na bonita voz de Tara. E também há improvisação. A banda vai respondendo às indicações de Allen, mas percebemos que a lição está muito bem decorada. Final de concerto com a secção de sopros e percussões em excursão pelo meio do público directamente para os camarins. A banda despediu-se e nem mesmo as insistente palmas e assobios evitaram que a nave descolasse para outro planeta. Viagem memorável.

Foto de Vera Marmelo.