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The Avalanches, samples triunfais

The Avalanches, samples triunfais

2017-07-08, NOS Alive, Passeio Marítimo de Algés
Carlos Garcia
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Existe um padrão clássico no Alive. É difícil de dizer se isto é uma impressão altamente subjectiva deste escriba, ou se existe uma mente mais ou menos maquiavélica na programação do Alive, que com apuro se dedica a criar esta recorrência: um dos melhores concertos ocorre, quase sempre, no Heineken, no último dia, às tantas da manhã.

Save the best for last, mas podiam nos poupar e entregar esta excelência um pouco mais cedo, quando as pernas ainda conseguem corresponder à excelência sonora que está a ser emitida do palco. É de recordar o grande concerto dos The Kills em 2012 ou o duplo coice que foi Django Django e Bloody BeetRoots em 2013 ou ainda Nicolas Jaar em 2014. A mente humana é condicionada pelas leis da evolução para detectar padrões e este é claro como água, ou pelo menos como a cerveja que já terá sido consumida a horas tardias. Ou isso, ou o programador tem um acesso telepático particular à psique deste repórter, e consegue encaixar ali naquela vaga o número perfeito para restaurar as energias exauridas.

Este ano a recorrência recorreu e veio sobre a forma dos míticos The Avalanche. E a palavras míticos aqui não é uma figura de estilo: os The Avalanches são os responsáveis por um dos álbuns seminais da viragem do milénio, o inenarrável “Since I Left You”. Um dos exemplos máximos de Plunderphonics, o género em que o corpo musical do disco consiste na sua quase totalidade de samples. “Since I left You” é suposto ter à volta de 3500 samples de artistas diferentes. Explodindo em popularidade e aplauso da crítica, os The Avalanches empreendem um exílio da produção discográfica que durou 16 anos. Ao melhor estilo Howard Hughes ou JD Salinger havia rumores, notícias falsas e ejaculações prematuras sobre a produção do segundo álbum. Pelo meio houve colaborações, faixas que apareceram aqui e ali, projectos inacabados. E eis senão quando já nada o faria esperar eles editam a aguardada sequela. Preparado ao longo de mais de uma década “Wildflower” é o retorno do grupo às rádios e aos palcos.

Uma banda electrónica de samplagem consegue ser uma grande banda ao vivo? A resposta é um: claro sim!

Uma banda electrónica de samplagem consegue ser uma grande banda ao vivo? A resposta é um: claro sim! O duo original músicos produtores Robbie Chater e Tony Di Blasi apresentam-se em palco acompanhados de Paris Jeffree nas percussões e Jonti Danilewitz nas guitarras. Nas vozes mas sobretudo no cargo de mestres de cerimónia, lançadores de foguetes e apanhadores de canas, Spank Rock e Eliza Wolfgramm. O rapper debita as rimas que acompanham a maior parte das músicas do último álbum, dando um sabor maior de hip hop na prestação ao vivo. Eliza acaba por ser a cara e o foco da banda nos concertos: tem o seu quê de Gloria Estefan o que faz dos Avalanches ao vivo os novos Miami Sound Machine. Ao fundo uma bandeira americana ondulante com estrelas psicadélicas vai dando lugar durante o concerto a uma sucessão de alguns dos fabulosos vídeos da banda, concebidos no mesmo espírito de samplagem. Toda a impressão final do conjunto é de um desconchavanço genial, uma colagem bizarra de partes diferentes que não deveria resultar, mas que acerta em cheio. Na mouche!

Depois da “Intro” a festa começa em pleno com o muito Jacksoniano “Because I’m Me”. “Frankie Sinatra” é uma bizarria musical no qual as rimas assentam num sample de uma melodia do artista calypso Wilmoth Houdini, com excertos de “My Favourite Things”. Mais uma vez: isto não deveria resultar, mas quando se está a dançar ao som disto a pergunta é: Como é que vivemos sem isto até hoje? Após uma cover de “Guns of Brixton” dos Clash, entramos em “Since I Left You” com “Flight Tonight” e “Radio”, ambos irresistíveis para soltar a dança na audiência. Com “Subway” temos direito à fabulosa animação de Mrzyk & Moriceau, um delírio psicadélico sobre o prazer inconfessado de andar de metro que só visto é que se acredita. “Bump” é Spank Rock a fazer uma cover... dele próprio, uma auto samplagem portanto.

“Frontier Psychiatrist” inclui samples de comédia, música Mariachi e Maurice Jarre. “If I Was a Folkstar” é pura música de verão, aquilo que deveria passar obrigatoriamente em todos os bares de praia na Costa da Caparica ao final da tarde. “The Noisy Eater” é acompanhado visualmente por uma criação de Soda_Jerk, onde este aparentemente sampla toda e qualquer cena de cinema e televisão que teve lugar num supermercado: a mente mal tem tempo para processar as centenas de referências que passam à nossa frente. Para qualquer geek que se preze é quase demasiado distractivo durante um concerto. A festa termina em pleno com hino feel good “Since I Left You”, com o maior aplauso da noite a ir para a baterista Paris Jeffree. O facto de esta se ter equilibrado em cima do seu kit poderá ter contribuído. São duas da manhã e se os Avalanches continuassem a tocar por mais uma hora ninguém reclamava. Pede-se retorno em casa própria, urgentemente. Na minha opinião, melhor concerto do NOS Alive em 2017!