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VOA – Heavy Rock Festival 2022 [DIA 01]: Uma Noite Memorável de Heavy Metal

VOA – Heavy Rock Festival 2022 [DIA 01]: Uma Noite Memorável de Heavy Metal

2022-06-30, Estádio Nacional, Jamor
Nero
Inês Barrau
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Cinco concertos de luxo e músicos de excelência mereciam muito mais público a aplaudir. A edição de 2022 do VOA – Heavy Rock Festival arrancou em grande, com o vigor do sangue novo, a classe da veterania e a prestação absolutamente demolidora dos Gojira.

O primeiro dia do VOA  – Heavy Rock Festival deixou muito claro que o público português entusiasta das sonoridades do espectro mais pesado do rock não perdoou a organização pelas mudanças radicais no cartaz, impostas pela balbúrdia pandémica, e pelo cancelamento de System Of A Down e Korn, principalmente. Assim, o Estádio Nacional do Jamor, no seu pico de afluência e desconfiando do sempre falível “olhómetro”, não terá ultrapassado os 8 mil headbangers no seu relvado. Para um evento cujos passes originais esgotaram em poucos dias, o cenário foi algo desapontante.

Quem não terá sentido qualquer desmotivação foram as cinco bandas que subiram a palco, nesta edição do festival. Bizarra Locomotiva, Kvelertak, Kreator, Megadeth e Gojira, acabaram por proporcionar uma sumptuosa gala de heavy metal aos que estiveram presentes. E nesse particular, sem entrar naquele inócuo debate do fervor do público português, aqueles que preencheram os cerca de 40 metros entre o palco e a régie valeram pelo triplo.

Convenhamos que arrancar alguns milhares de pessoas da letargia imposta pela violência do Astro Rei, não é tarefa fácil para ninguém. Excepto talvez para a propulsiva e demolidora cadenciação sónica dos Bizarra Locomotiva. A banda contou com uma considerável presença da sua “Escumalha”, o que permitiu alastrar o fervor receptivo aos clássicos disparados pela restante plateia. Soou poderoso o tema “Gatos Do Asfalto” e, como sempre, a densidade atmosférica do extraordinário “Álbum Negro” foi capaz de varrer qualquer resistência ao headbanging. A curta e poderosa setlist foi: Flauta do Leproso; Gatos do Asfalto; Mortuário; Ergástulo; Engodo; O Anjo Exilado; O Escaravelho.

O arranque fora promissor e, ainda sob um Sol arrasador, que motivou uma divertida tirada de Ivar Nikolaisen, frontman dos Kvelertak: «Lisboa, que linda cidade esta, vocês não precisam de férias», os noruegueses mantiveram o elevado nível. Os sleazy vikings tostavam no palco e ao suor provocado pelo calor juntaram-lhe o de mais um concerto de extraordinária ferocidade e autenticidade. Foi o seu terceiro concerto no nosso país e começa a tornar-se imperativo tê-los por cá numa data apenas sua. É que começa a saber a muito pouco estas curtas setlists, ainda que isso ajude a que as malhas soem em modo «cada tiro, cada melro». E um gear que é um mimo, começando pela Ludwig Classic Maple de Håvard Takle Ohr e terminando na Nik Huber Krautster II de Vidar Landa. Já Bjarte Lund Rolland (sempre sem recorrer a palhetas) usou um modelo custom da Nebelung Guitars. A setlist daquele que terá sido o seu melhor concerto em solo luso, e o preferido do dia para quem vos escreve (que é mais rocker que metaleiro), foi: Rogaland; Crack of Doom; Bruane Brenn; Fanden ta dette hull!; Blodtørst; Bråtebrann; Discord; Kvelertak.

OS SENHORES DO THRASH

Em 2010, os Kreator estiveram no SWR Barroselas Metalfest, naquela que foi a sua 6ª visita ao nosso país, um hábito que se iniciou em 1993 (na ocasião com os Shrine, lendas nacionais do submundo do peso a abrir). Dessa data no icónico festival de metal minhoto para cá, voltaram quatro vezes (contando já este concerto) e foram todas no VOA/Vagos Open Air, excepto em 2012, no Rock In Rio Lisboa. Pois bem, conseguem imaginar que uma banda como Kreator torne a ser integrada num cartaz do RIR Lisboa? Agora imaginem que os headbangers portugueses deixam “cair” este tipo de eventos. Adeus, Kreator! E isso, a avaliar pelo concerto de ontem, seria uma pena. Pois a banda está em excelente forma. De facto, o thrash pode ser originário dos Estados Unidos, mas a veia alemã sempre mostrou um vigor bastante particular. E talvez os Sodom sejam mais brutais, mas as composições cerebrais dos Kreator, pelo menos para este que vos escreve, sempre foram mais cativantes. Essa maior sofisticação, de resto, está bem presente no recente álbum “Hate Uber Alles” e o seu acutilante comentário sócio-político, onde a banda mistura a sua ferocidade vintage, digamos assim, e o groove do metal contemporâneo. Todavia, o mais recente disco apenas se ouviu através do tema-título – um malhaço – e de “Strongest Of The Strong”.

De resto, a setlist viajou pela maioria da discografia da banda de Mille Petrozza. O frontman foi brilhantemente harmonizado (nas guitarras) por Sami Yli-Sirnio ou nos duelos de solos, com o pico atingido na velocíssima “666 – World Divided”. O veterano baterista Jurgen “Ventor” Reil foi portentoso, quer nos momentos de brutalidade sem tréguas, como “Enemy Of God”, ou na velocidade demente dos clássicos “Flag of Hate” e “Pleasure To Kill”, que encerraram a actuação.

A última vez que a AS viu os Megadeth ao vivo foi em 2018. Na ocasião, devido à inenarrável confusão nos acessos ao recinto  (os que foram a esse festival mal-amanhado com o pomposo título The Legends of Rock, recordam-se), pudemos testemunhar o encore, que se resumiu a “Holy Wars”. Mas desde essa altura e até um pouco antes que se sente a banda em crescendo, afinal “Dystopia” foi um disco de muito digno registo e “The Sick, the Dying… and the Dead!” (apontado a 02 de Setembro) transporta enormes expectativas. Na nossa opinião, há um denominador comum: Kiko Loureiro. O shredder brasileiro revitalizou Dave Mustaine e, consequentemente a própria banda. Em 2014, vimos os Megadeth no final do ciclo “Endgame” – “Super Collider” e não há comparação possível. Claro, jamais será a mesma coisa sem Marty Friedman, mas Kiko trouxe o mesmo patamar de excelência técnica – e para isso bastou levar na carola com o petardo retorcido que foi “Tornado Of Souls” (nunca antes o testemunhámos ao vivo tocado com tanta exuberância) -, mas sem o choque de egos e, acima de tudo sem a subserviência dos hired guns Al Pitrelli e Glen Drover ou mesmo do já substancial Chris Broderick. Kiko é talvez o mais compatível braço direito de Mustaine e o seu entusiasmo tem aumentado a exigência do irascível frontman. Isso foi patente ao longo de uma setlist à qual pouco pode ser apontado. A título pessoal, trocaria sempre “A Tout Le Monde” por “Train Of Consequences” na visita a “Youthanasia”. E, já que “Sweating Bullets” faz parte do alinhamento, talvez “Dread And Fugitive Mind” pudesse ter sido trocada por esse malhão que é o novo single “We’ll Be Back: Chapter I”.

O palco, com a Marshall Wall intercalada por leds, exerceu um magnetismo fascinante, com as projecções visuais a acrescentarem tremendo contexto conceptual. Dirk Verbeuren transporta consigo muito do groove idiosincrático dos Soilwork, agora refinado por um dos melhores baixistas das últimas quatro décadas, o veterano James LoMenzo. Aliás o poder da secção rítmica redimensionou um tema como “She-Wolf” (o que mais nos cativou na setlist, pelo estouro com que soou). Isto para dizer que, com o vigor dinâmico dos dois guitarristas, esta formação dos Megadeth pode tornar-se no segundo grande Mark da banda, logo depois do lendário line-up do início dos anos 90. Setlist: Hangar 18; Dread and the Fugitive Mind; The Threat Is Real; Angry Again; She-Wolf; Sweating Bullets; Tornado of Souls; Conquer or Die!; Dystopia; Trust; A tout le monde; Symphony of Destruction; Peace Sells; Holy Wars… The Punishment Due.

O REI DOS MONSTROS

Duas décadas de carreira e sete álbuns depois, os Gojira, os irredutíveis gauleses liderados pelos carismáticos irmãos Joe e Mario Duplantiers, tornaram-se um dos nomes mais emblemáticos no espectro da música extrema. As últimas visitas a Portugal tiveram lugar no dia 7 de Julho de 2016 e três anos depois, no dia 6 do mesmo mês, para apresentar “Magma”. O sexto longa-duração do grupo mostra os quatro intrépidos músicos a pegarem na sua fórmula complexa de extremismo sonoro e a apimentarem-na de forma muito inteligente, cada vez mais maduros, mais focados e, fruto de toda a experiência acumulada, mostrando saber exactamente como fazer passar a sua mensagem da forma mais eficaz possível. Em 2021, chegou o sétimo álbum. As gravações do álbum “Fortitude” foram produzidas pelo próprio Joe Duplantier nos estúdios nova-iorquinos Silver Cord, onde se juntaram os demais companheiros: Mario Duplantier (irmão de Joe) na bateria, Christian Andreu na guitarra e Jean-Michel Labadie no baixo. A mistura ficou a cargo de Andy Wallace que, sinceramente, depois de Rick Rubin deve ser o mais impactante sound designer nas sonoridades alternativas.

Andy Wallace foi, pois, um dos homens que criou o som de “Roots” e essa assinatura sente-se nos temas que a banda executou do último álbum, nomeadamente em “Born For One Thing”, logo a abrir o estupendo concerto, “Hold On”, “Grind”, “Another World” e, mais notoriamente no sumptuoso bloco final da actuação com “The Chant”, “New Found” e “Amazonia”, com “The Gift Of Guilt” e “Lenfant Sauvage” pelo meio, temas que pertencem ao disco que partilha este último título e que permanece ainda como a obra-prima da banda. Certamente que todos os que estiveram presentes na Altice Arena, na edição de 2019 do VOA, se recordam do poder sónico dos franceses. Desta vez, como headliners, essa manifestação de força foi majestosamente ampliada. As intrincadas síncopes rítmicas estão cada vez mais oleadas, leia-se fluídas e dinâmicas, pelo quarteto. Depois, a cada ano que passa, o baterista Mario Duplantier parece transcender mais uma etapa evolutiva, soando cada vez mais clínico e, paradoxalmente, brutal.

Depois, os temas de “Fortitude” possuem um épico perfil antémico e não houve vivalma indiferente ao seu impacto rítmico e melódico. Foi realmente uma pena o Jamor não estar apinhado de gente. E acreditem que perderam um dos melhores concertos de metal que teve lugar no nosso país na última década. Aliás, a ascensão dos Gojira no mundo do rock pesado só terá paralelo com outras três bandas, os Rammstein, os Ghost e os Mastodon. E a banda parece usufruir de cada segundo em palco deste seu estatuto, tendo sido notória a enorme entrega emocional de cada um dos músicos. E como vibrou Mario Duplantier no final, a empunhar a bandeira de Portugal, num bote de borracha carregado em ombros pelo público…

O som imenso, como o icónico monstro japonês, dos Gojira mistura thrash com ambientes e cadenciações post metal. A carapaça sonora dos franceses é composta por Jackson, Charvel e EVH Gear. Uma parceria estabelecida com a Fender no início da década passada. O guitarrista Christian Andreu criou uma assinatura com a Jackson Guitars, baseando-se num modelo USA Rhoads carregado de sustain através do humbucker Charvel MFB na ponte. A guitarra possui corpo e braço em mogno, com uma escala de 22 trastes com um raio composto velocíssimo de 12”-16”. Próximo do nut (em grafite) o braço é mais denso, facilitando acordes e aqueles gravalhões do bordão, e vai adelgaçando nos registos mais agudos da escala, para permitir velocidade nos solos. A ponte fixa tem design strings-through-bodyUma maquinão de shred e riffs com um visual deslumbrante.

Já em 2021 chegou a Pro Series Signature Christian Andreu RRT. Acabamento Natural num corpo poplar com tampo em maple. Braço through-body em maple reforçado em grafite, com design scarf joint e acabamento acetinado. A escala de raio composto 12”-16” é em ébano, com 22 trastes jumbo. O PU é um humbucker genérico da Jackson, controlado apenas pelo botão de volume. A ponte ajustável e compensada Jackson TOM é um sistema string-through-body. Os afinadores são Jackson sealed die-cast.

frontman Joe Duplantier usa um modelo de assinatura bastante singular. A Charvel Joe Duplantier Signature San Dimas Style 2 obedece às especificações do guitarrista francês e está equipada com um par de humbuckers Charvel MFB modificados. O corpo San Dimas Style tem um contorno especial, para facilitar o acesso às zonas mais agudas da escala. O braço e o corpo são unos em mogno. O acesso ao truss rod é feito através de um volante de ajuste na extremidade do corpo. A escala imita as especificações do modelo Jackson do seu colega Andreu, excepto nos trastes que, neste caso, são médio-jumbo. No décimo segundo traste (a sério malta, é tão correcto dizer traste como trasto, acalmem o ódio) encontra-se o entalhe em madre pérola do “G” dos Gojira. De resto, o selector de pickups tem três posições e há apenas um knob de volume (à Eddie Van Halen), posicionado de modo mais deslocado que o tradicional. A ponte Tune-O-Matic possui stop tailpiece.

Então em 2020 estreou a Joe Duplantier Signature Pro-Mod San Dimas Style 2 HH E Mahogany, equipada com o novíssimo humbucker DiMarzio também com a assinatura do guitarrista, posicionado na ponte. Desenhada com a sempre crescente capacidade de engenharia da Charvel, a guitarra segue os specs do seu modelo anterior, que exaltámos aquando da passagem dos franceses por Lisboa, no Verão passado. A nova versão possui uma beleza crua. O corpo San Dimas é construído em mogno, com o contor no especial do corno para facilitar o acesso às zonas mais altas da escala. O braço também em mogno está reforçado com grafite, para aguentar todas as sovas que se lembrem. O volante de ajuste do truss-rod está acessível no corno também, para simplificar o acesso, e o acabamento em óleo no braço suaviza imenso o esforço da mão. A velocidade também foi considerada na escala em ébano, com 22 trastes e raio composto 12”-16”.

Fanboy do DiMarzio’s PAF 36th Anniversary (no braço), Duplantier desejava todavia algo com um low end mais robusto para o seu pickup da ponte, daí o desenvolvimento do Joe Duplantier DiMarzio Fortitude, um humbucker demolidor. Outras características incluem o switching de três posições, a ponte compensada da Charvel, para responder ao raio de escala, com tailpiece ancorada e os locking tuners também da Charvel. O acabamento é Natural, com hardware cromado, revestimento dos pickups em níquel desgastado e ainda a cabeça licenciada Fender Telecaster.

Ambos os músicos usam amps EVH 5150 III, nas versões EL34 e 6L6, com cada cabeça a obedecer a diferentes propósitos e a ser usada de forma independente na mistura ou com os técnicos a somarem os sinais, totalizando quatro fontes. Pudera que soe enorme…

SETLIST

  • Born for One Thing
    Space Time
    Backbone
    Stranded
    Flying Whales
    The Cell
    Love / Remembrance
    Hold On
    Grind
    Silvera
    Another World
    L’enfant sauvage
    The Chant
    The Gift of Guilt
    New Found
    Amazonia