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Wovenhand, Os Fantasmas de Gólgota e Little Bighorn

Wovenhand, Os Fantasmas de Gólgota e Little Bighorn

2017-05-04, RCA CLUB, Lisboa
Nero
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Num mundo que ainda retivesse capacidade de abertura ao mistério, ao místico e ao deslumbramento, o concerto de Wovenhand teria esgotado, mas num mundo em que os “aviões são confundidos com estrelas” apenas meia sala assistiu ao místico concerto no RCA Club.

O som cada vez mais pesado que David Eugene Edwards tem vindo a promover ao longo da discografia de Wovenhand ganha outro significado ao vivo, catapultado pelo colossal baixo de Neil Keener, e pela mão direita de Chuck French na guitarra. Metade dos Planes Mistaken For Stars, dão aos reverbs etéreos da voz e dedilhados de Edwards uma poderosa dimensão corpórea. Assim, em Lisboa a matriz ameríndia da sonoridade da banda foi amplificada pela agressividade do post-hardcore sem as rédeas de estúdio.

Essa fusão, bem desenvolta sonicamente, permitiu visualizar mais claramente as próprias raízes espirituais de Eugene Edwards – um ecumenismo assente na herança dos peregrinos do Novo Continente da velha teologia europeia, mas com um coração xamânico tribal, mais próximo do núcleo primitivo da mensagem cristã.

A metade dos Planes Mistaken For Stars acrescentou um peso de elegância post-hardcore ao som xamânico dos Wovenhand

O concerto foi, no fundo, a exposição da herança de “Refractory Obdurate”, o álbum da “maioridade”. Onde, mesmo com as canções lideradas pelo carisma vocal de Eugene Edwards, a banda soa com maior coesão, na plenitude potencial de equilíbrio nas dinâmicas instrumentais e nos pressupostos espirituais das músicas, quer nos momentos de maior cadência rítmica, quer nos mais expansivos. A colar tudo esteve a prestação sublime do baterista Ordy Garrison – com os timbalões num ângulo raso, como se fossem tambores dos povos cheyenne. Nas pontuações de tarola e nos “ventos” ritmícos dos pratos, a cadência tribal das canções serviu de base ao envolvimento meio Swans do concerto.

A liturgia lisérgica pareceu evaporar-se no tempo, o qual se manifestou de forma violenta após a apoteótica “King O King” a finalizar uma setlist igual à do concerto no Porto, no dia anterior.