Âncora, no coração do litoral minhoto, recebeu este ano, a maior e uma das mais vibrantes edições da história do Sonic Blast, e não sou só eu que o digo.
A 13.ª edição do Sonic Blast Fest voltou em força à Praia da Duna dos Caldeirões de 7 a 9 de Agosto de 2025. As fotos que ilustram o artigo são da Inês Silva.
Raquel, vinda do País Basco, afirmou sem hesitar: «Este foi o melhor Sonic Blast de sempre. Já é a oitava vez que venho e este foi o maior, melhor organizado e mais cheio.» E, de facto, havia algo especial no ar… literalmente. Um manto constante de nevoeiro envolvia o festival nos dois primeiros dias, criando uma atmosfera quase ritualista. À beira-mar, os palcos dispensavam máquinas de fumaça, a própria natureza cuidava disso.
Entre riffs, cervejas e abraços de desconhecidos que pareciam velhos amigos, a experiência era quase que completamente sensorial. Nos próprios palcos, músicos brindavam com o público, desfocando a linha entre artista e espectador. Na praça de alimentação, o conforto vinha em forma de comidas tradicionais: caldo verde, sopas diversas, enchidos, sandes de rojões, porco no espeto e bifanas, entre outros. Combustíveis perfeitos para enfrentar a maratona sonora. E o público… ah, o público. Uma verdadeira torre de Babel, com portugueses, franceses, espanhóis, ingleses, belgas, alemães, italianos e muitos outros sotaques, todos unidos pelo mesmo culto sonoro. Talvez tenha sido o festival mais internacional que vi este ano em Portugal.
Primeiro dia: brinde, riffs e intensidade
Benjamin Berdous, vocalista dos Slomosa, com cerveja em punho e guitarra pronta, abriu a sua apresentação com um sonoro skål em norueguês, que logo se misturou à microfonia das guitarras harmónicas. Ali começou a minha jornada no Sonic Blast 2025, e que início. Para mim, foi o melhor concerto do festival: Benjamin e Tor Erik brindaram o público com riffs e solos precisos e envolventes, sempre sustentados pela excelente Marie Moe no baixo e pela máquina Jard Hole na bateria. O público pulava e cantava como se fosse o derradeiro dia deste mundo, algo surpreendente para um horário ainda longe dos headliners. O concerto foi recheado de músicas já conhecidas e terminou com a poderosa e aclamada “Horses”.
Ditz manteve o nível elevado, com presença de palco magnética, preparando o terreno para os Earthless, que fizeram história no palco. Mais de uma hora de pura viagem instrumental, com solos longos e riffs densos, conduzidos por um baterista que parecia uma locomotiva imparável. Em seguida, os King Woman trouxeram uma delicadeza sombria, coroada por uma bela versão de “I Wanna Be Adored”, dos Stone Roses.

Os Amenra entregaram um momento intenso, digno do posto que lhes foi atribuído de headliner. O vocalista cantava de costas, com uma voz visceral que ecoava até o último grito. O encerramento, merecidamente, ficou a cargo dos Fu Manchu, que deram um espetáculo memorável. A participação ativa da plateia deixou a sensação de que todos presenciaram algo realmente especial. Os pioneiros do stoner rock estiveram impecáveis, com Scott Hill e a sua lendária Ampeg Dan Armstrong ADA6, junto a Bob Balch, mostrando um entrosamento e energia excepcionais. Riffs e solos fundiam-se perfeitamente durante mais de uma hora de verdadeiro rock’n’roll. Ao fim do concerto, o público saiu extasiado e já ansioso pelo dia seguinte.


Segundo dia: calmaria, distorção e melodia
Se o primeiro dia foi pura combustão, o segundo começou com um momento de contemplação. Comecei o dia com Emma Ruth Rundle, e o que vi foi raro e belo. O ambiente parecia um refúgio bucólico, tomado por um silêncio estranho, porém respeitoso, quebrado apenas por aplausos calorosos ao final de cada música. Com apenas violão e uma voz intensa, Emma transportou o público a um estado quase meditativo. Ao final, dava vontade de se deitar à beira do mar e ficar a refletir.


Logo depois, os Chalk tomaram o palco ao lado, e o público voltou à terra e ao Sonic Blast. Com energia e peso na medida certa, a sua mistura de eletrónica, noise e carga industrial criou uma atmosfera caótica, mas agradável, perfeita para preparar a próxima fase da noite. Os My Sleeping Karma entraram em seguida para guiar uma jornada psicadélica hipnótica, com um instrumental de altíssima qualidade que funcionou como um bálsamo, mantendo a intensidade, mas trocando o peso pela espiritualidade.

A estrela da noite apareceu pouco depois. Os Witchcraft mergulharam no oculto com elegância e intensidade. Com riffs que pareciam tirados diretamente de um vinil dos anos 70, trouxeram um heavy rock retrô de primeira, mas com uma energia viva e presente. Para fechar, a dupla catalã Dame Area apresentou uma mistura surpreendente de ritmos latinos, synthpop, techno e industrial, envolvendo um público dançante e vibrante. Após a apresentação, era impossível não sentir que o descanso era necessário, pois o terceiro dia já estava à porta.
Terceiro dia: sol, peso e adeus
Depois do nevoeiro, o último dia nasceu com sol aberto e temperatura perfeita para a despedida.
Os Monolord inauguraram no último dia o palco principal com peso monumental: riffs arrastados, densidade no ar e um Mika Häkki ao comandar olhares com a sua presença arrebatadora no baixo. Miguel, que veio de Paredes de Coura, veterano de sete edições e a acampar no recinto, definiu este como o melhor concerto do festival. Entre uma conversa e outra, ainda confirmou a impressão da festivaleira Raquel, colocando esta edição como a melhor que já viu.
No palco secundário, para mim, a revelação da edição: Patriarchy. Actually Huizenga, sedutora e intensa, comandava uma rave obscura, enquanto o seu parceiro misturava uma bateria reduzida com elementos eletrónicos que reforçavam um som poderoso, tomando todo o recinto. Uma performance magnética que prendeu todos num transe coletivo.


De volta ao palco principal, os Circle Jerks entregaram punk enérgico e conversas longas. Keith Morris, fiel à fama, intercalou músicas com discursos que somaram mais de vinte minutos, onde falou de bandas californianas, fez críticas aos Estados Unidos e especialmente ao presidente Trump, elogiou o público e explicou algumas das letras. O público manteve-se atento e receptivo, mas não era raro ver quem não conhecia a sua fama de falador e mostrava alguma impaciência com as pausas. No entanto, fecharam com um concerto divertido, sólido e com toda a personalidade do lendário Keith.


O encerramento veio com os bielorrussos Molchat Doma, arquitetos de atmosferas pós-punk e synthwave. Após um início com a voz baixa na mistura, o som ajustou-se e a poderosa voz de Egor Shkutko fez-se ouvir com clareza. Mostrava a sua dança estranha e característica, mas hipnótica, enquanto Roman Komogortsev e Pavel Kozlov alternavam-se entre sintetizadores, baixos e guitarras, criando camadas que embalavam a plateia numa dança lenta, quase marítima. No terço final, o público entregou-se por completo, retomando o clima de transe que mais cedo tinha surgido com os Patriarchy.
Despedi-me do Sonic Blast 2025 com a melodia ainda a ecoar e aquele sabor agridoce de quem sabe que viveu algo único, junto com a certeza de que o mar de Âncora voltará a chamar-me.


















