Carta Aberta: Documentário “Meu Caro Amigo Chico” Suspenso Por Litigio com RTP

14 Novembro, 2021

O documentário “Meu Caro Amigo Chico” (2012), da autoria de Joana Barra Vaz, não poderá ser mais exibido devido ao recuo da RTP na utilização do seu arquivo. Equipa que o realizou explica em carta aberta e pede a ajuda de toda a comunidade.

“Meu Caro Amigo Chico” de Joana Barra Vaz é um documentário musical em forma de carta, cujo texto são as canções e os testemunhos dos músicos que nele participam: um retrato nosso numa carta de resposta à canção “Tanto Mar”.

Inspirado nas palavras do tema “Meu Caro Amigo”, de Chico Buarque, o filme procura saber como vai, afinal, a vida deste lado do Atlântico — desde a música às suas influências, desde a lusofonia à crise, passando pela herança do passado e os desejos de futuro.

«E porquê Chico Buarque? Por causa de canções como “Fado Tropical” e “Tanto Mar” — canção que felicita a Revolução dos Cravos e que, em 1978, surge com uma nova letra, mudando o tom de felicitação para um mais apreensivo: “Já murcharam tua festa, pá / mas, certamente, / esqueceram uma semente nalgum canto de jardim”. E existem, ainda, as colaborações, correspondências e influências dos músicos Sérgio Godinho, José Mário Branco e JP Simões. Fomos, então, à procura dessa semente esquecida. Tudo começou com um jogo de futebol, a 2 de Novembro de 2006, durante a temporada de concertos de apresentação do álbum Carioca, de Chico Buarque, em Portugal. Para integrar a equipa, convidámos músicos próximos do universo musical de Chico, cada um representando estilos musicais, gerações e visões distintas da sua profissão», lê-se no site oficial. 

Este documentário conta com a participação de António Zambujo, Bernardo Barata, Chico Buarque, Couple Coffee, Feromona, Foge Foge Bandido, João Afonso, José de Castro, José Eduardo Agualusa, JP Simões, Manel Cruz, Márcia, Miguel Araújo, Nuno Prata, Nuno Rafael, Os Quais, Peixe, Real Combo Lisbonense, Roda de Choro de Lisboa, Sérgio Costa, Sérgio Godinho, Zelig, entre outros.

“Meu Caro Amigo Chico” estreou em 2012 no Indie Lisboa, e nesse mesmo ano foi ainda seleccionado pelo público para competição na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Foi exibido no Muvi em 2014 e mais recentemente no Festival Atlântico da Philharmonie du Luxembourg em 2018.

Com imagens de arquivo da RTP, o documentário não poderá ser mais exibido se a estação pública de televisão não voltar atrás na sua decisão de não ceder os direitos do uso comercial do Arquivo RTP. 

Foi ainda disponibilizado um contacto directo com os autores. Os subscritores serão atualizados diariamente e para subscrever, basta enviar: Nome + Profissão + “Subscrevo” + País para: me***************@gm***.com.

Podes ler, em baixo, a carta aberta publicada pelos autores na íntegra:

«A memória é uma forte aliada da criação plena. A memória individual ajuda-nos a processar as experiências do passado, abrindo caminhos de pensamento que nos transformam e fazem crescer. O mesmo acontece com a memória colectiva: é através dela que se abrem diálogos plurais e reflexões com o poder de regenerar a sociedade no presente — se não a conhecermos, estaremos condicionados a repetir os mesmos erros e os mesmos padrões.

Foi assim que, em 2005, surgiu a ideia para o documentário musical Meu Caro Amigo Chico (2012), um filme de produção independente e sem qualquer financiamento público. O filme, que junta músicos portugueses e brasileiros, apresentando a relação musical entre Portugal e Brasil, foi feito através de parcerias e com o apoio generoso de toda a equipa técnica e artística, recorrendo também a algum material de arquivo da RTP, entre outros.

O filme foi exibido em festivais nacionais e internacionais desde 2012, do IndieLisboa à Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, e ao Festival Atlântico – Philharmonie Luxembourg, entre outros. A 25 de Abril de 2020, em contexto da pandemia de Covid-19, foi exibido extraordinariamente online, em sinal aberto e sem fins lucrativos, felicitando Chico Buarque pelo Prémio Camões. A exibição atravessou o Atlântico e alcançou mais de 60 000 espectadores e centenas de milhares de reações numa só semana. Desde então, tem sido ainda mais pedido pelo público, instituições e pela comunidade universitária dos dois países.

Planeado para estrear no canal RTP Música, que nunca chegou a existir, foi finalizado em 2012 com o princípio de que a RTP seria parceira: ficou acordada a cedência de arquivos RTP e a contrapartida da primeira janela exibição e uma futura negociação destas condições. No entanto, desde 2012, não foi mais possível a contratualização com a RTP, sendo repetidamente adiada pelo canal. Agora, a RTP já não cede os direitos do uso comercial do arquivo e abdicou do seu privilégio de exibição, contrariando o acordo inicial, demonstrando pouco ou nenhum interesse, fazendo propostas a custo zero ou de verbas simbólicas e sem acordo de arquivo.

O filme ficou suspenso, e o licenciamento das obras musicais e restantes arquivos impossibilitado. Suspensos estão também, há mais de 9 anos, o pagamento à equipa técnica, a possibilidade de recuperação de investimento, candidaturas a apoios, e outras exibições do filme fora do circuito de festivais.

Restou uma estrutura de produção fragilizada, agravada pela pandemia, reduzida aos autores do filme. Ficámos perante um dilema ético: exibir o filme, desrespeitando os profissionais da cultura nele envolvidos, ou não exibir. Sabemos da extrema importância da boa prática profissional para a estabilidade do sector cultural, por isso, temos escolhido não o exibir em defesa da equipa técnica e artística do documentário, excepto em situações extraordinárias sem fins lucrativos de celebração da Cultura (2020), e com o apoio de todos os artistas retratados.

A RTP tem a responsabilidade de atuar eticamente no mercado audiovisual, honrando os compromissos assumidos e defendendo os conteúdos de produção original em língua portuguesa. A RTP tem também um papel de apoio ao sector cultural, obrigações perante os produtores e criadores independentes de língua portuguesa, e perante os músicos. Pode e deve ser a principal aliada e interessada em manter viva e acessível a Cultura e a memória colectiva de um país — neste caso, Portugal e Brasil.

É por isso que exigimos à RTP uma rápida resolução deste impasse, que temos vivido com perplexidade, incompreensão e frustração ao longo dos anos. Pedimos à RTP que cumpra o nosso acordo inicial, autorizando a cedência do Arquivo para este projecto e negociando uma verba de exibição digna, possibilitando o licenciamento e a exibição comercial do filme a todo o seu público mundial. É para isso que fazemos filmes: para serem vistos. É também para isso que defendemos a RTP: para que os mostre e os dê a conhecer.

Pedimos à RTP que colabore activamente com a nossa comunidade e que facilite o acesso ao seu Arquivo aos mais diversos agentes da Cultura e da Educação, agora e no futuro, evitando a repetição destas situações. O Arquivo RTP é uma parte essencial da memória audiovisual do nosso país e do nosso referencial de memória colectiva, permitindo-nos manter vivo o diálogo sobre democracia, liberdade, pós-memória e cultura.

Por respeito ao trabalho dos profissionais da cultura, do cinema e audiovisual, dos músicos, autores, intérpretes e técnicos; pelo público; por esta e por outras obras em situação semelhante, manifestamos o nosso apoio a este filme.»
Joana Barra Vaz — Realizadora / Argumentista / Produtora
Maria João B. Marques — Argumentista
Rui Pires — Montador / Argumentista

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