Festival Rádio SBSR.FM Em Sintonia 2020: Os Destaques
Duas noites que provaram a fome de palco de toda a gente, músicos, roadies, público e imprensa. Houve um cheirinho ao bom e ao belo pré-Covid e deu para matar algumas saudades.
Nos passados dias 17 e 18 de Dezembro, e apesar de todos os constrangimentos do contexto atual, a música recusou-se a continuar parada e foi mantida viva a tradição da realização de um festival de Outono/Inverno, sobretudo numa altura em que é urgente devolver o trabalho aos músicos e restantes profissionais das áreas do entretenimento e dos espetáculos.
Foram 225 os profissionais envolvidos na realização do Rádio SBSR.FM Em Sintonia, entre músicos, produção, management e técnicos de som e luz, para levar a palco concertos de nomes como Capitão Fausto, Papillon, B Fachada, Chico da Tina, Conjunto Cuca Monga, entre muitos outros. E ainda as MOCHE Talks, o ciclo de 6 conferências onde se fez uma reflexão sobre a Indústria da Música no contexto atual.
O Rádio SBSR.FM Em Sintonia realizou-se cumprindo todas as normas de segurança impostas pela Direção-Geral da Saúde e respeitando todos os limites decretados pelo Governo. A Saúde Pública foi sempre a preocupação máxima, a par como o direito ao trabalho de todos os profissionais dos espetáculos e do audiovisual, que têm sido impossibilitados de exercer esse direito. A AS passou pelo festival. Eis os artistas em que nos focámos…
17 de DEZEMBRO
Profjam & benji price | Profjam & benji price que apresentaram, pela primeira vez, o disco “SYSTEM”. Os dois uniram-se e criaram um estética sonora muito particular. Cheias de expressividade, as mudanças de “flow”, refrões e beats desconcertantes, conseguem ter a capacidade de não deixar ninguém indiferente. Apresentaram-se com um cenário minimalista: ambos vestidos de preto (Benji merece kudos pela jaqueta dos Kvelertak) e cada um sentado na sua cadeira, ao mesmo nível de quem os ouvia. Abriram com a primeira faixa do álbum “SYSTEM”, ou seja, com a música “Sistema”, passe a redundância, dando-nos a ideia de que receberíamos a “dose máxima” daquele espetáculo. Seguiu-se “Tribunal” e malhas como “Lutei”, “Perfection” e “Finais” que fizeram com que surgissem muitos braços no ar a acompanhar o som.
“SYSTEM” foi feito durante a pandemia e, no espectáculo, Profjam referiu-se ao mesmo como «um parto que este ano se proporcionou», confessando que não estava à espera de o conseguirem apresentar ao vivo. Mostraram-se ambos agradecidos pelas pessoas presentes e acrescentaram que «ver que um cartaz nacional atrai tanta gente é motivo de orgulho». Este projecto foi o fechar de um ciclo da editora Think Music, fundada em 2016 por Profjam, mas a dupla assegura que independentemente dessa empreitada ter chegado ao fim, todos os artistas que delas faziam parte «continuam a apoiar-se uns aos outros», por isso, «não é uma morte», porque todos eles são… “Imortais”, o último tema da noite, com uma actuação que foi aplaudida de pé.
Chico da Tina | O “rei” do Minho abriu o concerto com o tema “Deitei Tarde Acordei Late” e surpreendeu toda a gente com aquilo que parecia um traje masculino do século XIX, mas não, era um fato de ilusionista. Seguiu-se “Apresentação Interactiva”, primeira faixa do álbum “Minho Trapstar”, que não só serviu de cartão de introdução aos não estão a par do artista como para puxar mais por todos os outros, pois quando o rei dizia “Chico” o público retribuía com “da Tina”, afinal de contas, ele é o “rei” e nós consentíamos “da rima”. No final de cada música Chico da Tina exigia sempre os aplausos a que tinha direito. Chico trouxe dois convidados: tripsyhell para o tema “HEART” e Lil Noon para a música “Baby”.
Puderam ouvir-se os singles mais recentes do artista como “Ronaldo”, “Resort” e “VianaViceCity”, mas também canções de sucesso como “Freicken”, em que o “rei” canta a toda a gente no seu próprio idioma, formando um jogo de palavras engraçado. De realçar que Fredo da Tina apareceu para desempenhar uma tarefa muito importante: entregar a Chico o medalhão com uma réplica da pintura de Pedro Alexandrino de Carvalho, pintor português nascido em 1789, a quem o artista faz muitas vezes referência. Estava assim feita a “ponte” para o próximo tema “Cabral Moncada”. A Tina, ou seja, a concertina também teve o seu momento ao ser tocada pelo dono, Chico da Tina. O espectáculo findou com “Põe-te Fino”.
Conjunto Cuca Monga | Às 19:15 as cores invadiam o Palco Super Bock (Arena). Em estreia absoluta, o Conjunto Cuca Monga apresentava o seu álbum “Cuca Vida”, projecto realizado em menos de dois meses, cuja mistura de vários géneros musicais nunca resultou tão bem. O grupo é composto por 20 músicos e alguns colaboradores, como membros dos Capitão Fausto, Ganso, Luís Severo, Rapaz Ego, Zarco, Reis da República, entre outros. Já se tinham feito notar aos olhos de toda a gente com as cores vivas das roupas que vestiam, formando uma espécie de arco-íris, mas dominaram o Altice com a sua animação contagiante. Conseguiram cativar o público aos poucos com as canções bem humoradas, as danças desajeitadas, com alguns movimentos de uma espécie de arte marcial, enfim, no meio desta confusão alegre, as pessoas iam chegando e dançando nas cadeiras.
Destaque para temas como “Se Algum Dia”, “Proporções Bíblicas (Absolutamente à Porta)”, um rap de 8 minutos do qual é impossível alguém saturar-se, a balada “Travessia”, e “Liberdade”, com esse sublime verso: «Oiço um belo dia que me entra pela janela, logo me arrelia, pois sei que estou sem ela», mas ali pudemos ter um vislumbre dela, da liberdade, naturalmente. De repente, sentimos todos que estávamos na moda quando surgiu, “Estou na Moda”. Tudo aparentemente óbvio, sim, menos a sensação de regressar a um festival. Ai covid… A festa acabou com a música da amizade, “Os Amigos”. No fim, o público aplaudiu de pé, inegavelmente lindo de se ver, pois a sala parecia estar cheia, quando não estava. A liberdade criativa fez-se ouvir num natural e sincero espectáculo.
Hause Plants | No palco Ermelinda Freitas (sala Fernando Pessoa) esteve Guilherme Correia. É ele o responsável por compor, produzir e gravar as canções, tudo no seu quarto, sob o nome de Hause Plants. O músico, mais conhecido como guitarrista dos Ditch Days, apresentou no festival o seu projecto a solo juntamente com António Nunes da Silva (Huggs) na bateria, Nobita (Drunkyard) no baixo e Daniel Oliveira (Drunkyard) na guitarra. A primeira música, “Hazy”. Depois grupo seguiu com entusiasmo para “Sky Head” e depois “Here, Somewhere”. A partir daí o público já estava quente, assim como os próprios membros da banda. O vocalista, Guilherme Correia, confessou que não estava à espera que aparecesse tanta gente. A sala era pequena, de facto, mas encheu-se de repente de fãs e alguns curiosos que acabaram por ser cativados pela música e energia dos quatro jovens. «Esta é para vocês fazerem moche nas vossas cadeiras», ouve-se Correia, e é lançado “Summer Salt”. Por fim, o single “City Vocabulary”, o primeiro trabalho editado de Hause Plants, que retrata um relacionamento vivido à distância.
18 de DEZEMBRO
Afonso Cabral | É mais conhecido enquanto vocalista dos You Can’t Win, Charlie Brown, mas Afonso Cabral, no ano passado, decidiu que gostava de ter um projecto em nome próprio. Foi o primeiro a subir ao palco Super Bock (Arena) neste dia e teve a companhia de António Vasconcelos Dias nos teclados, David Santos no baixo, as vozes de Inês Sousa e Margarida Campelo, João Correia na bateria, Pedro Branco na guitarra eléctrica. Quanto ao concerto, as melodias harmoniosas e íntimas com a voz de Cabral conseguem encantar e arrancar as palmas do público no fim de cada tema. Da setlist apresentada faziam parte canções como “Verso e Refrão”, “Inércia”, “Entre as Palavras e os Actos” e Contramão”, todas elas faixas do álbum “Morada”, lançado em 2019. Além disso, foi possível ouvir-se “Maio” de Luís Severo, mas também “Perto”, música que Afonso Cabral escreveu para Cristina Branco, e “Anda Estragar-me os Planos”, uma das canções do Festival da Canção, na edição de 2018, sob a voz de Joana Barra Vaz. O concerto encerrou com um fortíssimo instrumental.
B Fachada | B Fachada subiu a palco somente com a sua viola braguesa e um modular ADDAC, o compositor, multi-instrumentista e produtor, foi apresentar o seu último álbum “Rapazes e Raposas”. Para começar bem, ouve-se “Regabofe d’Abertura” e seguem-se outros temas como “O Anti-Fado”, “Lambe-Cus” ao compasso de palmas por parte das pessoas que o estavam a ver, mas também “Trad-Mosh”, “A Mula e a Raposa”, entre outras. Consegue dedilhar aquela viola como ninguém, mas assegura: «Não posso entusiasmar-me muito senão desafino o meu instrumento». A sala encheu rapidamente e o ambiente era familiar e, por isso, havia confiança para tranquilidade no meio de alguns problemas técnicos durante a “Padeirinha”. «Obrigado por terem vindo apoiar um evento depois de muito tempo em silêncio», agradeceu o músico que acredita estar já muito «despraticado». Sinceramente, não pareceu e o concerto fez-se das faixas do novo álbum e com gargalhadas desajeitadas entre estas.
Papillon | Uma entrada com muito “power” ao som da guitarra e da bateria, até surgir a voz cheia de pujança de Papillon: «ACTIVIDADE!», é o tema “AAA”. O músico subiu o palco para matar saudades, assim como todos os que o seguem. Foram apresentados temas como “Imbecis/ Íman” e “Fam”, ambas canções que tem em colaboração com Slow J, mas também “1:AM” que meteu a plateia no reboliço possível ao ritmo do pitoresco refrão, «O pai diz que eu só como, cago e durmo». A temperatura subiu mais com “Camadas” e com o ritmo do single “00 Fala Bonito”, editado este ano. O concerto contou com vários momentos de interacção e de mensagens que permitiram que o artista abrisse o coração de uma forma genuína: «Pareço uma criança no parque! Estou mesmo feliz, não têm noção».
O músico certificou-se ainda de deixar este recado: «Vamos tentar agir com a humanidade que todos temos cá dentro» e não tornar isto «uma selva». Com o fim a aproximar-se, Papillon conseguiu agarrar mais uma vez o público com os ritmos propulsivos e quentes de “Iminente”, canção que, originalmente, também conta com a voz de Plutonio. “Sweet Spot” foi o tema escolhido para encerrar o espetáculo e a pedido do artista todos se levantaram dos lugares e dançaram um pouco para a despedida.
Capitão Fausto | Os queridos de Alvalade abriram com “Lentamente” e “Faço as Vontades”. Uma coisa é certa, se já se notava entusiasmo antes, com esta última… Parecia que as pessoas estavam à espera disto há muito tempo. A sala encheu-se como por magia. Os Capitão Fausto agradeceram mais do que uma vez o carinho e a presença do público e, depois de uma breve referência ao seu filme-concerto, “Sol Posto”, foi “Mil e Vinte” e “Gazela” que tocaram. “Amor, a Nossa Vida” arrebatou os corações que enchiam aquela sala e a emoção sentiu-se através de cada voz que cantava juntamente com o grupo, bem como o as luzes das lanternas de telemóvel e isqueiros que iam iluminando o espaço.
“Sempre Bem” e “Santa Ana” (sempre uma das nossas favoritas, esse já clássico momento de homenagem ao icónico guitarrista) colocaram a maior parte das pessoas de pé a dançar e saltar, o que fez com que, por momentos, parecesse que tínhamos voltado ao tempo em que tudo era normal, bom e belo. De destacar o solo de bateria por parte de Salvador Seabra e de flauta com Tomás Wallenstein. O ambiente de festa continuou com as tão queridas “Morro na Praia” e “Amanhã Tou Melhor”, até que, o festival encerrou ao som de “Boa Memória”. «Até para o ano», dizem os Capitão, e o público aplaude de pé com grande entusiasmo durante algum tempo. Deu para matar as saudades.