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Festival Rock à Moda do Porto, foram apenas alguns kilos de amor e mal distribuídos

Festival Rock à Moda do Porto, foram apenas alguns kilos de amor e mal distribuídos

Cristina Guerreiro
Ana Ribeiro

Dias 20 e 21 de Outubro, o Pavilhão Rosa Mota recebeu mais uma edição de Rock à Moda do Porto, festival que reúne bandas portuguesas de rock nortenho ou, mais consensualmente, de pop rock.

O primeiro dia do festival contou com Trabalhadores do Comércio, Já Fumega e Pedro Abrunhosa. O segundo dia recebeu Taxi, Clã e sua convidada especial Capicua, encerrando com Mão Morta.

À hora esperada de arranque dos concertos, sala vazia. Tudo fazia prever o pior. No entanto, atrasando a hora de início, também a sala se encheu de um público que, claramente, já era adolescente ou jovem adulto à data de estreia das duas primeiras bandas da noite. Uma plateia morna, animada aqui e além por alguém com mais genica, recebeu os Trabalhadores do Comércio com álbum novo, “Objecto”, acabadinho de ver as cores de Outono e que foi a grande aposta da noite.

Toca de aquecer o público com um clássico para logo de seguida atacarem com a apresentação de novidades. Mas não sem antes Sérgio Castro protagonizar uma queda em palco da qual se levantou com a velocidade de um sempre-em-pé e felizmente pronto para continuar. A prova que a vitalidade ainda lhe habita o corpo com bastante veemência e que o sentido de humor o preenche quando, mais à frente, mandou a piada: «A ver se não caio de novo senão tiro o protagonismo ao artista do fim!», numa clara alusão a Pedro Abrunhosa e a sua icónica queda em directo na televisão.

Do novo álbum, “Objecto”, recheado de rock inteligente em conteúdo e forma, foram desfilando músicas, com o público a mostrar-se receptivo e a aproveitar a partilha das letras para acompanhar. Apostas em letras de conhecidos escritores como Rosalía de Castro ou ainda uma nova roupagem num tema que reúne consenso na multidão, “Os Vampiros”, de Zeca Afonso, interpretado por Diana Basto e Daniela Costa. Joe Médicis mostrou como todo ele é rock ao interpretar o seu tema “Ganda Negócio” e o tema “Micas Bidente”, que arrancou gargalhadas até do público mais amorfo. “200 kilos d’amôre”, mais uma vez interpretado por Médicis ou quando uma balada de amor embrulha sentimentos pesados, seguida de mais uma do novo álbum “Objecto”, “Num momento fugaz”, de Joe Médicis, magistralmente interpretado por Diana Basto, qual verdadeira voz de um filme do James Bond. Uma das últimas canções deste álbum a ser composta foi “(Andäqui) na desportiba” que teve um excelente acolhimento por parte de quem assistia. Terminaram com “Iblussom” deixando algum amargo na boca a quem esperava os clássicos mais badalados da banda nascida no Porto há 43 anos.

 

Jafumega abriram com “O outro dia do ano”, essa música épico-memorial, felizes em palco por tocar na cidade que sempre os apoiou. Tocada “Só sai a ti”, de ‘82, tema que reflete, tristemente, a classe política da época e a actual e, durante a qual, Luís Portugal apresentou-se com nariz de palhaço. Com o tema “Ribeira”, a ponte é uma passagem para outra margem, iluminaram o público enquanto prestaram homenagem a Eugénio Barreiros, falecido em 2020. Num ambiente mais intimista, “Rústica”, poema de Florbela Espanca, transportou-nos para uma realidade distante e bucólica da qual fomos arrancados por Guida Peituda, a mulher de peito de ferro.

Passaram em revista os grandes êxitos da banda não deixando de fora “Kasbah” e “La Dolce Vita”. A chegar ao final, “Nó cego”, a provar que Luís Portugal ainda tem muito para dar com os seus característicos vibratos, e fechando em altas com a sala ao rubro ao som de Latin’América.

 

Claramente, grande parte do público em sala esperava o homem da noite, Pedro Abrunhosa. Este brindou os fãs com um espectáculo que é sempre um regalo para os sentidos. Ao som de “Fazer o que ainda não foi feito”, entrou em palco, sem papas na língua, postura forte e opiniões rectas acerca do que pensa do mundo, e iniciou o espectáculo com um apelo à Paz e um pedido para que os repórteres de imagem subissem ao palco. Emocionou uma plateia vibrante de energia com a significativa real e figurada “Que Nunca Caiam As Pontes Entre Nós”. Um público sedento de movimento e emoção nunca deixou Abrunhosa e a sua banda sem o apoio mais que merecido deste compositor e entertainer de mão cheia.

 

Segundo dia a menos que meio gás.
Pós-punk new wave e ska está ok/música com menos ritmo, dispensada

Se o primeiro dia de festival nunca chegou a estar cheio, o segundo murcho esteve, embora o público ainda tivesse mostrado alguma energia com Taxi, que optaram por não arrefecer o público com músicas novas, menos conhecidas, como tinham feito os seus contemporâneos Trabalhadores do Comércio na noite anterior.

“Cairo” aqueceu a sala que se mostrou receptiva. Ao reparar em alguns rostos mais novos, João Grande agradeceu a presença dos fãs que os acompanham há mais de 40 anos e aos novos rostos que ali se juntaram. Com energia transbordante, os Taxi não cantam e tocam apenas, espalham magia!

O tema “Tv wc”, com ritmo e imagens frenéticas levou a plateia ao rubro, a qual aqueceu ainda mais com um espectáculo de fogo preso e algumas animações que, a par do vídeo, foram uma constante durante a actuação. Momento cómico e emotivo com “A queda dos anjos”, que toda a gente conhece como Rosete, a história de uma senhora do Alto da Maia. “Hipertensão”, do álbum “Cairo”, de 1982 mantém acesa a verdade sobre os jogos de poder e a luta dos oprimidos.

João Grande apresentou a banda com agradecimento especial a Rui Taborda, “companheiro de luta e de vida” que estava a fazer um esforço adicional apresentando-se com 38 graus de febre. Quando Rute Sima assumiu o lugar de vocalista ocorreu um dos momentos altos da noite. 40 anos depois, uma música nova, “Nunca Mais”, o veterano ensinando o refrão ao público para que os acompanhassem durante a apresentação. Na contagem decrescente, “Às dos Fippers”, “Táxi” e, não podendo ser deixado de fora, o clássico sempre contemporâneo, “Chiclete”.

Inexplicavelmente após a apresentação dos Taxi, a sala esvaziou e muita gente não retornou… Muitos por ali a aproveitar para beber umas cervejas a quem daria igual o local onde se encontravam. A juventude de ´90 não compareceu à chamada e quem ali estava pouco parecia querer saber da banda que se apresentou a seguir, os icónicos e talentosos, Clã.

A interação entre o público e a banda não aconteceu, excepto em momentos de interpretação dos clássicos e nas filas mais próximas do palco onde estavam os verdadeiros apreciadores. No geral, era um público parco em volume e que parecia estar a sofrer, contrariado. Lá acordaram um pouco à quarta música, “H2omem”, uma vez que nem a música anterior, dedicada aos jovens activistas, tinha tirado a plateia do torpor em que se encontrava.

Manuela Azevedo apelou ao poder da música para a mudança e recebeu Capicua, que colaborou no último álbum dos Clã, “Véspera”, e se juntou em palco para interpretar três canções. No entanto, o público não parava de diminuir, restando um pavilhão semi-despido. Quando os Clã interpretaram “Sopro no coração”, primeira de muitas colaborações com Sérgio Godinho, fizeram-no para um ambiente de discoteca dos anos ‘90 em fim de noite. Um casal nem quis saber e estavam a ouvir músicas a seu gosto no telemóvel, alto, com sentido de partilha.

 

Distribuídos pelo público estavam os resistentes que esperavam pela última banda da noite, Mão Morta, que embora sendo nortenha, são portugueses de Braga. Em casa quase vazia, Adolfo Luxúria Canibal cumprimentou à medida da recepção: Boa noite Lisboa! O tipo de apresentação, muito baseada na récita e musicalidade profunda e forte, soou desadequada numa sala tão grande e vazia que não serviu ao que pede um espectáculo mais intimista, tal como não tinha servido anteriormente a Clã e aos seus sons mais complexos. Bons concertos, pouca aderência ou sala demasiado grande… sortudos os que assistiram.

Num cartaz saudosista, Rock à Moda do Porto foi uma celebração da música e da diversidade dos anos 80 e 90 numa segunda edição que não conseguiu prender na actualidade, apresentado um cartaz de nomes que tiveram tempos áureos e que, com mais ou menos sucesso, mantêm-se à tona e relevantes na actualidade do panorama musical português em que “como tudo o que é coisa que promete a gente vê como uma chiclete, que se prova, mastiga e deita fora, sem demora”.