As Paixões de Trent Reznor: Wurlitzer, Moogs & Pianos Desafinados
Em “Patch & Tweak With Moog”, livro que sai em Novembro e que versa sobre o maravilhoso mundo dos sintetizadores, Trent Reznor revisita o seu amor pela electrónica e conta como tudo começou.
A arma secreta de Trent Reznor sempre foi a sua curiosidade sobre os sons electrónicos. Aquelas camas de sintetizadores difusas e intensas, os gritos eléctricos e distorcidos, as atmosferas negras e profundas têm sido uma espécie de exoesqueleto para as suas linhas de voz e de guitarra desde “Pretty Hate Machine”, amplificando o desespero, a ternura ou a raiva das suas canções. Essas têm sido as principais impressões digitais musicais do líder dos Nine Inch Nails e do seu parceiro de escrita, Atticus Ross.
Trent Reznor reflecte agora, num novo livro chamado “Patch & Tweak With Moog”, sobre as formas como este tipo de som moldou a sua vida e obra. O autor do livro, Kim Bjørn, centra o tomo em sintetizadores analógicos com a intenção de honrar o legado do pioneiro dos instrumentos electrónicos Bob Moog, incluindo capítulos sobre as bases do sintetizador e as técnicas de produção que fizeram do som electrónico a espinha dorsal da música – neste caso – de Reznor.
O livro apresenta um olhar por dentro da fábrica Moog, passa em revista a história dos sintetizadores e dá, ainda, dicas e visões gerais para a utilização deste tipo de instrumentos. Das entrevistas ao artista e compositor norte-americano constam informações preciosas, que mal podemos esperar para ler na totalidade. Um excerto do livro está agora disponível e a AS não podia passar ao lado. Há um excerto disponível online (que traduzimos), no qual Reznor reflecte sobre a diversidade dos músicos que o influenciaram ao longo da sua carreira e sobre a excitação que sentiu quando os seus avós lhe compraram um Moog Prodigy.
Reznor cresceu na Pensilvânia rural, a quase duas horas de distância da loja de música mais próxima. «Era pianista e o meu pai tinha-me comprado um piano eléctrico Wurlitzer. Isso fez-me entrar em bandas e na altura também tinha um Roland RS-09, o que era fixe porque o filtro soava diferente do Wurlitzer através de uma mudança de fase. Mas o meu coração estava decidido a usar algum tipo de sintetizador analógico. Não tínhamos muito dinheiro, mas os meus avós arranjaram-me o Moog Prodigy quando saiu – e isso mudou a minha vida», conta o autor de “Hurt”.
«Finalmente tive a capacidade de fazer o que já tinha ouvido. A sensação de usar realmente a modulação foi mais libertadora do que eu tinha previsto. Ter acesso a esse tipo de expressividade que não estava à disposição de um pianista, simplesmente me fez explodir a cabeça. E aquele som… Vivi com aquela coisa e olhava para ela todos os dias – estava pousada na mesa da sala de jantar e, por qualquer razão, funcionava como uma armadilha na nossa casa. Era muito divertido».
As experiências do músico moldaram o que se poderia chamar de uma abordagem orgânica ao trabalho com o som. Sabendo como cada sintetizador se comporta e interage com o seu instinto e emoções, os seus resultados são muitas vezes eles próprios orgânicos – como a linha de sintetizador distorcida de “The Hand That Feeds”. «Tudo é puramente instinto, na verdade – passa pelo filtro do gosto e pelo que parece interessante na altura. Diria que o que se tornou interessante para mim é o mundo da síntese como um som orgânico. Não me refiro necessariamente apenas ao analógico, mas às imperfeições».
CONVITE À CRIATIVIDADE
O estúdio de Trent Reznor é agora a casa de uma variedade de synths Moog, tanto modulares como semi-modulares, e o músico revela que se está a preparar para mudar o seu modo de composição. «Há bastante tempo, o ritmo a que eu e o Atticus [Ross] temos vindo a trabalhar nas coisas é ditado na nossa rotina. Se é uma canção dos Nine Inch Nails em que estamos a trabalhar e há uma ideia que precisa de algumas partes, quais são as ferramentas certas para executar o que queremos? É isso que normalmente conduz o processo. Há uma canção a ser escrita, há uma necessidade nessa canção, e voltamo-nos para a colecção de instrumentos para descobrir o que seria correcto para realizar esse objectivo», explica.
«O que tem ficado pelo caminho nos últimos anos tem sido: ‘Comecemos por ver onde os instrumentos nos levam. Haverá aí uma canção? Haverá uma razão para gravar isto? Há alguma coisa digna de ser guardada ou é apenas o que está a acontecer no momento?’ Creio que os instrumentos modulares, e outros menos lineares, vão desempenhar um papel mais importante. É excitante para mim, como artista, ver onde isso vai dar. Por isso, espero poder voltar a isso, para poder começar a torcer os botões e encontrar-me num lugar que seja gratificante. Pode não ser para onde pretendia ir, mas… há limitações que na verdade considero reconfortantes e inspiradoras».
Nada mata a inspiração mais depressa do que coisas como, ‘Porque é que não está em sincronia, onde está o cabo de energia, como é que eu consigo que o som saia?’
A ideia de limitações como princípio orientador da criatividade surgiu quando Trent foi na direcção oposta, em direcção ao universo infinito da síntese modular Eurorack. «Encontro inspiração nos instrumentos. Para mim, é tentar enfiar uma agulha – procura-se algo que por razões desconhecidas nos excita, entusiasma e inspira, que oferece uma identidade sonora única com as suas próprias coisas a dizer. É a mesma coisa quando estamos a trabalhar num novo projecto – passamos muito tempo a pensar no que não nos vamos permitir fazer, em como nos vamos confinar. Qual é o tipo de resumo deste registo? Como poderia ser destilado? Digamos, talvez, sem actuação ao vivo ou sem quantificação ou música de garagem analógica».
Para o músico, «ter esses mapas de estradas e limitações» é uma fonte de inspiração, «porque não se pode decidir fazer qualquer coisa». Há, segundo Reznor, «um verdadeiro conjunto de habilidades envolvidas na montagem das peças certas que formam um instrumento musical harmonioso». E mais uma vez, é aí que o Moog realmente sobressai. «Sinto que agora encontrei essa definição, mas não foi aquilo em que fui levado a acreditar inicialmente a partir das minhas próprias experiências».
Uma carreira variada e recheada, com muitos e bons discos, grandes concertos, nomeações para os Emmy, Globos de Ouro e até um Óscar, leva à pergunta óbvia: ‘Como é que um roqueiro apaixonado pela electrónica acabou por criar tão boas bandas sonoras para filmes?’ A resposta na ponta da língua: «Quando me pediram para musicar um filme, no início, senti: ‘Não sei como fazer isso. Sei escrever uma canção, mais ou menos, mas não sei bem como fazer uma cena’. Não estudei para fazer isso. Então, pus-me a pensar: ‘Bem, o que é que eu faço?’. E para mim, é simplesmente tentar evocar uma resposta emocional de algum tipo, através de algo que se ouve que eu tenha feito. Pensar demasiado sobre o porquê de ser correcto, ou o que o torna correcto, ou se cumpriu alguns critérios para se tornar correcto – é aí que se pode lixar tudo. É uma questão de sentir».
Quando trabalhou no álbum de 1989 “Pretty Hate Machine”, Trent lembra-se de usar o Emax, o clássico sampler da E-mu. «Não porque fosse o melhor sampler, mas sim porque era o que eu tinha. Não tinha memória suficiente e fazia muitas coisas mal, mas encontrei todos os truques que se podiam imaginar. Era tudo o que tinha, tinha de o compreender profundamente: havia a sensação de o ter dominado. Há anos que não me sentia assim com nenhum instrumento – não só porque agora tenho mais instrumentos e tenho menos tempo, mas também porque tenho menos disciplina para passar o tipo de tempo que é preciso. Estou distraído com outras coisas que também importam, como escrever canções ou compor».
Dito isto, Trent mostra-se consciente de que não pode perder o momento de inspiração apenas por causa de questões técnicas. Em contraste com a sua mentalidade criativa mais lúdica, há momentos em que a necessidade do momento é captar algo específico. «Nada mata a inspiração mais depressa do que coisas como, ‘Porque é que não está em sincronia, onde está o cabo de energia, como é que eu consigo que o som saia?’ Há alturas em que muitas escolhas são postas de lado, só porque sei o que preciso. Trata-se de olhar para as coisas de um ponto de vista prático. Parece aborrecido, mas sei que preciso de um som grave, uma melodia, uma componente rítmica – não é o momento para brincar ou perderás alguma coisa. É bom tratar as suas inspirações como preciosas».
FERRAMENTAS E APRENDIZAGEM AO ALCANCE DE TODOS
Quando se coloca no papel de letrista, admite que, quando está quase a adormecer, naqueles últimos segundos de semiconsciência, costuma pensar: «Esta é uma frase muito boa. Lembrar-me-ei disso pela manhã. Sem hipótese – desapareceu instantaneamente. Por isso, tenham um pequeno gravador junto à cama. Podes pensar que vais lembrar-te, mas garanto que não vais. Vais lembrar-te que tiveste uma boa ideia, mas desapareceu. Essa sensação é a pior».
Nos dias de hoje, já se sabe, existem milhares de ferramentas à disposição de todos, algo que Reznor, um curioso nato, aprecia bastante, mostrando-se realmente entusiasmado com a facilidade que temos, todos, de criar algo novo. «Estou impressionado com a quantidade de ferramentas de criação sonora que existem agora, desde as aplicações no telefone até ao que vem com os computadores portáteis. Mesmo um investimento modesto permite uma vida inteira de ferramentas de criação sonora. Estou super satisfeito por isso estar nas mãos de todos – não é preciso um sintetizador Moog de 30 mil dólares ou um Fairlight ou um gravador multi-pistas de 1.500 dólares para entrar no jogo».
O criador dos Nine Inch Nails lembra, no entanto, que «é benéfico saber o que é síntese subtractiva, de onde veio, e o que está a acontecer por detrás do painel frontal daquele plug-in de sintetizador virtual; é preciso responder – ouvir aquilo a que se responde e o que soa excitante». Para Reznor, essa é a chave para tudo. «Há muito tempo que faço isto, e todos os dias acordo e fico entusiasmado. Quero brincar com esta coisa ou experimentar aquela porque quero ver como soa. É difícil pensar noutras coisas em que tenho estado tão interessado há tanto tempo. Muito disto, porém, não é de todo a tecnologia. Simplesmente adoro a forma como as coisas soam. Adoro sentar-me num piano que pode ter ficado ligeiramente desafinado ou que está um pouco em decadência. É bom encontrar estas grandes coisas novas e velhas em que se pode expressar e que podem trazer alegria».
“Patch & Tweak With Moog” é o resultado de mais de um ano de extensa colaboração do autor Kim Bjørn com ícones de música electrónica, artistas estabelecidos e emergentes e funcionários-proprietários da Moog, apresentando, ao longo de 200 páginas, contributos de mais de 30 artistas e engenheiros, entre os quais Suzanne Ciani, Trent Reznor, Hans Zimmer, Michael Stein e Paris Strother. O livro é editado em Novembro pela BJBooks e está em pré-encomenda aqui.
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