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AUDIOGEST | Música: Cultura ou Indústria?

AUDIOGEST | Música: Cultura ou Indústria?

Artigo de Opinião

Em parceria com a Audiogest, Associação para a Gestão de Direitos de Produtores Fonográficos, a Arte Sonora publica uma série de artigos de opinião.

A música sempre teve um papel central na história e na identidade de Portugal. Desde o fado até às influências contemporâneas da música eletrónica e do pop, a diversidade musical reflete a riqueza cultural do país. Contudo, a música, que já foi uma força vital de expressão e conexão social, tem sido deixada à margem das prioridades governamentais, especialmente em termos de apoio financeiro. A quase exclusão do setor musical das propostas do Orçamento de Estado para 2025 levanta questões profundas sobre o valor que a música tem para o Estado e para a sociedade portuguesa.

O desinvestimento no setor da música é uma realidade que ameaça não apenas os artistas independentes, mas toda a cadeia produtiva associada à criação e difusão musical. De festivais a pequenas casas de espetáculos, passando por estúdios de gravação, todos dependem de um ecossistema que é vulnerável sem o devido apoio governamental (apoio esse que deve ser feito através de estratégias e apoios ao crescimento e internacionalização do mercado, ajudando a alavancar o arriscado investimento privado). Para muitos músicos, especialmente aqueles em início de carreira, a falta de apoios concretos significa menos oportunidades de se apresentarem, gravarem ou promoverem o seu trabalho. Essa exclusão do Orçamento não só sufoca a inovação como diminui a diversidade cultural, restringindo o acesso do público a novas vozes e estilos.

Além disso, a ausência de investimentos no setor musical vai contra as tendências globais, onde a música é valorizada não apenas pelo seu papel cultural, mas como um veículo de crescimento económico. A falta de reconhecimento do setor reflete uma visão limitada, que ignora o valor da cultura como motor de progresso social e, mais importante, de desenvolvimento económico. A música, quando apoiada de forma consistente, tem o potencial de criar pontes entre culturas, ou de atrair turismo de qualidade. No entanto, sem o suporte adequado, muitas dessas oportunidades são perdidas.

A quase exclusão do setor musical das propostas do Orçamento de Estado para 2025 levanta questões profundas sobre o valor que a música tem para o Estado e para a sociedade portuguesa.

A negligência com a música também ressalta uma desconexão preocupante entre instituições governativas e a realidade de quem vive e trabalha no setor. Num país onde se tenta apostar no turismo cultural como um dos motores da economia, é inconcebível que a música, um dos principais atrativos culturais, seja marginalizada. O desinvestimento compromete não só a capacidade dos artistas de sobreviverem, mas também a inovação e a capacidade de Portugal de exportar a sua cultura para o mundo.

O Potencial das Indústrias Culturais, em Particular da Música: Oportunidades Perdidas

Em todo o mundo, a música é muito mais do que uma simples forma de arte, tendo-se consolidado como uma indústria milionária, com a capacidade de gerar empregos, fomentar o turismo e movimentar a economia em diversas frentes. Países como os Estados Unidos e o Reino Unido já entenderam isso há décadas, investindo fortemente no desenvolvimento das suas indústrias musicais. Esses países transformaram as suas produções musicais em produtos de exportação, alimentando uma cadeia económica que vai muito além dos palcos e estúdios.

De acordo com dados do Eurostat, em 2021 o setor das Indústrias Criativas contribuiu com 86,5 mil milhões de euros em valor acrescentado, representando 0,9% do valor acrescentado criado pela economia empresarial da UE, e dando emprego a 2,1 milhões de pessoas. Ainda segundo o Eurostat, em Portugal existiam 38.608 empresas no setor das artes, entretenimento e recreação em 2021, tendo esse número aumentado para 44.308 empresas no ano seguinte.

Mas voltando à música: o mercado musical é dinâmico e está em constante crescimento. Estima-se que, globalmente, a indústria da música gere biliões de dólares por ano, criando milhões de empregos diretos e indiretos – já em 2018 um estudo da Oxford Economics sugeria que, o setor da música, rendia 31 mil milhões de euros em impostos para as economias da União Europeia (à época, com o Reino Unido incluído). O streaming, por exemplo, tornou-se uma das principais fontes de receita para músicos e produtoras, e as turnés e festivais continuam a atrair multidões em todo o mundo.

Por cá, festivais como o NOS Alive, Rock in Rio e o MEO Sudoeste demonstram bem o poder de atração que a música pode ter, gerando receitas substanciais para a economia local. No entanto, o potencial vai muito além desses eventos de grande escala, uma vez que é, provavelmente, o elemento cultural e o setor criativo com maior alcance de audiência: ele inclui também pequenas produções, artistas independentes e projetos comunitários que podem desenvolver-se e contribuir para a economia caso encontrem o apoio necessário.

Portugal tem uma cena musical rica e vibrante, mas o desinvestimento no setor faz com que muitas dessas oportunidades sejam desperdiçadas.

Portugal tem uma cena musical rica e vibrante, mas o desinvestimento no setor faz com que muitas dessas oportunidades sejam desperdiçadas. Numa época em que a tendência é o consumo e produção de música regional de língua não-inglesa, o país tem um potencial enorme para exportar a sua música, não apenas o fado, mas também novos géneros e artistas que estão a conquistar espaço internacionalmente. Contudo, sem o devido apoio governamental, muitos artistas enfrentam dificuldades na profissionalização, ou na promoção das suas músicas em mercados externos – aliás, a entidade que atualmente incorpora todo o esforço de internacionalização da música portuguesa é a associação Why Portugal, da qual a AUDIOGEST e a GDA são as principais financiadoras através dos seus Fundos Culturais.

Essa falta de visão estratégica do poder central significa que o país está a perder uma oportunidade de se firmar como um player global na indústria musical, à semelhança do que aconteceu com países como a Suécia, que, com investimentos inteligentes, conseguiu destacar-se mundialmente através sua indústria musical.

Além disso, a falta de incentivos fiscais e de políticas de financiamento para a música bloqueia o aparecimento de novos negócios no setor. Estúdios de gravação, agências de gestão de artistas, salas de espetáculos são apenas algumas das áreas que poderiam beneficiar com um ecossistema mais robusto. Cada uma dessas iniciativas cria empregos e movimenta a economia, gerando uma rede de oportunidades que se expande a partir da produção artística.

Portugal tem o potencial de se destacar globalmente, mas sem um suporte estruturado, o setor musical continuará a enfrentar desafios que inibem o seu crescimento e a sua profissionalização.

Caminhos para uma Nova Política Cultural: Música como Economia Criativa

Se a música é, de facto, uma parte essencial da identidade cultural portuguesa, ela também precisa de ser reconhecida como um setor produtivo capaz de impulsionar a economia nacional. Para isso, é necessário repensar a forma como as políticas públicas abordam o setor musical, indo além de uma visão restrita que a encara apenas como uma expressão artística, e começar a tratá-la como uma verdadeira indústria criativa.

Portugal tem o potencial de se destacar globalmente, mas sem um suporte estruturado, o setor musical continuará a enfrentar desafios que inibem o seu crescimento e a sua profissionalização.

Uma das principais mudanças que o governo português precisa adotar é a criação de políticas públicas que incentivem a profissionalização do setor musical. Além disso, é crucial que o governo considere incentivos fiscais para empresas ligadas à música, assim como faz com outros setores da economia. Com medidas como essa, Portugal pode criar um ambiente mais propício ao surgimento de novos talentos e negócios, o que fortaleceria a cadeia produtiva da música.

Finalmente, é essencial que o governo entenda a música como uma área transversal, que precisa de colaboração entre diferentes setores, como cultura, economia e educação. O crescimento do setor musical depende de uma abordagem integrada que leve em consideração as necessidades dos músicos e produtores, mas também as oportunidades de crescimento económico que esse setor oferece. Uma política cultural eficaz deve reconhecer que investir na música não é apenas apoiar a arte, mas também fomentar uma indústria criativa com grande potencial de retorno.