ENTREVISTA | Soul Despair: O Despertar do Novo Metalcore Progressivo em Portugal
Donos de uma proficiência técnica invejável, capaz de rivalizar com as melhores bandas internacionais do género, os Soul Despair são uma das propostas mais interessantes a surgir na música pesada nacional. Após quatro anos a construir repertório e a estabelecer o seu nome no digital, estrearam-se finalmente ao vivo em 2025 com dois concertos em salas emblemáticas, o Tokyo, em Lisboa, e o Hard Club, no Porto.
A génese dos Soul Despair remonta a 2020 quando os guitarristas Pedro Alves e Vasco Santos juntaram-se para fazer um novo projeto. Mais tarde entrou Patrícia Alves (aka Patrícia Sullivan) para a bateria e Artur Baptista no baixo. Mas, foi já com a entrada do vocalista norte-americano Bryan Stablein que a banda começou a trabalhar naquele que seria o seu primeiro EP homónimo, lançado em 2022. Com a produção do guitarrista e amigo da banda João Medeiros, rapidamente começaram a ganhar reconhecimento no meio digital através de comentários de apreço que elogiavam não só a sua destreza técnica e a qualidade das composições, mas também a semelhança da sua sonoridade com a dos grandes nomes do metalcore progressivo norte-americano.
2022 trouxe atualizações na formação. Com a saída de Patrícia e Artur, a banda ficou reduzida a Pedro, Vasco, o core do grupo, e Bryan. A preparar um novo lançamento, os Soul Despair recorreram à programação digital para criar as faixas de baixo e de bateria para o seu mais recente EP “Crimson” (2023). Mais uma vez, contaram com o auxílio de Medeiros para entregar três faixas vertiginosas, “Crimson”, “Snowdrift” e “Return To Gold”, repletas de riffs matemáticos, vocais com muita personalidade e uma mistura bem polida com um elevado nível de definição em toda a gama dinâmica.
Após uma longa maturação dos temas, 2025 trouxe finalmente os concertos de estreia dos Soul Despair, no Tokyo, em Lisboa, no dia 16 de Janeiro, e no Hard Club, no Porto, no dia 17 de Janeiro. Para estes concertos houve, mais uma vez, mexidas na formação, com João Medeiros a ocupar o lugar de baterista e Rui Martins, ex-Betraying The Martyrs, a substituir Bryan Stablein, que não pôde deslocar-se a Portugal. Com o intuito de mostrar que o metalcore em Portugal não está morto, os Soul Despair decidiram ainda convidar para estes concertos mais duas novas propostas portuguesas, os Orquídea e os Missigno.
A AS esteve no concerto do Tokyo e falou com os guitarristas Pedro Alves e Vasco Santos sobre as origens da banda, as suas influências, o sucesso no digital, o gear que utilizam em estúdio e em palco e a cena metalcore nacional.
Falem-nos um pouco sobre o vosso percurso musical e sobre o vosso trajeto até à formação dos Soul Despair.
Pedro Alves: Sempre tive interesse em entrar no mundo da música. Quando tinha 9/10 anos comecei a ouvir rock e metal, bandas de nu metal como Linkin Park e de metal mais contemporâneo como Bullet For My Valentine. A minha vontade de tocar também surgiu com o jogo Guitar Hero onde encontrei muitos artistas que me suscitaram interesse. Na altura estava a estudar em Bragança, e decidi inscrever-me numa escola de música para aprender a tocar. Entretanto, o meu gosto musical foi evoluindo, comecei a ouvir metalcore, que é o género com o qual mais me identifico hoje em dia. Comecei com os Bring Me The Horizon e depois fui até às coisas mais progressivas e técnicas. Digamos que o álbum que fez-me querer estar numa banda e seguir o estilo de música que faço hoje foi o “Lost Forever // Lost Together” dos Architects. Sem dúvida que esse álbum mudou tudo para mim. Depois descobri bandas como Northlane e Thornhill, o “The Dark Pool” foi um álbum que influenciou muito a nossa sonoridade, e mais tarde cheguei até aos Vildhjarta e aos Humanity’s Last Breath, que é mais ao menos a sonoridade que estamos a sentir agora. Mais tarde conheci o João, o nosso baterista ao vivo, ficámos amigos e ele convidou-me a escrever uma música com ele e foi aí que nasceu Soul Despair. Durante esse tempo eu tinha uma página de design no Instagram e o Vasco começou a seguir-me, trocámos mensagens e eu descobri que ele também fazia música e que tinha interesse neste género do metalcore progressivo. Começámos a fazer o projeto a dois e mais tarde apareceu o Artur e a Patrícia e trabalhámos em dois temas instrumentais. Começámos à procura de vocalista, na altura não conhecíamos ninguém em Portugal que fizesse as vozes que estávamos à procura e num grupo de fãs de Invent Animate, que é uma banda que ouvimos bastante, um produtor, chamado Dalton Skinner, comentou num instrumental nosso que tinha um amigo que fazia as vozes que estávamos à procura e desde aí o Bryan Stablein tem sido o nosso vocalista.
Vasco Santos: O meu percurso foi muito parecido ao do Pedro. Também comecei a tocar guitarra por causa do Guitar Hero. Quando comecei a seguir o Pedro no Instagram eu tinha dois projetos, um deles mais djent que enviei para o Pedro. Ele disse-me que gostava, mas que estava à procura de uma coisa mais metalcore progressivo, e foi aí que enviei-lhe o meu projeto Broken Iris. Depois começámos a falar em colaborar e foi assim que entrei em Soul Despair.
Já descreveram a vossa sonoridade como metalcore progressivo, uma fusão de metalcore com djent. O que é que vos motivou a enveredar por este subgénero e não pelo metalcore clássico?
Vasco Santos: Sim. O metalcore progressivo tem muitas influências de djent. Tonalidades baixas, open notes, ritmos mais progressivos, lá está. No metalcore clássico há músicas que têm isso e outras que não.
E como é que vocês vêm a cena atual do metalcore nacional?
Pedro Alves: Acho que hoje em dia não existe uma cena consolidada e nós queremos exatamente mudar isso. Acho que temos a qualidade e o potencial para fazer com que Portugal, de uma vez por todas, esteja no mapa e que as pessoas comecem a olhar para o nosso país e vejam que de facto existe talento, existe gente que quer este sonho, porque nós somos sonhadores e queremos mesmo que Soul Despair não seja só uma banda, mas que seja um movimento.
A banda é composta por dois guitarristas, mas não tem baixista. Como é que colmatam essa ausência?
Pedro Alves: Nós temos sempre o baixo na backing track. É MIDI, é programado. A bateria e o baixo que vocês ouvem nas versões finais das nossas músicas é tudo programado. Eventualmente, no futuro queremos começar a gravar bateria real, mas o baixo, sinceramente, não faz falta. Claro que há músicas, por exemplo no self-titled temos a “Fairy Dust”, que é uma música mais calma, e há um momento em que só se ouve a guitarra clean e o baixo e aí nós fizemos questão de gravar o baixo real. Agora, quando é por cima de um riff quilhado ou de um breakdown acho que o MIDI até dá mais textura, mais potência. Não acho que seja um ponto que faça muita diferença.
Vasco Santos: Com os plugins de hoje em dia acho que o som não sofre grandes alterações.
No que diz respeito ao gear recorrem a uma Jackson Pro Plus Series DK Modern Evertune 7 (Pedro Alves) e a uma Ibanez RGDIX7MPB Iron Label (Vasco Santos). Falem-nos um pouco sobre a escolha destes modelos.
Pedro Alves: Eu antes de ter esta Jackson tinha uma Ibanez RGD71ALMS que é uma multi scale com 27″ e gostei bastante, só que eu sempre quis experimentar as pontes Evertune para me dar estabilidade tanto em estúdio como ao vivo. A Ibanez também deu-me muitos problemas, não sei se foi erro de fábrica, mas tive muitos problemas no que toca ao jack e em termos de afinação não era aquilo que eu procurava porque tinha que estar sempre a afinar após tocar uma ou duas músicas. Então juntei algum dinheiro e optei por ir logo para um material de qualidade e esta Jackson é o sweet spot em todos os parâmetros.
Vasco Santos: A primeira vez que vi a Ibanez foi num gig de V o i d, que era a banda antiga do Yuri (Orquídea), e foi a primeira vez que o conheci. Entretanto fiquei obcecado pela guitarra e acabei por comprá-la por ser uma guitarra única em termos de não haver cópias exatas por causa dos padrões de verde do acabamento.
E em termos de amplificação e pedais? Usam material analógico ou já são adeptos dos Kemper e das Quad Cortex?
Pedro Alves: Nós usamos o plugin dos Gojira da Neural DSP. As guitarras depois estão ligadas à sessão do Reaper e está tudo programado para que as alterações sejam feitas de forma automática.
Falando agora da vossa discografia, vocês têm dois EPs editados de forma independente. Estão neste momento a planear um álbum com vista a ser lançado por uma editora ou sentem que faz mais sentido a edição de singles e EPs?
Pedro Alves: Nós temos muito material já gravado. Se aparecer alguma proposta interessante de uma editora arriscamos. Mas, para já com a nossa equipa, eu, o Vasco e o João estamos bem assim. Em termos de material novo temos um álbum gravado. Vai ser o melhor material que a banda já produziu e estamos à espera de lançá-lo este ano.
Um dos feitos mais interessantes da vossa banda foi a aparição da “Return To Gold” no canal de Youtube do Drew Fortune, um dos canais de reações de referência na cena. Como é que viram esta conquista?
Pedro Alves: Eu já acompanhava o canal dele e sabia que ele gostava muito desta cena do metalcore progressivo, Invent Animate, Currents e esse estilo de som e eu fiz uma doação para ele ouvir a nossa música e ele gostou bastante. Disse que foi a música da noite. É muito fixe podermos ver gente a reagir à nossa música pela primeira vez, é algo que me dá imenso gosto.
Vasco Santos: Eu adoro ver vídeos de reação e ver o Drew Fortune que é uma das pessoas que eu mais acompanhava na altura foi incrível.
Em baixo podes ver a gravação completa em pro-shot do concerto que a banda deu no Hard Club, no Porto, a 17 de Janeiro.