Kastelijns, Principezinho Lo-fi
Inspirado pelo Principezinho de Saint-Exupéry, Kastelijns criou Raposa, um bonito disco como testemunho de uma fase de amadurecimento pessoal.
Músico, artista plástico e “gente boa”. Pedro Kastelijns é tudo isso, e muito mais. É o criador de “Raposa”, um disco íntimo, distinto e bonito, que já ouvimos aqui pela redacção. Das dúvidas da adolescência, à emancipação da maioridade. «O “músico Kastelijns” sempre existiu, não com o nome “Kastelijns”, mas sempre esteve aqui. Eu canto e toco bateria desde cedo, e desde criança que sempre criei muitas melodias com a minha cabeça. Mas esse momento de “músico” só veio para valer no início de 2012, angustiado com o colégio, família e toda a minha vida. Aprender a tocar violão e gravar todas as ideias que me vinham à cabeça foi a forma como lidei com isso. E foi a partir desse momento que experimentei de verdade a coisa da música e da criação dentro de mim».
O goiano falou com a Arte Sonora para nos contar como nasceu, cresceu e amadureceu um dos artistas mais talentosos, interessantes e promissores do Brasil. Nos “olhos da raposa” é assim. Esse é Kastelijns.
Assim que começaste a fazer as tuas primeiras gravações, alguma vez pensaste e determinaste como objectivo gravar um disco, ou essa era uma ideia que estava “lalonge”?
Não, durante essas primeiras gravações em nenhum momento pensava em disco. Eu só sentava em frente ao computador e gravava um monte de maluquices. Era bem catártico.
Recentemente lançaste o single “Olhos de Raposa”, que após uma primeira audição parece apresentar uma espécie de fusão de música popular brasileira e electrónica. És apreciador de fusões e experimentações de géneros aparentemente diferentes e incompatíveis?
Sim, sem dúvida. Desde a gravação das músicas que estão em Raposa, que eu só cresci musicalmente e tenho experimentado cada vez mais coisas olhando principalmente para os ritmos do meu país. E além disso, também olhando para tanta coisa legal que está fora desse circuito nos Estados Unidos e Europa.
Para o lançamento de “Raposa” contaste com a ajuda do Benke Ferraz dos Boogarins. Podes dizer como surgiu essa parceria e apareceu a “Lalonge”?
O Benke me ajudou a conceber o “Raposa”, remixando e remasterizando essas faixas que eu já tinha gravado sozinho, e tudo isso foi em cima das masters das músicas porque eu não tinha mais o projecto delas. A parceria surgiu de uma amizade e essa amizade surgiu de um anúncio que coloquei como baterista num website por onde ele me contactou. O Benke já tinha uma ideia de selo para lançar as nossas coisas desde sempre, mas isso ficava só pelo plano. Foi então quando eu tive a ideia de lançar o “Raposa” e falei para o Benke de criarmos o nosso selo, sendo que o meu disco seria o primeiro lançamento.
A Raposa tem a ver com o Principezinho
E porquê Raposa? Alguma razão em especial?
A Raposa tem a ver com o “Pequeno Príncipe” (título brasileiro da obra de Saint-Exupéry). Para mim o encontro dos dois significa um momento de grande amadurecimento pessoal do príncipe e a aprendizagem de se encontrar consigo mesmo e lidar com as coisas do coração. Eu me sentia assim quando gravava as músicas que estão nesse disco. Além disso, também interpretei o Pequeno Príncipe numa peça, então rola uma identificação.
Para além da sua vertente acústica, psicadélica e experimental, “Raposa” tem um registo sonoro altamente lo-fi e “caseiro”. Que material e métodos usaste durante todo esse processo?
Eu gravei todas as músicas no computador com um microfone embutido dum fone de ouvido. A única excepção foi “Nu #1”, que usei um microfone condensador USB. No fim, passei tudo para uma fita K7.
És admirador de algum instrumento ou equipamento em especial? O que não dispensas ter para fazer a tua música?
Não! Para mim todo e qualquer instrumento, equipamento ou método de gravação é válido e tem grande potencial. O que não pode faltar é criatividade e ideias legais para aproveitar o que se tem em mãos.
“Raposa” é um daqueles discos cuja musicalidade surge sempre associada a imagens. Transportas o artista plástico que há em ti para a música que fazes?
Sim, sem dúvida. Apesar de que na época da gravação dessas músicas ainda não desenhava muito e ainda não havia começado a desenvolver um trabalho como artista plástico, as imagens já eram fortíssimas para mim. Ao conceber “Raposa” no ano passado, depois de estar desenvolvendo um trabalho com arte visual, ter feito os desenhos usados na arte do disco foi fundamental para mim. Mas hoje, sem dúvida, todo o som que crio tem uma enorme relação com a forma como desenho, pinto e uso as cores, ou vice-versa. Para mim são uma coisa só.
Acredito que a criação é algo extremamente vinculado ao íntimo
Nesse sentido, Raposa é na sua essência um disco íntimo e “reservado”, como se fosse um retrato teu. Isso faz parte do tal amadurecimento que falaste, ou no futuro poderás estar a fazer música menos profunda e intimista?
Não, de forma alguma, pois acredito que a criação é algo extremamente vinculado ao íntimo. Para criar preciso olhar para dentro, então tudo vai ser sempre a respeito das minhas profundezas pessoais. A questão é que “Raposa” foi criado num momento turbulento e usado como cura, não era algo que eu fazia pensando que as pessoas iriam se divertir e dançar enquanto escutavam, por isso, essa coisa do íntimo se sobressai bastante. Mas, hoje em dia, tenho pensado sobre como levar essa coisa do íntimo para a comunhão e ter começado a fazer shows das minhas músicas é um reflexo disso. Por exemplo, o meu último single, “Olhos da Raposa”, já tem momentos mais dançantes. Quem sabe no futuro eu faça algo mais profundo e intimista que o “Raposa”? Ou algo dançante e extremamente pop? É sempre uma transformação, e que bom que é assim.
Ainda neste contexto, a tua música transparece uma atmosfera tranquila, enigmática, tropical. De alguma forma, isso está directamente relacionado com a tua raiz, com Goiânia e o Brasil?
Pode ser que sim, mas acho que inconscientemente! Eu não pensava muito nisso e, na verdade, naquela época, o último lugar que eu gostaria de estar era Goiânia (ou talvez eu não quisesse nem mesmo estar em algum lugar). Acho que apesar de ter uma canção como “Praia”, muitas das músicas me lembram florestas da Europa e coisas assim. Eu tinha uma visão totalmente eurocêntrica do mundo naquela época, principalmente por cantar em inglês. Mas isso não faz mais parte de mim. Hoje acho que existe um olhar muito maior para Goiânia, Brasil… ou lugares exóticos também, por exemplo.
Goiânia já foi apelidada da Seattle Brasileira. Nos últimos tempos daí vieram nomes como Carne Doce, Luziluzia e Boogarins. Como anda a “cena” roqueira por aí?
Sim, temos estas bandas bem legais daqui. Mas pelo restante da cena, nada tem me empolgado de verdade, até porque tenho me interessado cada vez menos por “rock”. Mas tem a Bruna Mendez, por exemplo, que tem canções muito bonitas e tenho tocado guitarra nos shows dela. Tem também o Bruno Abdala que faz coisas electrónicas bem legais.
Para terminar, como descrevias “Raposa” aos teus ouvintes e aos leitores?
“Raposa” é um disco com canções de um menino que estava passando por uma fase bem complicada da vida, ele começou a gravar sons para superar isso. Com pouquíssimo equipamento ou experiência, camadas de vozes, violão e sujeira deram vida às imagens e cores que passavam pela cabeça de alguém que só queria estar longe.