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Crise do Vinil: Jack White, Major Labels & Mercado Português

Crise do Vinil: Jack White, Major Labels & Mercado Português

Nuno Sarafa

O problema dos preocupantes atrasos que se verificam a nível mundial nas fábricas de prensagem de discos de vinil acaba de conhecer novo capítulo, depois das recentes declarações de Jack White. Guitarrista faz apelo – com carácter de urgência – às principais editoras.

Comecemos pelo princípio e pela contextualização. Na última década e meia, as vendas de discos de vinil giraram para números que já se julgavam inimagináveis – tendo em conta a decadência ou crise na indústria fonográfica a nível global. Em 2021, ultrapassaram mesmo as vendas de CD’s, algo que não acontecia desde os anos 1980.

Segundo a British Phonographic Industry (BPI), em 2021 foram vendidos mais de 5 milhões de discos de vinil, o que aporta um aumento de 8% em relação a 2020. Foi mesmo o 14º ano consecutivo em que o formato conheceu um forte aumento das vendas.

Os dados da BPI assinalam ainda que 23% das vendas de todos os álbuns foram em discos de vinil – num pódio composto por “Voyage”(ABBA), “30” (Adele) e “Seventeen Going Under” (Sam Fender). Isto, apesar dos conhecidos atrasos na produção de discos de vinil verificados no ano transacto. Um problema que se tem agravado e que tende a piorar.

Os atrasos terão começado depois de, no dia 19 de Novembro de 2021, ter sido editado “30”, o quarto álbum de Adele. Segundo a Variety, a Sony Music requisitou, para a primeira tiragem do LP de Adele, mais de meio milhão de cópias para satisfazer a procura no meio do actual boom do vinil, o que exigiu o cumprimento de prazos antecipados, com fábricas sobrecarregadas e que deixaram muitos artistas à espera – literalmente na fila – durante nove, dez meses. Algumas dessas fábricas foram obrigadas a atrasar as entregas e outras paralisaram mesmo as suas produções.

Por força desses atrasos e/ou paralisações, artistas gigantes como Taylor Swift, Elton John ou Coldplay enfrentaram pela primeira vez nas suas carreiras problemas para editarem os seus discos. E se pensarmos nos artistas independentes, então o cenário criado em parte pela estrela inglesa não poderia ser mais desolador. Encomendar um disco de vinil passou agora a ser uma aventura altamente dispendiosa e um exercício de pura paciência que pode levar a qualquer coisa como um ano de espera. Ou mesmo mais.

«Mesmo sem Adele, o problema ainda existiria», explicou recentemente Chris Marksberry, director executivo da representante mundial de fabrico de vinil Sound Performance. «Conforme a demanda se torna maior, as pessoas compram mais, então o pedido inicial de todos será maior do que seria há 12 meses», explica ainda.

Apesar do que muito se tem dito e escrito acerca da culpa de Adele em todo este processo, convém parar para pensar e assumir que o principal vilão acabam por ser os próprios consumidores. Somos nós os responsáveis pelo excesso de procura. E se esta já vinha numa curva ascendente antes da pandemia, essa mesmo curva escalou no último ano e meio. Segundo dados da Billboard, a capacidade de produção de todas as fábricas do mundo é de 160 milhões de cópias por ano, mas as exigências do mercado já representam mais do dobro.

É mais fácil comprar uma prensa de vinil agora do que foi em quatro décadas

Recentemente, a crise da prensagem de discos de vinil conheceu novos desenvolvimentos com a intervenção certeira de Jack White, o guitarrista que criou em 2001 a label independente Third Man Records. Seis anos depois de abrir portas, a editora de White passou a ter a sua própria fábrica de prensagem, sítio a partir do qual o guitarrista faz agora um apelo, através de um vídeo e de um comunicado. O músico insta as três principais editoras mundiais – Sony, Universal e Warner – a criarem as suas próprias fábricas de prensagem.

Num curto vídeo intitulado “A Plea To The Three Global Major Labels From Jack White“, o músico de Detroit percorre a sua própria fábrica e aborda o problema da cadeia de fornecimento de vinil, dada a popularidade ressurgente do formato aliada à escassez de matérias-primas no planeta. «Estamos em 2022 e já não é uma moda – os discos de vinil explodiram na última década, e a procura é incrivelmente elevada. Uma pequena banda punk não consegue ter o seu disco em menos de 8 a 10 meses. Como disseram uma vez os MC5: ‘Ou fazes parte do problema ou fazes parte da solução’».

«Embora a totalidade do investimento e enquadramento do vinil na última década tenha tido origem em empresas e investidores independentes, os maiores problemas que agora vemos requerem grandes soluções», escreve White na declaração que acompanha o vídeo. «Neste espírito, dirijo-me aos nossos irmãos maiores do mundo da música, a Sony, a Universal e a Warner, e imploro-lhes educadamente que ajudem a aliviar este infeliz atraso e comecem a dedicar recursos à construção das próprias fábricas de prensagem. Para ser claro, a questão não são as grandes editoras versus pequenas editoras, não é independente versus mainstream, não é sequer punk versus pop. A questão é, simplesmente, temos TODOS criado um ambiente onde a procura sem precedentes de discos de vinil não consegue acompanhar a oferta dos mesmos».

Comunicado de Jack White na Íntegra:

«Pelo menos uma vez por semana, alguém me pede para ajudar a acelerar o fabrico do seu disco de vinil. É um pensamento natural… sabendo que sou dono de uma prensa e que tenho a minha própria editora discográfica, “se alguém pode ajudar, é este gajo!”

Com os tempos de reviravolta da indústria do vinil actualmente inclinados para a duração de uma gravidez humana, é óbvio que, num mundo tão dependente do momento e tão cronometrado (um single, um álbum, uma digressão, etc.), estas linhas de tempo são assassinas do impulso, da alma, da expressão artística e, com demasiada frequência, da subsistência.

Tenho feito tudo o que está ao meu alcance para ajudar. A Third Man Records iniciou um enfoque concentrado no vinil em 2009, com a esperança de expor o seu potencial mais vasto aos mais longínquos horizontes da indústria musical. Em 2017, promovi o meu compromisso ao abrir a Third Man Pressing… uma fábrica que sempre esteve aberta a qualquer pessoa e a todos os que entram pela porta e querem gravar um disco, desde artistas de hip-hop de quarto a documentaristas. E, no último ano, dupliquei e investi em ainda mais prensas de gravação, mais empregados para as gerir, e mais turnos para tentar acomodar a procura insana crescente de discos de vinil.

Há pessoas que dirão – isso não é bom para a Third Man? Mais procura do que aquela que se consegue aguentar? Ao que eu digo, embora a Third Man beneficie a curto prazo, a longo prazo acaba por prejudicar todos os envolvidos no ecossistema do vinil devido aos engarrafamentos e aos atrasos. Algo tem de ser feito.

Embora a totalidade do investimento e enquadramento do vinil na última década tenha tido origem em empresas e investidores independentes, os maiores problemas que agora vemos requerem grandes soluções.

Neste espírito, dirijo-me aos nossos irmãos maiores no mundo da música, a Sony, a Universal e a Warner, e imploro-lhes educadamente que ajudem a aliviar este infeliz atraso e comecem a dedicar recursos à construção das próprias fábricas de prensagem.

Para ser claro, a questão não são as grandes editoras versus pequenas editoras, não é independente versus mainstream, não é sequer punk versus pop. A questão é, simplesmente, temos TODOS criado um ambiente onde a procura sem precedentes de discos de vinil não consegue acompanhar a oferta rudimentar dos mesmos.

Em todo o mundo, há agora um punhado de NOVAS empresas, construindo tanto prensas de vinil automáticas como manuais. É mais fácil comprar uma prensa de vinil agora do que tem sido nas últimas quatro décadas. E com mais inovadores auxiliares a aparecerem todos os dias, ajudando a fazer avançar todas as facetas da indústria, esta não é uma decisão difícil de tomar. É uma decisão fácil.

Estamos todos na mesma equipa com os mesmos objectivos. Acredito verdadeiramente que com um investimento de boa-fé nas infra-estruturas que nos trouxeram até aqui, podemos continuar nesta trajectória ascendente e inspirar ainda mais os mundos à nossa volta. Agora é a altura certa. Obrigado.

Jack White»

E Portugal?

Os artistas portugueses não escapam a este problema, até porque a maioria dos discos de vinil são produzidos fora de portas.

No entanto, foram criadas recentemente mais soluções dentro do nosso rectângulo, como é o caso da Grama Pressing, uma nova unidade de prensagem de vinil sediada na zona do Porto, mais concretamente na Maia, e que presta um serviço completo na produção de discos de vinil, desde a masterização à prensagem, passando por todas as soluções de embalagem.

A funcionar a todo o gás desde Setembro de 2021, a empresa diz aceitar pedidos de pequenas tiragens (a partir de 100 exemplares) e garante um tempo de resposta rápido. Falámos com Jorge Álvares, um dos sócios da empresa, que nos explicou que «o tempo máximo para cada entrega é de 12 semanas, o que é óptimo e uma das grandes vantagens para quem trabalha com a Grama».

Em cerca de meio ano de actividade, a Grama diz receber mais ou menos 20 encomendas por mês, tendo já realizado 110 entregas no total, seja para consumo interno, seja para o mercado internacional. Com fornecedores na Alemanha, a Grama tem actualmente como principais clientes a Sony e a Valentim de Carvalho, além, claro, de editoras independentes ou mesmo artistas em nome próprio.