ENTREVISTA | Steffen Kummerer, uma reflexão sobre duas décadas de Obscura, novo álbum e guitarras
Os Obscura vão regressar a Portugal para apresentar o novo álbum “A Sonication”. Estivemos à conversa com o guitarrista e vocalista Steffen Kummerer.
Com mais de duas décadas de carreira, sete álbuns lançados e quase 900 concertos em todo o mundo, os Obscura são uma das bandas mais respeitadas do death metal progressivo. Em entrevista, o vocalista e guitarrista Steffen Kummerer falou sobre o recente “A Sonication”, a evolução sonora do grupo e o processo criativo por trás do novo álbum, que marca a segunda parte de uma trilogia iniciada em 2021.
“A Sonication”, editado a 7 de Fevereiro, é descrito como uma jornada mais introspectiva e melancólica, com arranjos mais complexos e camadas sonoras ricas, que distanciam o trabalho das produções anteriores.
Nesta entrevista Steffen fala-nos sobre a experiência de gravar nos renomados Studio Fredman na Suécia, as diferenças no processo de criação e gravação em comparação com o álbum anterior, “A Valediction”, e as influências técnicas por trás do característico som dos Obscura. O artista revela também como a evolução do equipamento, desde as primeiras guitarras até as configurações actuais de palco, tem sido parte essencial da identidade da banda, enquanto exploram inovações sonoras e novas possibilidades para seus futuros projetos.
O aguardado retorno do projecto criado há mais de 20 anos por Steffen Kummerer acontece no LAV – Lisboa Ao Vivo, no dia 10 de Fevereiro de 2025, numa data inserida na sua Silver Linings Tour 2025.
Mais de 20 anos de carreira, seis álbuns e centenas de concertos, para quem está só agora a descobrir os Obscura, qual o álbum que recomendarias como o ponto de partida? O que distingue esse álbum dos outros?
Com “A Sonication” estamos a caminho do nosso sétimo álbum de estúdio em 23 anos. Se contarmos corretamente, já realizámos cerca de 900 concertos em todos os cantos do planeta e não temos intenção de parar. Para mim, o álbum mais recente representa sempre a melhor forma de entrar nesta jornada. Vivo no presente, não no passado. Embora me orgulhe dos álbuns que lançámos anteriormente, o mais recente é sempre o que define a direção e mostra o estado atual da banda. Recomendaria “A Sonication” a todos para se juntarem a esta viagem e, mais tarde, descobrirem os álbuns anteriores como ponto de partida.
Em que aspectos “A Sonication” se destaca em relação aos vossos álbuns anteriores? Como este álbum reflete a evolução da banda ao longo dos anos?
“A Sonication” é a segunda parte de uma trilogia que iniciámos em 2021. Enquanto o álbum de estúdio anterior abordava despedidas em vários formatos, o novo álbum apresenta uma atmosfera mais introspetiva, quase melancólica, com um ritmo diferente dos trabalhos anteriores. Todo o disco tem um toque mais humano, menos editado e polido, o que o torna ao mesmo tempo puro e frágil. Para mim, a intenção de destacar a individualidade de cada músico envolvido torna-se cada vez mais evidente. Prefiro álbuns que respiram, que têm espaço para dinâmicas e que deixam uma marca pessoal, em vez de discos demasiado polidos e sobre-produzidos. “A Sonication” tornou-se um marco na nossa carreira e um álbum que apresenta uma vasta paleta de sons.
Prefiro álbuns que respiram, que têm espaço para dinâmicas e que deixam uma marca pessoal, em vez de discos demasiado polidos e sobre-produzidos.
Como foi o processo de gravação do novo álbum nos Studio Fredman? Quais as principais diferenças no processo de escrita e gravação em relação a “A Valediction”?
Viajar para a Suécia e gravar no Studio Fredman com Fredrik Nordström e a sua equipa foi, mais uma vez, uma experiência fantástica. Sinto-me completamente bem-vindo na cidade, no ambiente do estúdio e, acima de tudo, junto de todas as pessoas com quem trabalhamos em Gotemburgo. O estúdio tem uma excelente seleção de equipamento e, com o Fredrik, um engenheiro e produtor talentoso, a experiência torna-se ainda mais agradável. Enquanto “A Valediction” foi o primeiro álbum que gravámos e produzimos na Suécia, este novo álbum tornou-se o terceiro, incluindo o nosso álbum ao vivo “A Celebration I – Live in North America”, que destaca a assinatura sonora dele. Para este novo álbum, procurámos criar uma autêntica “parede de som”, com arranjos mais complexos e mais camadas sonoras, proporcionando uma experiência auditiva diferente. Há muitos detalhes que podem ser descobertos ao longo de várias audições. Recomendo ouvirem o álbum com uns bons auscultadores para apreciar a profundidade do som e todo o panorama dentro da excelente mistura.
O título “A Sonication” sugere transformação através do som. Podemos esperar uma mudança na identidade musical dos Obscura com este novo trabalho?
Há uns anos atrás, deparei-me com o termo e apaixonei-me por ele desde então. Numa altura em que trabalhava com psicoacústica, vibroacústica e lia sobre o “ouvido interno ” (a parte mais profunda do ouvido) e ideias semelhantes, fiquei bastante fascinado. “A Sonication” pode ser interpretado a partir de um ponto de vista físico rigoroso, associado ao movimento das partículas com o som, ou, alternativamente, a partir de uma perspetiva mais poética sobre como a música pode transformar a concepção de algo.Se tiveste o pior dia da tua vida, a música pode mudar tudo e transportar-te para um mundo diferente – pelo menos durante algum tempo. Esta dualidade atrai-me imenso, e Eliran Kantor visualizou e interpretou a ideia com a sua perspetiva e arte de forma perfeita. Obscura sempre foi uma banda de death metal na sua essência, e isso não vai mudar. A banda tem sido consistente ao longo de quase duas décadas, e não disso vai mudar.
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Capa do álbum feita por Eliran Kantor.
Vocês já têm ideias ou material em mente/gravado para o álbum que fechará a trilogia, ou ainda é muito cedo para começar a planear essa etapa?
Já temos algumas ideias para o próximo álbum, desde letras, à música, som e estética visual. Prefiro recolher ideias durante bastante tempo e depois formar o álbum do início ao fim de uma só vez, com o mindset certo. Estamos prestes a lançar o nosso 7.º álbum de estúdio e o meu foco tem estado totalmente no lançamento e nos próximos concertos ao vivo, digressões e produções de espetáculo.
Como foi a evolução do teu gear ao longo dos anos? Há algum equipamento antigo que sentes saudades ou que ainda usas por nostalgia?
Desde 2008 ou 2009 que uso amplificadores ENGL e encontrei o meu som com esses excelentes amplificadores. Até hoje, trabalho com o mesmo amplificador de ensaio no meu estúdio para gravar ideias, e mudo os amplificadores principais apenas para alterar o processamento de certos sons. O meu amplificador favorito há anos tem sido o ENGL Savage, que combina todos os aspetos das minhas preferências. Quando se trata de guitarras, continuo a tocar com o mesmo modelo custom desde 2003. O modelo foi desenvolvido a partir de uma guitarra de 6 cordas para uma de 7 cordas e foi construído com madeiras e materiais diferentes, mas mantém os contornos. Em geral, não sou um colecionador de guitarras ou de gear. Tenho o hábito de manter o meu equipamento em vez de estar sempre a comprar material novo. Fico feliz que os tempos tenham mudado e que me tenha livrado do meu gravador de 4 pistas com o qual gravei as demos dos primeiros dois álbuns. Hoje em dia, o software e o equipamento de estúdio tornaram-se acessíveis e com uma qualidade excelente, dando mais oportunidades aos artistas para gravar e lançar as suas ideias.
Qual foi a tua primeira guitarra? Ainda a guardas como recordação ou já te desfizeste dela? E quanto ao teu primeiro set de pedais/amps, lembras-te de quais usavas no início da tua carreira?
A minha primeira guitarra comprei-a aos 16 anos, e passados alguns meses formei os Obscura. O nosso antigo guitarrista, Armin Seitz, ficou com esse modelo, que era uma Jackson, enquanto eu procurava outros formatos de guitarra que me permitissem descobrir novas formas de tocar. Lembro-me do meu primeiro amplificador a válvulas, um Laney de 100 Watts, que a minha loja de música local modificou para torná-lo numa máquina de ganho alto que soava de forma abismal e com muita distorção. Quando começámos, não sabíamos nada sobre equipamento e trabalhávamos com tudo o que podíamos pagar, pedir emprestado ou arranjar na altura. Não havia lojas online, por isso íamos simplesmente às lojas de música locais e experimentávamos tudo o que as lojas tinham para oferecer até encontrarmos algo que soasse de acordo com o nosso gosto.
Quando gravam os álbuns, preferem uma abordagem mais analógica ou digital? E como transportam a complexidade sonora do estúdio para os concertos ao vivo, mantendo a essência de cada álbum? O setup usado em estúdio é muito diferente do usado ao vivo?
Para mim, não há certo ou errado nas técnicas que escolhes em estúdio, ao vivo ou em qualquer outra forma de produção. Pessoalmente, prefiro um som puro e autêntico, por isso o meu signal chain foi reduzido a uma guitarra, cabo e amplificador a válvulas com uma excelente coluna 4×12″. Todos os elementos desta cadeia são de altíssima qualidade, até nos menores detalhes, para manter a sensação e o som da minha performance. Uso as mesmas guitarras, amplificadores e colunas tanto no estúdio como em digressão. Por vezes, um modelo de amplificador pode ser alterado, de acordo com o que foi utilizado na produção dos álbuns, mas precisa de ser algo consistente.
Quais são os amplificadores e pedais essenciais para criar o som característico dos Obscura ao vivo? Existe algum efeito ou técnica que se tornou uma assinatura da banda no palco?
Para além dos sons de solo/lead e alguns efeitos clássicos para o som limpo, não há processamento no meu som ao vivo. A minha performance combinada com a minha guitarra ESP Custom, pickups EMG, cordas Ernie Ball e a cabeça e coluna ENGL, é tudo o que preciso. A única característica distinta, além de certos ajustes de EQ, são as minhas configurações de ganho – para manter todas as notas audíveis, reduzi a secção de ganho para cerca de 5-6db em 10db, para garantir que todos os transientes se destacam, mesmo nas secções rápidas e complexas. Clareza misturada com peso e ajustes selecionados de ganho/EQ fazem uma enorme diferença.
O setup não mudou nos últimos anos, mas para a produção da digressão Silver Linings, estou ansioso pela versão mais recente de um instrumento custom com o qual temos vindo a trabalhar há cerca de um ano. Tudo depende da custom shop no Japão.
Qual é o setup actual que usam nos concertos? Algum equipamento novo que tenham incorporado na ‘Silver Linings Tour 2025’?
O setup não mudou nos últimos anos, mas para a produção da digressão Silver Linings, estou ansioso pela versão mais recente de um instrumento custom com o qual temos vindo a trabalhar há cerca de um ano. Tudo depende da custom shop no Japão. Espero que o instrumento chegue antes da digressão começar. Analisámos mais detalhes e adicionámos alguns materiais diferentes para atingir diferentes níveis de tocabilidade. Estou ansioso para apresentar o material do novo álbum e ver/ouvir a reação dos nossos fãs em relação às músicas.
As tuas guitarras são icónicas no som dos Obscura. Que modelo ou características específicas procuras numa guitarra para equilibrar a complexidade técnica com o peso necessário para o death metal progressivo?
Existem inúmeros fabricantes excelentes de guitarras no mundo, mas cada músico tem exigências físicas diferentes, prefere especificações e sons distintos. Para mim, uma guitarra precisa de estar em equilíbrio no som, na ergonomia e na combinação da sua aparência com o músico. Em cada edição da minha guitarra custom, trabalhámos diferentes detalhes para facilitar diferentes estilos ou técnicas de execução. No modelo mais recente, a ESP adicionou trastes escavados para melhorar o sustain e a definição das notas em tapping e nos ligados. Reduzimos um pouco o peso com o uso de diferentes madeiras e equilibrámos o instrumento na posição da correia enquanto tocamos ao vivo. É um prazer partilhar ideias com a custom shop da ESP e ouvir as suas sugestões e contribuições. Tenho o prazer de trabalhar com artesãos tão talentosos e tive a honra de visitar a oficina nos EUA e a sede no Japão há algum tempo.
A tua ESP Custom é incrível. Já pensaste em criar outro instrumento customizado no futuro? Se sim, podes revelar algumas ideias ou inovações que tens em mente ou que gostarias de fazer?
O modelo tem acompanhado os Obscura desde 2003, quando a sua primeira versão foi construída pela empresa polaca RAN Guitars. Infelizmente, a empresa fechou há alguns anos. Com a ESP, encontrei a empresa certa para partilhar ideias e inovações, mantendo o formato característico e desenvolvendo novas ideias de vez em quando. Para mim, a tocabilidade e o som são fundamentais. Com o modelo mais recente já fiz cerca de 250 concertos e o instrumento está em excelente estado e toca de forma fantástica. Gostaria de explorar mais materiais diferentes, madeiras e experimentar com diferentes conjuntos de pickups para ver como posso ajustar os sons.
Se entrássemos na tua plataforma de streaming agora, qual seria o último álbum que ouviste? E qual foi o álbum que mais ouviste em 2024?
“Kids in a Ghost Town”, dos Nestor foi o meu álbum mais ouvido em 2024. Um grande disco, uma banda fantástica. Neste momento, estou a ouvir o novo álbum da banda de metal sueca Tribulation.