The Guitar Barrel Project: A Apresentação das Seis “Guitarras do Marquês”
O The Guitar Barrel Project foi finalmente apresentado no dia 14 de Maio na Adega do Palácio do Marquês de Pombal, em Oeiras. O conjunto de guitarras foi revelado ao público numa exposição na adega, com cinco dos seis luthiers a fazerem à tarde uma apresentação detalhada da sua criação. À noite visualizou-se nos jardins do Palácio o documentário que retrata todo processo, desde a descoberta das madeiras até ao produto final, passando pela produção dos instrumentos. A Arte Sonora esteve lá a acompanhar o lançamento e destaca aqui as várias particularidades de cada uma das guitarras.
O “The Guitar Barrel Project”/ ” Guitarras do Marquês” nasceu de uma sucessão de acasos felizes que vieram a promover a produção de seis guitarras de autor, com madeira de tonéis de mogno do séc. XVIII, uma edição especial de um vinho estagiado numa pipa da mesma madeira e um filme que conta e toca toda esta mesma história!
Tudo começou com o que é a mais mágica das descobertas para um fabricante de guitarras: um monte de madeira velha, interessante.
À procura de madeira de mogno de qualidade para as suas guitarras, o luthier Português Adriano Sérgio decobriu uma pilha deste tipo de madeira, mesmo nas traseiras de um armazém. Descobriu que a madeira vinha de barris de vinho velhos, armazenados num estado desmontado, empoeirado e ainda cobertos com a essência do vinho que continham. Mas alguns golpes com a plaina manual revelaram a rica tonalidade do Mogno por baixo sujidade – maduro para o fabrico das guitarras. Adriano contou ao seu amigo e colega Ulrich Teuffel sobre esta descoberta e a oportunidade de comprar esta madeira.
Ao pesquisar a história dos barris Adriano descobriu que tinham pertencido à propriedade do Marquês de Pombal, uma figura significativa na história de Lisboa.
Inspirados no contexto histórico da Madeira, Adriano e Ulrich tiveram a ideia de um projeto, que honraria a história desta madeira, colocando-a nas mãos de um grupo de luthiers artesanais selecionados, recuperando-a e dando-lhe um novo propósito e vida.
O seis luthiers selecionados viriam a aplicar a sua inspiração e artesanato neste Mogno de Carcavelos exclusivo com mais de 250 anos e a criar seis guitarras únicas.
Em 2018 Adriano Sérgio, Andy Mason, Claudio & Claudia Pagelli, Michael & Tania Spalt, Nik Huber e Ulrich Teuffel encontraram-se em Lisboa, para descobrir entre si a madeira e partilhá-la. As guitarras seriam construídas no segredo das oficinas dos luthiers, para não serem mostradas até que estivessem terminadas.
Assim nasceu o projeto “Guitarras do Marquês”. Cresceu ainda mais, quando o Município de Oeiras, através do projeto do vinho de Carcavelos Villa Oeiras, sediado ainda hoje na antiga Quinta do Palácio do Marquês de Pombal, contactou Adriano e manifestou o seu desejo de se envolver no projeto. O Villa Oeiras recebeu assim peças suficientes para recriar dois barris e desenvolver um vinho muito especial.
A construção das guitarras foi documentada por uma equipa de filmagem, que visitou a oficina de cada luthier, durante o processo de construção e gravou imagens e entrevistas exclusivas.
Passados cinco anos, o projeto chegou finalmente ao fim com a apresentação das guitarras ao público, que contou com uma conversa com os luthiers e com o visionamento do documentário. A Arte Sonora esteve presente no evento e destaca aqui as várias particularidades de cada uma das guitarras que foi apresentada.
Claudio & Claudia Pagelli
No projeto das Pagelli Guitars, Claudia encarrega-se de fazer o design da guitarra e Claudio executa as ideias que estão expressas no papel, ou seja o trabalho manual. «Quando começámos a pensar na guitarra sabíamos que queríamos ter em conta a história, o terramoto e o mogno precioso», diz Claudio. «Esta guitarra apresenta uma única peça de madeira, na parte de trás é possível ver que há cerca de 250 anos atrás, alguém, talvez uma criança ou um homem pequeno, estava a trabalhar com o seu machado no interior do tonel, e nós queríamos respeitar isso. Na parte da frente, vêm as marcas que nós fizemos. Nós queríamos demonstrar o impacto do terramoto, que destruiu tudo, portanto raspámos a madeira com recurso a uma máquina e queimamo-la para representar o fogo. As barras laterais representam as ondas do tsunami, tal como os trastes, que proporcionam uma entonação perfeita, mas escolhemo-los porque também representam a destruição do terramoto. Quanto às cravelhas, escolhemos estas porque à 250 anos atrás esta era a tipologia de cravelhas que era utilizada nos violinos, portanto é uma combinação do moderno com o antigo. Na construção da guitarra não foi utilizado qualquer parafuso.»
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Nik Huber
«Se observarem com atenção a guitarra vão logo ver que na escala estão desenhados no inlay alguns dos mais reconhecidos edifícios de Lisboa. Para mim esta foi a inspiração para ir da Lisboa antiga, e da destruição do terramoto, para a nova Lisboa», diz Nik Huber. «No arremate, que segura as cordas e que vem de uma guitarra de jazz archtop, vão encontrar gravado o mapa que foi desenhado depois de 1755 para construir a nova Lisboa. Quanto às ideias para o visual da guitarra, muitas delas surgiram no Palácio do Marquês de Pombal, quando estive aqui pela primeira vez, quando vi todos os detalhes do edifício, as pinturas. Quando vim cá tirei fotografias às decorações das janelas, e repliquei-as na guitarra. Tal como a Claudia e o Claudio também usei a madeira inalterada do interior dos tonéis com as marcas à mostra. Este cavalheiro na parte de trás está também numa pintura no teto do palácio e achei interessante porque mostra alguém a beber vinho, é um inlay em madrepérola. No geral eu sou um construtor de guitarras tradicionais, portanto todo o rebordo do topo é em madrepérola e representa os motivos artísticos utilizados no período barroco. Para representar o terramoto gravei na guitarra a famosa frase do Marquês de Pombal “enterrar os mortos e cuidar dos vivos”. Por último, para decorar ainda mais a guitarra, estive a ler sobre Nuno Álvares Pereira, e soube que o seu túmulo foi destruído no terramoto, por isso coloquei o seu brasão na placa do truss rod.»
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Adriano Sérgio
«Decidi desenhar esta guitarra no dia 1 de Novembro de 2018, às 9:00 da manhã, à hora do terramoto, e quis ver o que conseguia fazer no tempo que o terramoto durou, cerca de 18/20 min.», diz Adriano. «A conselho do Alexandre Lisboa (responsável pelo projeto Carcavelos Villa Oeiras), às 9:00 abri uma garrafa de Carcavelos para beber um gole. Comecei a desenhar, demorei 18 minutos, e um ano depois, no mesmo dia, comecei a trabalhar na guitarra. A minha primeira inspiração, a primeira coisa que me veio à cabeça, foi o formato da guitarra portuguesa, Lisboa e Coimbra, e há uma relação entre o aparecimento da guitarra portuguesa e o séc. XVIII. Depois pensei em representar o terramoto, o tsunami, a falha tectónica, o azul, o verde, o fogo, a zona rica da Praça do Comércio, a Ópera do Tejo, que era o edifício mais luxuoso da Europa, acabadinho de fazer, a zona mais pobre e a cruz voltada ao contrário porque a religião foi posta em questão, as pessoas estavam nas igrejas, morreram soterradas ou queimadas, e as pessoas que viviam em Campo de Ourique, “rés-vés Campo de Ourique”, que era a zona de jogo, prostituição sobreviveram. Por isso é que o iluminismo se interrogou, “porque é que as pessoas boas que estavam celebrar o Dia de Todos os Santos morreram e aquelas que estavam no deboche sobreviveram?”. O braço representa a Avenida da Liberdade e para a construção da guitarra usei quase exclusivamente madeira, apenas o pickup e os carrilhões não são de madeira. A ponte é uma caravela portuguesa virada ao contrário, e os controlos são barris. Na parte de trás, temos a vela latina e temos um esboço do símbolo do Marquês de Pombal e dos irmãos, o símbolo da “Concordia Fratrum”.»
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Ulrich Teuffel
Como Ulrich Teuffel não pôde estar presente, foi Tania Spalt quem leu a apresentação da sua guitarra. «A minha guitarra é uma recriação de uma situação imaginada do momento depois do terramoto», diz Ulrich no seu texto. «Na minha imaginação eu tenho andado pela cidade devastada de Lisboa a recolher pedaços de madeira e objetos (…) Nos dias seguintes juntei os pedaços de madeira numa forma para serem reanimados como uma guitarra. Para concretizar esta ideia, peguei na madeira de Carcavelos e raspei e queimei várias partes. Para colar as várias partes foi usada uma receita da altura em que se misturava pó de madeira, cinza e outras coisas, que era usado para sarar feridas, e que se transforma em cola. As partes em metal são feitas de latão e foram retiradas das toneiras dos tonéis, que derreti e modelei para fazer a ponte, os controlos e a ponta do seletor. O azul ultramarino da parte superior do braço é feito com base na receita do azul Yves Klein, o que para mim é a ligação entre a era histórica de Lisboa e a era moderna.»
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Andy Mason
«Eu queria fazer uma guitarra essencialmente prática.», diz Andy. «Mas queria fazer uma guitarra que lembrasse a época barroca e a história do terramoto. Na parte de trás vemos a representação de um tonel a explodir, o fogo e a guitarra elétrica a apresentar-se como uma analogia ao simbolismo da fénix e à ideia de renascimento. As formas onduladas da guitarra e as suas curvas representam a arquitetura do tempo e os ornamentos presentes nos edifícios.» No documentário, Andy Mason refere que se inspirou no design dos instrumentos de Orville Gibson, fundador da Gibson, que por sua vez se inspirou nos designs curvilíneos dos violinos.
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Michael & Tania Spalt
«Quando o Ulrich e o Adriano falaram comigo sobre este projeto aquilo que me interessou foi o seu significado histórico», diz Michael. «Esta guitarra representa, de certa forma, a sequência histórica, com o dourado aqui a simbolizar a energia do terramoto. O período antes do terramoto foi talvez o mais próspero de Portugal (…), mas era também uma altura muito negra em termos intelectuais, com o domínio da Inquisição. Com o terramoto houve uma mudança no pensamento e na filosofia, e podemos ver isso na escala, nos inlays com as chamas a representar a Inquisição, os Autos de Fé, o fumo, os pensamentos e as ideias queimadas. No topo está um ponto de interrogação que representa a nossa forma de viver e de questionar tudo, e para mim isso é a essência do Iluminismo. A parte de trás a guitarra tem uma peça central que segura todos os elementos acústicos.»
Em relação ao documentário não foi referido se este irá estar disponível no futuro para visualização online, mas tudo indica que sim. Para tal, estejam atentos ao site do The Guitar Barrel Project.