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ENTREVISTA | The Weatherman, Retrovisor Para o Futuro

ENTREVISTA | The Weatherman, Retrovisor Para o Futuro

Nuno Sarafa

Cinco anos depois de “Eyeglasses For The Masses”, o universo The Weatherman volta a dar sinal de vida hoje, 26 de Fevereiro, com o disco “All Cosmologies”, o quinto longa-duração do músico portuense nascido Alexandre Monteiro.

A Arte Sonora entrevistou o compositor multi-instrumentista Alexandre Monteiro, também conhecido por The Weatherman, que nos mostrou todas as facetas do seu novo disco, disco esse que vai ser transposto para o cinema com uma curta-metragem realizada por Vasco Mendes, com a actriz Carolina Amaral no papel de Valentina, a personagem principal da narrativa que serve de base para a ópera pop que é “All Cosmologies”, um lançamento da recém-criada editora de Marco Lima, a Spectacular Sounds Of Fury. Chegou ao mercado em formato digital e em vinil, numa edição limitada de 300 cópias, que podes adquirir aqui.

Alexandre Monteiro considera que lançar um disco em plena pandemia acaba por ser a melhor forma de um artista lidar com a situação. Até em termos psicológicos. «Porque não nos devemos deter, ou ficar eternamente à espera que tudo passe. Temos de continuar a trabalhar e mostrar que estamos vivos. E já não há alturas boas ou más para se lançar um disco, portanto, esta é a altura para o fazer».

Com um percurso discográfico iniciado em 2006, Alexandre faz agora alguns cortes com o passado, aventurando-se por territórios não explorados. A sua obra continua a ter, no entanto, os característicos elementos auto-biográficos, ficcionais, psicadélicos e pós-apocalípticos. Entre novos amores, erros colectivos, mentiras e tempestades digitais que abalam o planeta, “All Cosmologies” pretende ser um disco que se projecta no futuro através de uma viagem ao passado e presente da sociedade actual.

Anuncias este álbum como sendo uma ópera pop, mas não o serão todos, logo a começar pela estreia em 2006 com “Cruisin’ Alaska”, mas ainda mais vincadamente com “Jamboree Park At The Milky Way”, de 2009?
Os meus outros discos não são assumidamente óperas pop, mas, de facto, se os ouvirmos todos, essa semente já existe. Conscientemente, nunca cheguei a perceber que os discos que estão para trás têm esse conceito, mas, na verdade, pensando bem, têm, principalmente o “Jamboree…”. Só não o é totalmente porque não tem esse elemento fulcral que este novo disco tem, que é a história contada através do alinhamento das canções. Agora há uma história com princípio, meio e fim e que vai ser convertida em filme.

E que história é essa?
Quer no disco, quer no filme, a história é sobre como as gerações futuras vão olhar para o nosso tempo. O enredo gira em torno da personagem Valentina, que em 2048 vai ter a missão de resolver uma tempestade que começou em 2020 e que nunca terminou. É uma tempestade digital e que vai apagar todas as partes do mundo por onde passa. Para resolver esse enigma, a personagem vai ter de encontrar a personagem The Weatherman, que também desapareceu nessa tempestade, em 2020. Nessa jornada, [Valentina] vai descobrir como estava o mundo por esta altura. Este é o conceito do filme e do disco.

As canções foram compostas entre 2017 e 2019, portanto, não tiveram nada que ver com a pandemia, mas acho que o público vai encontrar alguns pontos de contacto

Mas é uma história com final feliz…
Sim, sim. Tinha de ser assim. [risos] Acho que este disco tem um lado muito positivo, que se pode perceber, por exemplo, no vídeo do primeiro single, em que a personagem traz uma lanterna, traz com ela a luz do futuro sobre o nosso tempo. Essa ideia deixa antever que este é um conceito optimista e que culmina num final feliz.

Toda essa narrativa foi idealizada em que momento?
Foi antes da pandemia, o que também é muito curioso. Quando pensei na ideia de tempestade, tinha que ver com as alterações climáticas. E as canções foram compostas entre 2017 e 2019, portanto, não tiveram nada que ver com a pandemia, mas acho que o público vai encontrar alguns pontos de contacto com o que se está a passar agora.

Mas também é verdade que essas temáticas, da cosmologia e de um certo mundo pós-apocalíptico, sempre fizeram parte do imaginário da tua discografia…
Sim, é uma continuidade, e isso é bastante visível. Por exemplo, no meu primeiro disco tenho uma música chamada “Cosmic Life”. Estas questões sempre fizeram parte do meu imaginário.

Mas em termos musicais há um certo distanciamento em relação a algum do teu passado. Há muito menos guitarras, há mais sintetizadores, menos ‘overdubs’. Qual foi a ideia?
Tomei essas decisões ao compor os temas. Há uma coisa que nunca mudou, é que a origem das minhas canções é sempre ao piano. Este disco foi todo escrito ao piano. As mudanças que referes, menos guitarras, mais sintetizadores… foram tudo decisões relacionadas com o conceito do filme, porque em “Valentina”, por exemplo, fez sentido para mim revesti-la com sons de sintetizadores mais futuristas. E isso, sim, é uma coisa nova no meu percurso. Mas nunca compus a música a pensar no filme.

Os teus discos têm sempre muita luz, apesar de alguma melancolia, mas neste disco pareces mais feliz. A tua vida familiar que entretanto se alterou com casamento e paternidade alterou a tua forma de compor?
Não está relacionado com a paternidade, porque essa chegou depois das canções terem sido escritas. Mas o facto de a minha vida ter mudado bastante a partir de 2018, quando me casei, alterou muito a minha maneira de ver, sentir e escrever música. Há músicas que estão directamente relacionadas com esse facto, como a “Oh Cat”, que é uma dedicatória à minha mulher, Catarina. Estas canções reflectem a minha felicidade, sem dúvida.

No entanto, não deixas de lado alguma crítica social, como em “Gentrification Rhapsody”.
Esse tema está relacionado com a parte da história em que a Valentina pesquisa sobre o ano de 2019, que foi o apogeu do fenómeno da gentrificação e essa canção representa esse momento. Há uma série de canções relacionadas com esse período específico, porque ela vai investigar o que se passou na nossa sociedade nessa altura. Mas, para mim, “Comedy Of Errors” é a canção do álbum mais crítica em relação aos dias de hoje.

Não quis datar o disco, não quis que soasse a algo específico deste tempo. Quis fazer um disco que pode ser dos anos 1960, 70, 80, ou do futuro até, quem sabe

E qual foi a ideia de te meteres nisto de fazer um filme?
Antes de mais, tem que ver com o facto de ser o meu quinto disco. Achei que depois de fazer quatro discos era inevitável fazer algo diferente. Andei bastante tempo a matutar e cheguei à conclusão de que um filme poderia ser algo diferente. A ideia começou a despertar em mim na altura em que escrevi a primeira canção para este disco, “Valentina”, que compus para dedicar à minha sobrinha, que nasceu em 2017. Pensei: ‘E se eu começasse a escrever um argumento em torno desta personagem?’ Daí surgiu a ideia da ópera pop e do filme. Depois, soube da existência do concurso da GDA para apoiar curtas-metragens, submeti o projecto e tive a sorte de ser seleccionado.

E aí surge uma vez mais uma parceria com Vasco Mendes?
Sim, foi uma escolha natural. Nem pensei duas vezes. E também não lhe dei hipótese de recusar. Disse-lhe: ‘Temos um filme para fazer’. E assim foi. [risos] Já temos trabalhado juntos em vídeos e é uma sorte, porque a nossa parceria é quase instintiva, quase nem precisamos de comunicar. É como se a minha música e o trabalho dele enquanto cineasta se complementassem. Ele deu algumas ideias que vieram complementar o meu argumento e foi com base nisso que começamos a partir pedra. O Vasco escolheu a actriz, a Carolina Amaral, para mim uma das melhores da nova geração neste momento.

E quando poderemos ver a curta-metragem?
Está praticamente pronta, tem cerca de 20 minutos, mas estamos a tentar perceber qual será a melhor maneira de a mostrar e quando. Ainda não percebi qual será a melhor estratégia. Se não estivéssemos nesta altura, provavelmente já tinha marcado uma sala, mas assim não posso fazer nada. Estou a pensar se tento meter num canal de televisão, mas para já ainda não tenho nada em concreto. Não faço questão que o filme saia ao mesmo tempo que o disco ou logo a seguir. É importante que o disco respire, que as pessoas o conheçam e só depois mostrar o filme. Um dos objectivos é tentar levar o filme a festivais de cinema.

Voltemos ao disco, parece menos sobreproduzido do que os seus antecessores, o que se traduz num corte com o tipo de produção que costumas fazer.
Quis mostrar um lado mais cru neste disco. Acho que isso transmite uma certa verdade, não quis mascarar demasiado. A sonoridade mais crua faz com que as músicas sobrevivam mais ao tempo. Não quis datar o disco, não quis que soasse a algo específico deste tempo. Quis fazer um disco que pode ser dos anos 1960, 70, 80, ou do futuro até, quem sabe. Muito menos guitarras, utilizei muito mais sintetizadores. Mas nem sei dizer quais, sou muito pouco geek, terás de falar com o Marco Lima, que gravou, produziu comigo e misturou o disco.

Ainda tens aquele dilema em que o verso é sempre mais forte do que o refrão?
[risos] Continua a existir, mas acho que me safei melhor neste disco. As pessoas que o ouvem dizem que tem altos refrães. Mas, ainda assim, há uma ou outra em que ainda penso: ‘Se calhar o refrão devia ter sido mais explosivo’. Esse foi claramente um dos focos que tentei manter sempre presente nestas canções, fazer refrães melhores do que os versos. E, para mim, todas têm o refrão no sítio certo. Procurei refrães emotivos. E isso é muito importante.

Este disco parece-me menos directo e com menos singles. É sinal de que chegaste àquele ponto em que já só fazes o que queres?
Completamente. O que pesou mais foi tentar fazer um disco do início ao fim. Não é por acaso que só sai em vinil. Quis tratar este disco como uma obra una e não como várias obras independentes.

Mas achas que isso poderá ter colocado as canções numa posição de reféns da narrativa?
Acho que não. A história é aberta, está sempre sujeita à interpretação de quem a ouve ou vê. E tem partes muito surreais. Nunca corri esse risco de dar muita importância ao filme, ou de dar mais importância do que às canções. Não fiz concessões nenhumas nos temas. Escrevi as canções em primeiro lugar. Por vezes, tinha uma linha de letra e encaixava-lhe uma melodia, mas depois chegava ao segundo verso e não tinha letra, mas tinha melodia, então fazia o processo inverso. A minha composição é sempre uma misturada.

Desde o teu disco homónimo, de 2013, que trabalhavas com João André na produção. Mudaste para alterar o teu som?
Não, não há nenhuma razão para isso ter acontecido. Ele trabalhou numa música [“Gentrification Rhapsody”], porque me convidou para ir ao estúdio [Boom, onde foram gravados piano e bateria]. Esse tema acabou por entrar no disco, mas foi tudo muito natural. Não quis alterar nada, simplesmente aconteceu assim.

GEAR VINTAGE & MISTURA OLD SCHOOL

Uma vez que Alexandre Monteiro se assume como não geek, ligámos ao produtor Marco Lima para nos listar algum do equipamento utilizado para gravar “All Cosmologies”, registado no estúdio do produtor, o Hertzcontrol, em Caminha. O Logic Pro X e o Cubase 10 Pro foram as DAW utilizadas para grande parte da gravação, sendo que o tema “Oh Cat” foi inteiramente gravado em fita, assim como a bateria do primeiro single, “Valentina”. Os microfones foram «muitos e antigos, com aquele som granulado», com destaque para o Sennheiser MD421, o Warm Audio WA47, o AKG C414, o AKG D20, o Audio-Technica AT 4081 e, obviamente, o ‘vai a todas’ Shure SM57. Quanto à mistura, Marco Lima fê-la à moda antiga, numa mesa analógica Amek de 1979, com pré-amplificadores, EQ, Reverb e Delay da mesma.

No departamento dos instrumentos, a bateria utilizada foi uma Tama Imperialstar de 1974 com uma tarola Ludwig Super Sensitive de 1968, sendo que um tema [“Rising Time”] tem beat programado à mão numa ‘antiguinha’ caixa de ritmos Alesis HR 16B. Na ficha técnica das guitarras consta uma Fender Jazzmaster, uma Gibson SG e uma Gibson Flying V, ligadas a «dois amplificadores com o gás colado» – Marshall JMP50 de 1958 e Fender Vibrolux Reverb de 1969. Os pedais «mais usados e abusados» foram um Soul Food da Electro-Harmonix, um Fuzz Face da Dunlop e um Roland Space Echo. As linhas de baixo vêm de um Hofner gravado por linha, com um pré da Universal Audio, posteriormente reamplificado e somado com um Vox AC50 de 1964. Por fim, e para além da guitarra MIDI Casio DG20, os sintetizadores futuristas que Alexandre Monteiro refere na entrevista são o Roland Juno 106, o Roland Dimension, o Yamaha DX27 e o Jupiter IV.

Finalmente, e não menos importante, os músicos que participaram nas sessões. As canções “Valentina” e “Oh Cat” foram gravadas pela banda que normalmente acompanha The Weatherman ao vivo: João Burmester (teclados), Alexandre Almeida (guitarra eléctrica), João Nuno Almeida (bateria) e Nuno Melo (baixo). André Aires (bateria) e Marco Lima (guitarra eléctrica) também gravaram um tema e, nos restantes 11, Alexandre Monteiro gravou todos os instrumentos. As secções de orquestra foram gravadas à distância, via livestreaming, pelos músicos da plataforma Musiversal, com supervisão atenta de Alexandre Monteiro, em casa, através do computador.

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