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© Inês Barrau

Kamasi Washington no Coliseu dos Recreios, O Visionário do Novo Jazz

Nome incontornável do jazz contemporâneo, Kamasi Washington regressou a Lisboa para um concerto repleto de uma musicalidade vertiginosa. Do avant garde à eletrónica, passando pelo funk, Kamasi mostrou-nos que o jazz também pode ser um género de massas.

Uma quarta feira à noite em Lisboa não parece ser a equação mais favorável para um concerto de jazz no Coliseu dos Recreios. Só a junção na mesma frase de um género musical de nicho com uma sala que não tem tradição de receber concertos de jazz já parece algo paradoxal. Por norma, o CCB ou até mesmo a Aula Magna costumam ser as salas de excelência para receber os grandes nomes do jazz contemporâneo, mas, uma breve viagem pela discografia sonora de Kamasi Washington rapidamente nos mostra que este não é um concerto para se ver sentado dada a natureza dançável e groovy da sua sonoridade.

Longe da compartimentação sonora, Kamasi faz parte de uma geração de músicos que tem vindo a atrair um público cada vez mais jovem, menos elitista e purista para o meio do jazz. Ao lado de nomes como Thundercat e Yussef Dayes, Kamasi procura aliar alguns formalismos a uma prática mais descontraída, onde o jazz e a pista de dança se encontram. Com um novo álbum na bagagem, “Fearless Movement” (2024), o saxofonista trouxe a Lisboa a sua West Coast Get Down, um coletivo de músicos que se distancia do combo de jazz tradicional, e que inclui um DJ e um trombonista.

Longe da compartimentação sonora, Kamasi faz parte de uma geração de músicos que tem vindo a atrair um público cada vez mais jovem, menos elitista e purista para o meio do jazz.

“Lesanu” abriu as hostilidades numa explosão sonora espiritual que levou Kamasi a indicar o caminho para o primeiro solo da noite. Sem egos, o músico distribuiu democraticamente ao longo do concerto os solos de todas as músicas. “Asha the First”, que gira à volta de um motivo pentatónico escrito pela filha de Kamasi, mostrou o músico a dividir o protagonismo com o seu pai, Rickey Washington numa interação entre o saxofone tenor do primeiro e o saxofone soprano do segundo. Já “Lines In The Sand” colocou o público do Coliseu vidrado no solo dedilhado do baixista Joshua Crumbly, onde o minimalismo sobressaiu face ao virtuosismo frenético. Em momentos pontuados, Kamasi dirigiu-se aos fãs com pequenas histórias que complementavam a narrativa musical do concerto e introduziu os seus colegas de banda, um por um, nos momentos de protagonismo de cada um.

“Road to Self (KO)” evidenciou a capacidade solística do teclista Cameron Graves, que desenhou uma linha hipnótica repleta de variações. Já Tony Austin trouxe um groove inigualável na sua destreza nas peles. Mesmo em padrões mais intrincados, o balanço esteve sempre presente. Numa demonstração do dinamismo do jazz contemporâneo, Kamasi deu espaço ao DJ Battlecat para se encarregar das hostilidades em “Get Lit”, uma malha que em estúdio contou com a participação da lenda do funk George Clinton. Mestre no jogo do scratch, o músico demonstrou que a mesa de mistura não é, de todo, um instrumento deslocado neste combo.

A capacidade que o músico tem para compor riffs de saxofone orelhudos que dão base às suas músicas é incrível.

“Street Fighter Mas” e “Prologue” voltaram a centrar as atenções em Kamasi. A capacidade que o músico tem para compor riffs de saxofone orelhudos que dão base às suas músicas é incrível. É como se as suas composições tivessem uma espécie de ponto de partida onde tudo recomeça após um solo. Já “Together” trouxe um certo romantismo para uma noite de uma alguma frieza sonora para qualquer ouvido mais destreinado. Com o trombone de Ryan Porter como protagonista, a malha trouxe um certo relaxamento no meio de tantos solos avassaladores.

Já no encore, o groove de “Re Run / N.Y. State of Mind” abriu espaço para uma certa ginga corporal. Numa fusão de um tema original com um tema do rapper Nas, Kamasi deu ordem de soltura para os últimos solos da noite, com direito a mais uma ronda por parte de todos os músicos. Estava assim contada a história de “Fearless Movement”. Após duas horas de concerto, e com o relógio a bater as 00:00, a banda despediu-se de palco sobe uma chuva de aplausos de um público ciente de que tinha acabado de testemunhar toda a genialidade de um gigante do jazz moderno.

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