Cigarettes After Sex na MEO Arena, Do Minimalismo Afrodisíaco ao Êxtase
2024-11-21, MEO Arena, LisboaBanda de culto no universo musical do dream pop, os Cigarettes After Sex seduziram uma MEO Arena quase esgotada com as suas melodias etéreas e uma performance intimista e minimalista, provando assim a velha máxima de que menos é mais.
Descrever a música dos Cigarettes After Sex (CAS) é uma tarefa que pode dar azo a uma multiplicidade de expressões. Música para dormir em conchinha, música para sonhar acordado ou cafuné sonoro são algumas das designações que encontramos para caracterizar as músicas da banda de El Paso, Texas. Apesar da sua simplicidade estrutural, estas são composições ricas em apontamentos melódicos e líricos que surgem através de uma combinação de fatores, entre eles a articulação dos efeitos de guitarra de delay e reverb, provenientes de um Boss DD-3 Digital Delay e de um Neunaber Stereo Wet Reverb, e o timbre vocal suave, quase sussurrado, e de cariz andrógeno de Greg Gonzalez, que o diferencia de todos os seus pares.
Formalmente um power trio, ou melhor, um soft trio, Gonzalez completa a moldura sonora dos Cigarettes After Sex com o baixista Randall Miller, que aqueceu a MEO Arena com os seus graves abafados, provenientes de um Gibson Thunderbird , e com o baterista Jacob Tomsky, que demonstrou todo o seu feeling e sensibilidade num kit reduzido, composto apenas por um bombo, uma tarola, um hi-hat e um ride.
Nesta que foi a sua sexta passagem por Portugal, os CAS trouxeram na bagagem o seu terceiro álbum de estúdio “X’s”, editado em Julho de 2024. Com a banda a assistir a um crescimento de popularidade e ao crescimento da sua base de fãs, esta foi também uma tour que marcou a transição entre os concertos da banda em salas de média dimensão (recordem-se que a última vez que os Cigarettes atuaram em Lisboa tinha sido em 2017, no Coliseu dos Recreios, inseridos na programação do festival Vodafone Mexefest) para arenas com mais de 10 000 pessoas. Ainda assim, os CAS não se sentiram tentados em engrandecer o seu espetáculo e mantendo-se fiéis à sua filosofia, proporcionaram-nos um concerto minimalista no que diz respeito aos efeitos visuais e luminosos, com os tons preto e branco a dominarem o aparato cénico, como é já usual.
Apesar da sua simplicidade estrutural, estas são composições ricas em apontamentos melódicos e líricos que surgem através de uma combinação de fatores, entre eles a articulação dos efeitos de guitarra de delay e reverb, provenientes de um Boss DD-3 Digital Delay e de um Neunaber Stereo Wet Reverb, e o timbre vocal suave, quase sussurrado, e de cariz andrógeno de Greg Gonzalez, que o diferencia de todos os seus pares.
“X’s”, faixa que dá título ao mais recente álbum de estúdio da banda, deu início ao concerto com Gonzalez a dedilhar uma Godin Multiac Encore. Ao longo do concerto o músico alternou entre esta acústica e a sua Parker Nitefly NFV2. O modelo Fly, desenhado por Ken Parker e Larry Fishman em 1993, é conhecido pelo seu formato peculiar e por apresentar um compósito de fibra de carbono, vidro e epoxy. Ultimamente tem caído no esquecimento, mas durante anos foi a guitarra de eleição de nomes como Joni Mitchell, Adrian Belew dos King Crimson e Synyster Gates dos Avenged Sevenfold.
Fazer som na MEO Arena para um concerto de CAS, onde o equilíbrio entre definição e volume é crucial para que a experiência dos fãs não seja afetada, é uma tarefa hercúlea. Quando estamos perante um estilo de música que privilegia uma gama dinâmica média/aguda pouco oscilante, é necessário ter um cuidado especial com as frequências graves para que as suas vibrações não interfiram com a nitidez da restante composição sonora. No entanto, durante as primeiras três ou quatro músicas não houve esse cuidado, e a voz de Gonzalez acabou por sair prejudicada no PA em temas como “You’re All I Want” e “Dark Vacay”.
“Pistol” trouxe uma certa melhoria, mas por esta altura a nossa atenção já estava focada noutro aspeto, a articulação entre a performance musical e as projeções que iam surgindo na tela central. Uma lua cheia a querer aparecer entre as nuvens surgiu numa alusão à capa do single. Já nos temas que focavam a performance dos três músicos, as projeções eram feitas com imagens de vídeo em direto distribuídas pelas três telas seguindo a perspetiva visionada pelo público. Desta forma, Tomsky surgia na tela da esquerda, Gonzalez na tela gigante central e Miller na tela da direita.
Sem querer interromper o ambiente confortante que já se tinha gerado, Gonzalez não se desenrolou em grandes discursos. Limitou-se a cumprimentar o público e prosseguiu com a setlist pré-formatada para esta tour europeia. “Nothing’s Gonna Hurt You Baby”, “Touch”, com o público espontaneamente a iluminar a MEO Arena com as suas lanternas, e “Falling In Love” aconchegaram-nos como um abraço ternurento. «É bom estar de volta a Lisboa! Obrigado.», disse Gonzalez a meio do concerto no seu tom que transmite uma serenidade profunda. Seguiu-se “Tejano Blue”, onde Gonzalez voltou a recorrer à sua Godin para interpretar uma das músicas mais sensuais do repertório dos CAS. Ao contrário de muitos outros artistas, Greg Gonzalez recorre a um tipo de lirismo que alia sensualidade a romantismo, sem nunca passar a fronteira do grosseiro. É certo que muitas das suas letras falam sobre a prática sexual, mas sempre de uma forma poética e com respeito e não como algo meramente mundano.
Mais à frente numa demonstração de carinho e atenção para com os seus fãs, Gonzalez fez questão de aceder a um pedido apresentado num cartaz e iniciou os acordes de “Young & Dumb”. Entre os temas mais celebrados seguiram-se “Cry”, embelezada com uma queda de água a surgir projetada na retaguarda, “Sunsetz”, com girassóis a arder numa alusão à sua simbologia transformativa, “Heavenly” e “K.”. “Dreaming of You” trouxe o primeiro e único vislumbre das capacidades solísticas de Gonzalez com o músico a dar primazia ao feeling ao invés do virtuosismo.
E se o concerto dos Cigarettes After Sex em Lisboa tiver sido um sonho? Então não queremos acordar.
Com o concerto a encaminhar-se para o seu fim, ainda faltava escutar o tema que catapultou, tardiamente, os CAS para o estrelato. Falamos de “Apocalypse”, tema que faz parte do álbum homónimo, editado em 2017, mas que só ganhou notoriedade em 2022, quando se tornou um sucesso nas trends do Tik Tok. Desde então, a música é reconhecida como a canção de assinatura da banda, sendo a mais celebrada e entoada nos concertos. Em Lisboa, não foi exceção com um coro de vozes a cantar os versos poéticos «Got the music in you, baby, tell me why/ Got the music in you, baby, tell me why/ You’ve been locked in here forever, and you just can’t say goodbye/Your lips, my lips/Apocalypse». O outro da música transformou a MEO Arena numa discoteca indie com uma bola de espelhos a dar um efeito visual deslumbrante.
«Lisboa, nós adoramos-vos!», rematou Gonzalez antes de “Opera House”, tema que encerrou o concerto. Nas despedidas, mais uma vez, Greg Gonzalez não se aventurou em discursos, apenas voltou a agradecer ao público, passando depois alguns minutos a distribuir palhetas nas primeiras filas. Com a banda já fora de palco e com as luzes da sala acesas, rapidamente se apoderou de nós uma entranha sensação de estarmos a caminhar sobre nuvens, tal era a leveza sentida naquele momento. E se o concerto dos Cigarettes After Sex em Lisboa tiver sido um sonho? Então não queremos acordar.
SETLIST
- X’s
- You’re All I Want
- Dark Vacay
- Pistol
- Nothing’s Gonna Hurt You Baby
- Touch
- Falling in Love
- Tejano Blue
- Young & Dumb
- John Wayne
- Cry
- Sweet
- Sunsetz
- Heavenly
- K.
- Dreaming of You
- Apocalypse
- Opera House