CoolJazz: Norah Jones, O Jazz Serve-se Quente e Frio?
2023-07-29, Cool Jazz, CascaisRepetente no CoolJazz pela quarta vez, Norah Jones voltou a encantar Cascais com o seu smooth jazz. Numa performance que pecou pela falta de espontaneidade e comunicação com o público, Norah demonstrou que a sua voz aconchegante ainda é o seu maior trunfo.
Em 2003, Norah Jones ainda era uma artista em ascensão. Contudo, com apenas vinte e três anos e com o seu estrondoso álbum de estreia “Come Away With Me” editado no ano anterior, Jones já não era considerada uma promessa, mas sim uma certeza. Só para terem uma noção da ascensão meteórica de Norah, em Fevereiro de 2003, um ano após editar o seu álbum de estreia, este já apresentava a certificação da RIAA de dupla platina. No mesmo mês decorreu em Nova Iorque a mítica cerimónia dos Grammys que ficou para sempre conhecida como a noite em que Norah Jones tomou os Grammys de assalto. Ao todo foram oito, as categorias que Norah ganhou, destacando-se as principais de “Álbum do Ano”, “Gravação do Ano” (Don’t Know Why), “Canção do Ano” (Don’t Know Why) e “Melhor Artista Novo”. As estas juntaram-se as de “Melhor Captação/Mistura Sonora de um álbum não clássico”, “Produtor do Ano de um álbum não clássico” (Norah Jones, Arif Mardin, Jay Newland e Craig Street), “Melhor Interpretação Vocal Pop” e “Melhor Perfomance Vocal Pop de uma artista feminina” (Don’t Know Why). « (…) no final já estava com muita vergonha de subir ao palco e senti que as pessoas estavam enfadadas comigo», refere Norah Jones numa entrevista ao Daily Beat ao recordar aquela noite histórica.
Daí em diante Norah sabia que muito dificilmente iria lançar outro álbum que superasse “Come Away With Me”: «Cheguei à conclusão de que nada que eu fizesse provavelmente seria tão grande quanto o meu primeiro disco. O álbum foi gigante. Foi um fenómeno estranho que aconteceu.» Ciente desta ideia e sem qualquer tipo de amarras para com a estética sonora presente em “Come Away With Me” Norah foi explorando em álbum após álbum novas sonoridades como o folk, o country ou o indie pop, até que em “Day Breaks” decidiu regressar à sua sonoridade mãe, o jazz.
Ao CoolJazz 2023, Norah Jones trouxe o seu mais recente álbum de originais “Pick Me Up Off the Floor” (2020), um registo que explora a fusão entre o jazz pop e o jazz folk com elementos de pop orquestral, blues, gospel e até mesmo hip hop.
“Just A Little Bit” de “Begin Again” (2019), o álbum que Jones lançou como uma compilação dos singles gravados entre 2018-2019, abriu o concerto com a cantora na frente de palco a entregar-se na primeira metade da música exclusivamente ao microfone. Este é um tema que na sua versão gravada apresenta uma sonoridade pop, mas ao vivo, com o suporte harmónico do trio que acompanhe Jones, consegue ser transformado numa belíssima peça de jazz.
Com uma mistura sonora bem definida, que permitiu destacar as dinâmicas vocais de Norah, a banda partiu para a folky “I’m Alive”. Fazendo-se acompanhar de um Yamaha Concert Grand Piano, Jones demonstra dominar o instrumento, contudo sente-se alguma falta de uma certa espontaneidade no que diz respeito à improvisação. Sabemos que Norah dispõe dessas competências, e gostaríamos de ter visto a artista a arriscar mais nas teclas. Por sua vez, a banda esteve irrepreensível, particularmente o guitarrista Dan Iead que se destacou nos temas em que utilizou a sua Ritten Berry Pedal Steel.
Alguns «obrigada» foram debitados por Norah, porém a interação com o público ficou reduzida aos mínimos. Pediam-se aqui algumas histórias sobre a composição de determinados temas, uma menção aos vinte anos de “Come Away With Me” com algumas curiosidades ou a recordação da sua grande noite nos Grammys de 2003. Mas nada disso aconteceu e o concerto foi prosseguindo de forma algo mecanizada.
O clássico “Sunrise” lá fez esquecer essa apatia. Às primeiras notas vocais do tema ouviu-se um bruar e rapidamente os telemóveis estavam todos em punho para captar o momento. Afinal de contas, esta era uma das músicas mais esperadas da noite.
Delicada, suave e aconchegante, assim continua a soar a voz de Jones. Seja num clube de jazz ou num espaço ao ar livre com milhares de pessoas, Norah tem o dom de conseguir abraçar-nos com a sua voz e de desacelerar o nosso ritmo diário desenfreado.
A country/folk “Don’t Know What It Means”, uma cover de Puss N Boots, iniciou a secção do concerto em que Norah salta do piano para a frente do palco com uma guitarra a tiracolo, neste caso uma Fender Jazzmaster. Em “Rosie’s Lullaby”, uma balada bluesy, Jones opta por uma Fender Mustang. Já a indie pop “All A Dream” trouxe a Jazzmaster de volta ao palco e uma questão: « Podemos tentar sem telemóveis apenas por uma música?», pediu Jones respeitosamente. O público acedeu à chamada de atenção e sem distrações contemplou o solo que a cantora arranhou nas seis cordas.
Já a entrar na reta final, e com o público algo impaciente e disperso, Norah lá entregou o que todos queriam ouvir. “Come Away With Me” soou exatamente como a gravação de 2002. Delicada, suave e aconchegante, assim continua a soar a voz de Jones. Seja num clube de jazz ou num espaço ao ar livre com milhares de pessoas, Norah tem o dom de conseguir abraçar-nos com a sua voz e de desacelerar o nosso ritmo diário desenfreado. “Nightingale” manteve-nos nesse mesmo registo, com Jones a comprovar que, se Jenny Lind foi efetivamente a “Rouxinol Sueca” então ela é certamente a “Rouxinol do Jazz”.
Por esta altura, já eram muitos os que, incompreensivelmente, abandonavam o recinto do Hipódromo Manuel Possolo. Afinal de contas ainda faltava escutar o maior êxito da carreira de Jones. “Don’t Know Why” surgiu como a derradeira música da setlist. Com um coro de vozes a acompanhar Norah, foram muitos os que puxaram mais uma vez do telemóvel para guardar o momento para posterioridade. Enquanto decorriam os agradecimentos e as despedidas, largas centenas de pessoas encaminhavam-se apressadamente para as saídas, fazendo parecer que estávamos num dia de semana e que o dia seguinte era dia de trabalho. O que é certo é que muitos acabaram por perder o encore que surgiu na forma de “The Nearness of You”. Com Norah sozinha em palco, acompanhada apenas pelo seu piano, fomos embalados uma última vez pelo seu timbre hipnotizante. E que bem que nos soube!