As Muitas Faces de Father John Misty

Acompanhado por uma banda que destilou sofisticação, Josh Tillman ofereceu uma noite inesquecível ao Coliseu dos Recreios, tocando quase integralmente o álbum “I Love You, Honeybear” na tour de “Pure Comedy”. A deslumbrante qualidade do som no concerto foi a jóia da coroa.

Olhando o aparato em palco, com duas stations de teclados/sintetização, mais um piano, baixo (com sintetização), guitarra, bateria e as ocasionais acústicas de Josh Tillman, poderíamos achar tratar-se de presunção, afinal as canções da banda podem ser “rendidas” com menos elementos. Mas essa ideia foi rapidamente esbatida pela sumptuosidade suave dos arranjos e pelo som garboso com que somos brindados desde o primeiro momento da noite, “Pure Comedy”.

O som foi mesmo um luxo, envolvendo com veludo a voz bonita e segura de Tillman. E sentir essa confiança vocal é meio caminho andado para nos rendermos a um artista. A isso acresce a muito falada pose de Tillman que, de facto, com aquele ar de filósofo de uma hipotética corrente de neo transcendentalismo norte-americano é capaz de convencer qualquer um da credibilidade lírica que as canções exalam. Até porque as canções, chegados a “Ballad Of The Dying Man” reflectem características bebidas a Elton John ou aos mais americanos Warren Zevon e mesmo Bob Seger. No fundo, gente que, como Tillman, sabe fazer canções tão sóbrias, ainda que cm um humor bem particular, como pungentes. E por falar em Seger, “Only Son Of A Ladiesman” foi um dos momentos altos do concerto.

Josh Tillman tem ar de filósofo de uma hipotética corrente de neo transcendentalismo norte-americano, capaz de convencer qualquer um da credibilidade poética que as canções exalam.

Com três álbuns editados, talvez as cerca de duas horas de concerto sejam ainda uma marca demasiado ambiciosa, sobrecarregando a promoção do recente “Pure Comedy” com a quase totalidade do álbum anterior, “I Love You, Honeybear”. Embora isso não cause qualquer moléstia a quem se deslocou ao concerto como fã de Tillman. Pelo contrário, quem esteve no Coliseu nessa condição saiu do concerto com as medidas bem cheias. O que não invalida que exista um grande desgaste na repetição das fórmulas usadas e que o progressivo aumento do volume geral não foi capaz de disfarçar. Aliás, a prova está que o recurso a outras estéticas renovou a dinâmica da banda e, consequentemente, do concerto. Nomeadamente, a roupagem electrónica de “True Affection”, o olá aos Beatles com “This Is Sally Hatchet” ou o honky tonk de “I’m Writing A Novel” que nos fez viajar até Nashville! De qualquer forma, ficou também sobejamente comprovado que há muito mais a extrair deste formato em vez da recorrente fórmula de enfiar qualquer artista, consecutivamente, em festivais sobrelotados de #igers.

“When You’re Smilling And Astride Me” e “Hollywood Forever Cemetery Sings” foram os picos da actuação, quer pela prestação da banda quer pelo tremendo som aí atingido. No primeiro casa, a performance emocionante da banda foi revestida pela envolvência dos solos do Chris Darley e pelo som de veludo de uma assombrosa Gretsch Red Falcon (Double Cut, Centerblock). Já no segundo caso, o mojo eléctrico do tema foi povoado por uma luxuosa miríade de médios das guitarras. Dois momentos verdadeiramente inesquecíveis.

Em final de digressão, já depois de “I Love You, Honeybear”, o encore acabou por revelar o cansaço da banda, ao mesmo tempo que vincou o enorme compromisso desta para com quem encheu o Coliseu, tendo destilado sofisticação durante todo o concerto.

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