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Jardins do Marquês 2024 | Com Patti Smith a Poesia Está Sempre na Rua

Jardins do Marquês 2024 | Com Patti Smith a Poesia Está Sempre na Rua

2024-07-07, Jardins do Marquês, Oeiras
Rodrigo Baptista
Inês Barrau
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De Lana Del Rey a Kurt Cobain, passando por Bob Dylan, Jimi Hendrix, Johnny Cash e, claro, o seu eterno amor, Fred “Sonic” Smith, Patti Smith subiu ao palco dos Jardins do Marquês para homenagear e recordar algumas das figuras do mundo da música que marcaram o seu percurso enquanto artista, compositora e poetisa.

Em Março de 2024, Patti Smith viajou até Portugal para a apresentação, no CCB, de um projeto que combina as artes visuais, com a música e a poesia. A artista de 77 anos veio inaugurar “Evidence: Soundwalk Collective & Patti Smith”, uma exposição pensada para o Centro Pompidou, em Paris, que combina a sua visão artística com um concerto cuja inspiração surgiu a partir de “Perfect Vision”, um tríptico de álbuns inspirados na obra de três emblemáticos poetas franceses: Antonin Artaud, Arthur Rimbaud e René Daumal.

A exposição tem-se revelado um sucesso, aliás, a sua inauguração até contou com uma presença bastante especial, a da artista islandesa Björk. Ainda assim, esta apresentação de Patti Smith em Portugal com o Soundwalk Collective não atraiu a atenção que um concerto mais “a sério” de Patti atrai. A última vez que Smith tinha tocado em Lisboa, em conjunto com a sua banda, tinha sido no Coliseu dos Recreios, em 2015, por isso não é de estranhar que esta presença no festival Jardins do Marquês tenha sido recebido com grande entusiasmo, algo que levou a que este esgotasse 12 dias antes do dia do evento.

A VELHINHA MAIS COOL!

Foi com muitas pessoas ainda algo perdidas e alguma confusão a encaminharem-se para os seus lugares que Patti Smith, esse espírito jovem de 77 anos, subiu ao palco dos Jardins do Marquês. A noite estava fresquinha e Patti não dispensou o uso de um gorro e um de casaco mais reconfortante. Todavia, ambos não permaneceram vestidos durante muito tempo. Mal Patti arrancou o concerto com “Summer Cannibals”, não tardou em ficar encalorada com o pulsar da banda que a acompanha e com as luzes do palco.

Extremamente ágil e fresca no que diz respeito à componente vocal e racional, a artista agradeceu ao público e prosseguiu com a primeira passagem pela breve discografia setentista do Patti Smith Group. “Ghost Dance” combina uma sonoridade folk com a atitude punk indissociável de Smith, afinal de contas ela é um dos grandes ícones femininos dessa subcultura que proliferou nos anos 70.

Profundamente tocado com o gesto de Patti e com o seu louvor e conhecimento profundo da nossa poesia, o público não se conteve em aplaudir prolongadamente a artista que apresenta também um extenso catálogo de obras poéticas.

A noite rapidamente revelou ser dedicada a várias homenagens musicais a colegas de profissão que de uma forma ou de outra inspiraram Patti na sua arte. Entre aqueles que já partiram e outros que ainda continuam a embelezar os nossos palcos com a sua poesia lírica, Smith começou a sua lista de invocações com uma versão de “Man in the Long Black Coat” de Bob Dylan. Como poeta reconhecido e premiado com o Prémio Nobel da Literatura, não é de estranhar que a escrita de Dylan tenha influenciado Patti Smith. A artista não fugiu muito ao original, mas soube dar o seu cunho pessoal ao tema de “Oh Mercy” (1989). Seguiu-se a homenagem a Johnny Cash e, segundo Smith, também a Baudelaire com “Cash”, um original de “Trampin’” (2004). Aqui há que enaltecer o trabalho do guitarrista, que acompanha Patti, Jackson Smith, que mostrou o seu virtuosismo no solo prolongado que confere à peça um carácter diferente quando tocada ao vivo.

Mas, Patti não esqueceu a literatura portuguesa. Para a artista música e literatura, especialmente a poesia, são indissociáveis, e foi então antes de tocar o tema “Nine” que surpreendeu tudo e todos com um poema improvisado no momento, ou, certamente escrito naquele dia, cuja temática focou-se na exaltação de Fernando Pessoa e dos seus heterónimos. Profundamente tocado com o gesto de Patti e com o seu louvor e conhecimento profundo da nossa poesia, o público não se conteve em aplaudir prolongadamente a artista que apresenta também um extenso catálogo de obras poéticas.

Seguiu-se então “Nine”, tema em que Patti deixou a sua banda brilhar na secção solística. A artista chegou-se para o lado e ficou a contemplar a qualidade performativa dos guitarristas Jackson Smith, do baixista Tony Shanahan e do baterista Jay Dee Daugherty. Kaye e Daugherty, dispensam apresentações, ambos têm um longo historial com Patti, tendo sido integrantes do Patti Smith Group desde 1974 e 1975 respectivamente. 

Já 2024 é o ano que assinala a passagem dos 30 anos da morte de Fred “Sonic” Smith, o grande amor de Patti e uma espécie de “musa” masculina para vários temas da sua discografia. Desta forma, Patti achou apropriado incluir na setlist uma versão de “Summertime Sadness” de Lana Del Rey. Desperta para o que se está a produzir na pop alternativa, Patti encontrou conforto e uma certa conexão no lirismo melancólico de Lana. Os fãs mais novos certamente associaram instantaneamente a composição à sua autora original, que, inclusive passou por Portugal recentemente. Já os mais velhos e menos conhecedores dos novos nomes da pop podem ter ficado com a ideia de que estávamos a ouvir uma espécie de b-side de Smith. As homenagens a Fred mantiveram-se com “Because the Night”, um dos maiores hinos de cantora, cuja composição surgiu em parceria com Bruce Springsteen. Já com o público todo de pé e as vozes a fazerem-se ouvir bem alto este foi o primeiro grande momento de comunhão entre Patti e os fãs que se deslocaram até aos Jardins do Marquês. 

Patti sorriu e despediu-se com um «não se esqueçam, usem a vossa voz!» Fica prometido Patti, fica prometido…

De regresso às covers, “Fire” da Jimi Hendrix Experience trouxe mais um momento em que Patti deixou a sua banda brilhar. As vozes ficaram a cargo de Tony Shanahan. Já de volta ao palco, Patti atirou-se a “Dancing Barefoot” e “Pissing in a River”. A sua entrega nestes dois temas foi inspiradora, sem medo de arriscar, Smith puxou dos galões e foi às notas mais agudas sem demonstrar qualquer tipo de esforço físico.

Ao aproximarmo-nos do fim do concerto, eis que chegou a última homenagem da noite. Curiosamente, também a assinalar 30 anos desde a sua morte, Patti invocou Kurt Cobain. «Ele está vivo na música, nas letras, na sua filha», disse a artista antes de partir para o seu original “About a Boy”, uma escolha deveras interessante, isto se tivermos em conta que os Nirvana gravaram no seu álbum de estreia “Bleach” (1989), uma faixa intitulada “About a Girl”. A performance do tema foi desembocar de forma suave numa versão mais arrastada, mas profundamente impactante de “Smells Like Teen Spirit”. Ainda repleta de energia, Patti não se conteve e acompanhou o tema com vários saltos. É preciso relembrar mais uma vez que são 77 anos?

Numa breve consulta às setlists de outros concertos desta tour verificámos que a música escolhida para tocar no encore nem sempre é a mesma. “Gloria” tem sido uma das escolhas. Condizendo com o contexto político europeu e as importantes eleições que decorreram em França no dia do concerto, ouviu-se inevitavelmente “People Have the Power”, o hino que defende a vontade soberana do povo, que foi recebido por muitos como um cântico de alívio, depois de ficarmos a conhecer os resultados das legislativas francesas. Já depois dos agradecimentos finais, o público não se conteve e entoou a cappella o chavão do tema. Patti sorriu e despediu-se com um «não se esqueçam, usem a vossa voz!» Fica prometido Patti, fica prometido…

SETLIST

  • Summer Cannibals
  • Ghost Dance
  • Man in the Long Black Coat (Bob Dylan Cover)
  • Cash
  • Nine
  • Summertime Sadness (Lana Del Rey Cover)
  • Because the Night
  • Fire (The Jimi Hendrix Experience Cover)
  • Dancing Barefoot
  • Pissing in a River
  • About a Boy
  • Smells Like Teen Spirit (Nirvana Cover)
  • People Have the Power