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Moonspell & Orquestra Sinfonietta de Lisboa, Uma Sinfonia ao Luar

Moonspell & Orquestra Sinfonietta de Lisboa, Uma Sinfonia ao Luar

2024-10-26, MEO Arena, Lisboa
Rodrigo Baptista
Inês Barrau
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Em dia de celebração dos 35 anos dos Moonspell (a contar desde Morbid God), a maior instituição do heavy metal português uniu forças com a Orquestra Sinfonietta de Lisboa para levar à MEO Arena um espetáculo magnânimo. Arranjos orquestrais sumptuosos fundiram-se com a agressividade do metal numa produção pautada por vários momentos pirotécnicos, proporcionando assim aos fãs uma noite para mais tarde recordar.

A fusão entre os mundos do heavy metal e da música sinfónica/orquestral em concerto não é de todo uma novidade, aliás é algo que tem vindo a ser explorado há já várias décadas. Aquando do anúncio do concerto dos Moonspell com a Orquestra Sinfonietta de Lisboa publicámos o artigo AS10 | Quando o Metal se encontra com a Orquestra com o intuito de destacar alguns dos melhores espetáculos realizados sob este mote e de mostrar aos fãs de Moonspell aquilo que poderiam vir a encontrar a 26 de Novembro de 2024 na MEO Arena.

A História

Durante anos circulou na internet um meme que definia que a música clássica era apenas heavy metal antes da eletricidade ter sido descoberta. Claro que podemos considerar esta definição como algo arrojado, mas não é de todo descabida. Vejamos, a partir da segunda metade do séc. XIX foram vários os compositores que através de novas ideias temáticas, de orquestração e de apresentação dramática contribuíram para essa evolução sonora e conceptual que define hoje em dia grande parte do heavy metal.

Richard Wagner, por exemplo, introduziu nas suas composições a alternância dramática de dinâmicas, popularizou o uso de temáticas mitológicas nas sua óperas e concebeu uma noção de espetáculo assente no conceito Gesamtkunstwerk (obra de arte total), um termo que defendia uma expressão artística que articulava de forma harmoniosa a música, o drama, a dança e as artes plásticas. Já Mahler, procurou ir até aos limites da capacidade sonora de uma orquestra e de um coro. Para a sua Sinfonia nº 8, também conhecida como “Sinfonia de um Milhar”, o compositor checo compôs uma partitura, com quase 1h30m de duração, que tinha como objetivo ser reproduzida em palco por um conjunto de mil músicos divididos entre orquestra e coro.

Ainda assim, se há peça que influenciou sem sobra de dúvida o nascimento do heavy metal, essa peça é a suite orquestral “Os Planetas” de Gustav Holst, particularmente o primeiro andamento “Marte”, cujo o motivo inicial foi a base para o riff da música “Black Sabbath” dos Black Sabbath. A exploração sonora de dissonâncias, particularmente do trítono, foi fundamental para essa aproximação entre o heavy metal e a música clássica e um dos exemplos mais revelantes dentro deste registo é a peça futurista “Fundição de Ferro” de Alexander Mosolov que, através da sua sonoridade experimental, procura simular o trabalho das máquinas numa fundição. A peça ganhou todo um novo destaque entre a comunidade heavy metal quando foi tocada ao vivo no concerto “S&M 2” dos Metallica.

A Criação

Para o espetáculo da MEO Arena, os Moonspell foram em busca do seu repertório mais sinfónico, algo que facilitou a tarefa da escolha da setlist. Ao longo dos anos, a banda foi acumulando composições que contam com várias orquestrações criadas digitalmente pelo teclista/guitarrista Pedro Paixão e por John Phipps, este último trabalhou nos álbuns “Extinct” (2015) e “1755” (2017). Quanto à função de repartir estas orquestrações pela Sinfonietta de Lisboa e de criar outras tantas para o resto dos temas, essa ficou a cargo do músico, realizador e escritor Filipe Melo, que trabalhou em estreita colaboração com a banda e com o maestro Vasco Pearce de Azevedo para entregar uma partitura com 250 páginas.

O Concerto

Foi então às 22h em ponto que, um por um, os músicos da orquestra foram ocupando os seus lugares em palco. Depois entrou o coro, com vestimentas gregorianas, o maestro e o baterista Hugo Ribeiro, a ocupar o lugar de percussionista. Juntos iniciaram uma Abertura Sinfónica criando alguma antecipação para a entrada do resto da banda em palco. A peça foi desembocar em “Em Nome do Medo” na sua versão mais sombria e épica presente em “1755”. Com as cordas a furar o PA e o coro a entoar o refrão em uníssono surgiram os primeiros frissons da noite e a certeza de que estávamos prestes a embarcar numa viagem musical única.

Mantivemo-nos em “1755” com a faixa titulo, “In Tremor Dei”, esta já com chamas a levantarem-se na dianteira do palco, “Desatre” e Ruínas”. Com um dos melhores sons que já ouvimos na MEO Arena com bandas portuguesas (pelo menos de onde estávamos a assistir no golden circle), onde definição e equilíbrio sonoro foram as palavras de ordem, apenas apontámos uma deficiência de volume na região grave da guitarra de Ricardo Amorim, em contraste com os seus solos e leads que conseguiram furar numa mistura onde o baixo de Aires Pereira esteve sempre muito presente.

«Como é que se sentem MEO Arena? Preparados para uma noite muito especial under the spell?», perguntou Fernando Ribeiro numa das suas primeiras intervenções. «Muito obrigado por terem vindo. É uma data muito especial para nós.» O público respondeu ao entoar o nome da banda em coro.

O concerto depois prosseguiu com um recuo cronológico até ao álbum “Extinct” (2015). “Breathe (Until We Are No More)” e a faixa-título mostraram que os 50 anos estão a fazer bem a Fernando Ribeiro. O vocalista mostrou-se muito seguro na transição entre os seus dois registos vocais, o gutural e o limpo, e encheu o palco de uma ponta a outra com a simpatia e o carisma que todos lhe reconhecemos. Um Fernando feliz e orgulhoso.

Num momento de transição para a segunda metade do concerto, os Moonspell foram rebuscar o interlúdio instrumental “Proliferation” do álbum “Memorial” (2006). O tema tinha sido tocado pela última vez em 2007, na tour de promoção do álbum, mas nunca com orquestra. A peça mostra a simbiose perfeita entre a orquestra e a banda, com a secção dos metais a surgir em grande destaque e as guitarras com distorção, o baixo e a bateria pulsantes a acompanharem na retaguarda. Seguiu-se “Finisterra” do mesmo álbum e “Everything Invaded” de “The Antidote” (2003), aqui com Paixão a largar os teclados e a passar para a frente de palco como guitarrista. Este foi também o momento para Fernando deixar uma mensagem de agradecimento aos fãs estrangeiros que fizeram a peregrinação a Lisboa e que estiveram a assistir à transmissão online em direto do concerto.

Já a entrar na reta final fez-se uma passagem por “Night Eternal” (2008) com a power ballad gótica “Scorpion Flower” a ser entoada por todos os fãs. Chegados aos anos 90 e aos álbuns que marcaram a génese dos Moonspell, fomos brindados com uma performance de “Vampiria” com um arranjo completamente diferenciado e com cortinas de fogo na dianteira do palco. A parte final, que conta com guitarras com distorção e bateria com bombo duplo, foi substituída por um arranjo mais despido e pausado, assente na combinação da orquestra com uma abordagem mais declamada por parte de Fernando dos versos finais do tema.

Para o fim, ficaram reservados os maiores hinos da banda. “Alma Mater” com a bandeira portuguesa no punho de Fernando e “Full Moon Madness” com o solo de Ricardo a ganhar contornos de maior epicidade com todo o ensemble orquestral a elevar a progressão harmónica da música para um nível sublime. Já aqui o dissemos muitas vezes, sempre muito discreto, mas Ricardo Amorim continua a mostrar porque o consideramos um dos melhores guitarristas portugueses.

No momento das despedidas os agradecimentos foram sentidos de ambas as partes, público e banda/orquestra. Todos reconheceram o esforço e a qualidade do trabalho que foi realizado para proporcionar aos fãs dos Moonspell mais um concerto histórico para mais tarde recordar. Uma celebração em solo nacional que os Moonspell já mereciam, vénia a todos os que estiveram presentes.

Depois do Campo Pequeno em 2017, das Grutas de Mira de Aire em 2021 e agora do MEO Arena 2024, qual será a próxima ideia dos Moonspell? Ficaremos à espera para ver…

SETLIST

  • Orchestral Intro
    Em nome do medo
    1755
    In tremor dei
    Desastre
    Ruínas
    Breathe (Until We Are No More)
    Extinct
    Proliferation
    Finisterra
    Everything Invaded
    Scorpion Flower
    Vampiria
    Alma Mater
    Full Moon Madness