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Nick Cave & the Bad Seeds, A Catarse de um Deus Selvagem

Nick Cave & the Bad Seeds, A Catarse de um Deus Selvagem

2024-10-27, MEO Arena, Lisboa
Rodrigo Baptista
Gonçalo Silva
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Da melancolia ao êxtase, Nick Cave regressou a Portugal para levar os fãs numa montanha russa de emoções. Naquele que foi o seu primeiro concerto em nome próprio em Lisboa em 14 anos, Cave e os seus Bad Seeds sentiram-se, mais uma vez, em casa e aconchegados pela multidão de devotos que encheu a MEO Arena.

Não foi permitido pela promotora Lasttour Portugal à Arte Sonora a habitual reportagem fotográfica. Com muita pena nossa, apenas temos fotografias de Nick Cave, ficando a faltar registos dos Bad Seeds.

Apelidar a base de fãs de Nick Cave de um culto pode parecer para muitos algo pejorativo, no entanto é essa a sensação que fica quando aguardamos por um concerto que muitos descrevem ser uma espécie de homília, e escutamos conversas paralelas onde Cave é sempre mencionado com reverência e com uma conotação quase divina. A procura da transcendência, da catarse e do amor próprio são algumas das vivências que um fã, ou até mesmo um mero curioso, procuram experienciar quando compram um bilhete para ver e ouvir Nick Cave, algo que nem sempre se consegue obter apenas com a escuta dos álbuns. É inquestionável que a música de Cave escutada através dos álbuns nos desperta variadas emoções, mas nada nos prepara para a purgação que se experiencia quando vemos o artista australiano e os seus Bad Seeds ao vivo.

Seja a primeira, a segunda, ou a décima sexta vez a ver Nick Cave em Portugal, os fãs, cada vez mais multi-geracionais, fazem questão de fazer a peregrinação para receberem a bênção do músico, não só através das suas letras, mas também do entrelaçar de mãos que o artista faz questão de trocar com os fãs que se encontram nas primeiras filas dos concertos. Afastado dos espetáculos em nome próprio em Portugal há 14 anos, há muito que os seus seguidores portugueses aguardavam por um concerto de sala onde, sem quaisquer distrações, pudessem comungar numa escuta introspetiva. E foi isso mesmo que aconteceu, particularmente nos momentos mais intimistas com Cave sentado ao piano, onde quase que se conseguia ouvir uma gota de água a cair do teto da MEO Arena.

É inquestionável que a música de Cave escutada através dos álbuns nos desperta variadas emoções, mas nada nos prepara para a purgação que se experiencia quando vemos o artista australiano e os seus Bad Seeds ao vivo.

“Frogs” abriu o concerto com Cave a ser cumprimentado por um conjunto de sapos de peluche (clássico em qualquer concerto) que surgiram na fila da frente. «Não sei como se diz sapo em português», disse Cave antes de pronunciar a palavra que entretanto lhe foi ensinada. «Eu não falo português… mais ou menos. Obrigado», justificou-se num português perfeito que voltaria a ser ovacionado várias vezes ao longo do concerto, nomeadamente quando fez juras de amor e elogios. Seguiu-se “Wild God” com Cave a demonstrar que continua a ser um dos melhores contadores de histórias no panorama musical actual.

Ainda a reaprender a viver após a morte de dois dos seus filhos, Cave mencionou que a inspiração para “O Children” surgiu quando estava a ver os seus filhos a brincar. «É uma música sobre o que é que nós adultos estamos a fazer ao mundo dos nossos filhos», disse o artista. Assente num refrão inspirador bem ao estilo gospel, não tardou para que o público se juntasse ao coro dos Bad Seeds para em comunhão invocarem um mundo melhor para as próximas gerações.

Com o efeito do luto a passar aos poucos, Nick Cave vai demonstrando estar mais disponível para brincar com o público de forma a invocar algumas gargalhadas. Um desses momentos aconteceu quando Cave abraçou um fã na primeira fila. Sem hesitar, e de forma a demonstrar o seu carinho para com todos os presentes, o músico prontamente referiu que abraçou o fã em nome de todos. Pode parecer algo superficial para um mero espetador do concerto, mas para todos os fãs de Cave presentes na MEO Arena foi sem dúvida um momento carregado de muito simbolismo e compaixão.

Com uma das melhores backing bands de sempre, os Bad Seeds, Cave mostra, sempre que pertinente, a sua admiração por todos os seus colegas. Ainda assim, nota-se, e não é de estranhar, que Cave apresenta um carinho especial por Warren Elis, com quem colabora na sua vertente de compositor de bandas sonoras. Elis com a sua postura e imagem meio louca, meio sábio, apresenta-se como o braço de direito de Cave, e é aquele que faz a ponte entre o líder da banda e os Bad Seeds. «Que bonita espécie de humanidade», disse Cave num momento de rasgados elogios a Elis antes de “Cinammon Horses”, um dos temas que mostrou Elis a dedilhar um teclado Yamaha Reface DX no seu colo. Seguiu-se “Tupelo”, uma alusão ao nascimento de Elvis Presley na cidade do estado Mississippi e “Conversion”, um dos temas mais inspiradores da noite com os versos «Stop! Stop! Stop! Stop! You’re beautiful!» a ecoarem pela sala como uma mensagem divina.

“I Need You”, com Cave sozinho ao piano, foi acompanhada por um silêncio ensurdecedor. Vénia ao público que sabes estar em sala. Numa performance profundamente emotiva, o músico australiano mostrou toda a sua melancolia contagiante. Já em “Red Right Hand”, foi visível que uma falange do público tinha se deslocado ao concerto para ouvir esta música em particular. O tema ganhou toda uma nova visibilidade quando foi escolhida em 2013 como tema de abertura da série Peaky Blinders. Por sua vez, “White Elephant” encerrou o set principal com Cave a apresentar todos os músicos que compõem os Bad Seeds.

Após uma breve ausência do palco, a banda regressou para interpretar “O Wow O Wow (How Wonderful She Is)” em homenagem a Anita Lane, ex-integrante dos Bad Seeds e ex-mulher de Cave, que faleceu em 2021. Seguiu-se “Papa Won’t Leave You, Henry” com Jim Sclavunos a saltar para a bateria e Thomas Wydler para a percussão e”The Weeping Song” que encerrou aquele que viria a ser o primeiro encore da noite.

Com o público ainda insaciado com tamanha sessão de musicoterapia, Nick Cave voltou a subir ao palco pela última vez para tocar, sozinho ao piano, uma sentida “Into My Arms” com um coro de vozes celestiais a acompanhá-lo. Após vários agradecimentos, o “profeta” australiano voltou a desvanecer-se na escuridão, deixando assim os milhares de fãs que encheram a MEO Arena com uma sensação de leveza e de coração cheio.

SETLIST

  • Frogs
    Wild God
    Song of the Lake
    O Children
    Jubilee Street
    From Her to Eternity
    Long Dark Night
    Cinnamon Horses
    Tupelo
    Conversion
    Bright Horses
    Joy
    I Need You
    Carnage (Nick Cave & Warren Ellis cover)
    Final Rescue Attempt
    Red Right Hand
    The Mercy Seat
    White Elephant (Nick Cave & Warren Ellis cover)
    O Wow O Wow (How Wonderful She Is)
    Papa Won’t Leave You, Henry
    The Weeping Song
    Into My Arms