O Verão chegou a Lisboa com Caetano e filhos
2018-08-01, Coliseu dos Recreios, LisboaNuma das semanas mais quentes do ano, a família Veloso fez do Coliseu a sua casa, com um tom caseiro, contando sobre si, sobre a vida em família e sobre a ideia de estarem juntos em tournée.
Desta vez quero começar a história pelo final. O público está agora de pé, cantando e com os telemóveis na mão, estamos no encore, Caetano Veloso começa a cantar ”Amar pelo Dois” e o Coliseu inteiro canta junto. É interessante como esta canção tão portuguesa soa tão brasileira, faz-me lembrar aquela sensação de brasilidade que sentimos no fado, ou aquele sabor europeu que existe no samba, ou no choro. Talvez por isso que o próprio Caetano, que nesta noite canta com os filhos, tenha sido convidado para se apresentar na final do Festival da Eurovisão, ao lado do próprio Salvador Sobral. É uma canção que não se limita ao grande oceano Atlântico que separa os dois países irmãos. Esta sensação luso brasileira esteve em todo o concerto, inclusive, foi nesse dia em que o calor chegou a cidade.
Muito do que se escreve sobre este concerto e esta tournée é narrativamente o aspecto de Caetano estar em palco com os filhos e das vivências de um pai com filhos de gerações diferentes. Mas o concerto é muito mais que isso. Primeiro porque os rapazes são bons músicos e segundo, eles entendem o seu papel de filhos de Caetano, netos de dona Canô. Mas entre eles, Caetano, o filho de Dona Canô, é o que mais entende seu papel em cima deste palco. Desde o início, quando a cortina se levantou já estavam todos lá sentados, Caê começa a falar ao microfone já de forma calma, como se estivesse em casa.
De repente, não era mais o grande Caetano, mas um pai, com toda insegurança que acompanha um pai, foi ao longo do concerto apresentando os muitos aspectos dos filhos, desde quando eram miúdos, das muitas vidas que trocaram juntos, da religiosidade de todos e até mesmo das coisas que não gostam. «Ele não gosta de cantar, mas agora vai cantar sim», diz Caetano sobre Tom, que logo em seguida cantou ”Clarão”, de sua autoria. Ou então, mais tarde, quando ele disse, «Zeca não gosta de dançar mas ele não vai ser o único que não vai dançar hoje aqui», e o papai só se aquietou quando viu o filho do meio dar alguns passinhos de samba para todos aplaudirem. Caetano completou, «é maravilhoso estar aqui com meus filhos, Moreno tem quase 20 anos que toca, o Tom pouco mais de dois anos, eu toco há já não sei quanto tempo e agora o Zeca, que é estreante…», o orgulho do pai só era ofuscado pela vergonha do filho, é aquela coisa que os pais pedem para nós fazermos na frente dos outros, é puramente um lindo momento.
É espantoso como eles são absolutamente naturais, como que se a ideia fosse realmente não fazer disso um projecto, uma carreira ou um business, mas realmente uma experiência de um pai que apresenta o seu universo ao filhos. E quando falo desse ”universo” de Caetano, estou a falar de uma figura com alcance mundial e todas as coisas que isso acarreta. Eles, os filhos, sempre com os olhos direccionados e seguindo o raciocínio do pai, conseguem se impor enquanto estrutura musical e brilham individualmente e juntos. Não posso deixar de mencionar o facto de Paula Lavigne, casada com Caetano há quase quarenta anos, mãe de Zeca e Tom, é a produtora da tour e da carreira do marido, estando ali, próximo do palco, acompanhando tudo com os olhos de mãe e de produtora, o papel dela é, embora não visto pelo público, fundamental em todo a engrenagem que faz isto tudo funcionar.
A noite estava especialmente quente. As grandes portas de fora do Coliseu estão abertas. As grandes janelas também. Os camarotes, lá em cima, quase todos com portas abertas, e lá dentro, todo mundo se abanando. O calor chegou de surpresa. Mas não tão de surpresa como a passagem deste concerto, confirmado há pelo menos cinco meses, tendo tempo para esgotar o primeiro dia e preencher uma segunda data extra.
«Todo este concerto e esta tournée é dedicada às nossas mães, mas semana passada ocorreu um duro golpe.», Caetano fez questão de homenagear Hélio Eichbauer, o cenógrafo que o acompanhou em muitas tours e discos, além de um grande amigo. «Esta tournée é toda em homenagem a ele», finalizou. Algum tempo depois, Moderno, que contou a sua relação de trinta anos com Hélio, que foi casado com sua mãe, Dedé Gadelha, «Foi um grande homem, meu padrasto, que foi casado com minha mãe por trinta anos, até a semana passada, onde veio a falecer», o tom de todos era triste.
Além dos inúmeros clássicos e algumas inéditas, a família veloso ainda reservou um lindo momento onde Moreno canta “Noite de Santo António”, tendo Caetano e Tom ao violão. Depois de tudo, se abraçaram fraternalmente, bem colados, como pai e filhos, e se despediram. E os aplausos eram tantos e constantes que ainda tiveram que voltar duas vezes durante o encore, ninguém queria deixar a família ir embora.
Fotos: Dewis Caldas | Ilustração de entrada: Jhon Douglas