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Primavera Sound Porto: Pulp, Blonde Redhead e The National, das pessoas aos lugares comuns

Primavera Sound Porto: Pulp, Blonde Redhead e The National, das pessoas aos lugares comuns

Nuno Bernardo
Hugo Lima | Teresa Mesquita
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Os Pulp de Jarvis Cocker eram de longe um dos mais aguardados nomes desta edição do festival, partilhando o topo do cartaz com The National no terceiro e último dia – passagens que nunca passariam despercebidas pela sua dimensão e horário, ao contrário do concerto de Blonde Redhead no final de tarde do dia inaugural.

Algo habitual, desde sempre, no Primavera Sound Porto é o encontro com bandas que dificilmente encontramos no nosso país. Nesse ponto esta edição destacou Pulp e Blonde Redhead, que não nos visitavam desde 2011, mas no polo oposto estiveram os The National que deram o seu 22º concerto em Portugal nesta segunda passagem pelo festival. Em suma, mencionamos aqui três concertos em três palcos diferentes e com argumentos também eles díspares.

Pulp

«I wanna live like common people» e o restante refrão desse orelhudo single dos Pulp deve ter sido das melodias mais assobiadas e entoadas ao longo dos três dias do festival, mas a carga subiu consideravelmente a 8 de Junho, dia em que acabaram por subir ao Palco Vodafone. Preocupações patentes no estado desse palco (no dia anterior todos os concertos foram cancelados, lamentavelmente, incluindo o muito aguardado de Justice), a colina que o enquadra pareceu curta tal como parecia todas as vezes que um headliner atuava até 2022. Até esse ano, este palco era o maior e consequentemente o local de passagem dos nomes que faziam por justificar o preço dos bilhetes.

Mas “Common People” sempre foi mais do que um mero hit. É árduo desassociar essa faixa do seu momento de lançamento, quão emblemático foi para testemunhar a passagem de um testemunho da britpop que caracterizou toda a década de 90. Aconteceu em 1995, mas foram precisos 12 anos para a banda de outsiders de Sheffield ter o devido reconhecimento no festival de Glastonbury. Desde então é um hino com código postal certo no festival onde for entoado. Aqui jamais seria diferente.

Jarvis Cocker não é uma pessoa comum. É na verdade um frontman bestial e os seus dotes carismáticos permitem-lhe arranhar o português. «Nós somos os Pulp, vocês são Portugal», rematou para quebrar o gelo nos primeiros minutos, antes de contar que estão a tocar novamente após dez anos de hiato. «Queremos voltar a dar vida a estas canções», logo antes de uma apoteótica “Disco 2000” e a memória imediata de um dos mais icónicos riffs de guitarra da sua década.

Para “Something Changed” chegaram dedicatórias a dois Steve – o primeiro Mackey, baixista de longa data da banda que faleceu no ano passado; o segundo Albini, engenheiro de som, produtor e líder dos Shellac, que faleceu em Maio último. Aliás, o concerto de Pulp sucedeu a um dos momentos mais marcantes desta edição do festival, pois foi precisamente naquele Palco Vodafone que se ouviu “To All Trains”, o novo álbum de Shellac, na slot em que a banda iria atuar. A banda residente do Primavera Sound Porto teve direito a uma listening session em homenagem a Albini, mas sem flores e suporte visual. A olho apenas um palco vazio, nem uma data ou agradecimento: um funeral despido que arrancou mais aplausos à ordem de Jarvis, horas depois.

PRIMAVERA SOUND PORTO 2024
_ © Hugo Lima | www.hugolima.com | www.instagram.com/hugolimaphoto

Com bom entertainer, o concerto acabou por se concentrar bastante nas palavras. «Luva rosa» foi mais fácil de introduzir, em português, “Pink Glove”, ao contrário da extensa e cómica descrição para “Joyriders”. As prioridades espirituosas de Cocker resultaram num «Papa Figos» de perfeita pronúncia, avistando um bar com a marca vinícola no topo da encosta. Afinal de contas era necessário sugerir álcool já que esta foi a sua despedida de solteiro. «É a última vez que me vêem com esta mão sem anel!», contou, dando no entanto prioridade à música que não faltou.

Vários temas do aclamado “Different Class” foram intercalados com outros de “His ‘n’ Hers” e “We Love Life” numa plena celebração da carreira dos Pulp. Já depois de “This Is Hardcore”, “Do You Remember The First Time?” ou “Babies”, o encore arrancou em foco único. Voz e guitarra, “Like A Friend” potenciou um dos momentos íntimos do concerto. À saída de “Underwear”, logo depois, Jarvis revelou os seus planos e fez questão de que a felicidade fosse celebrada em conjunto. «Até agora demos 100 por cento. Vamos tentar dar os 110», com Mark Webber na guitarra, juntamente com as teclas de Candida Doyle e a percussão de Nick Banks a dar o mote para “Common People”.

Nos segundos finais o ecrã do palco não revelou mais néon laranjas ou púrpuras (ou até uma lua gigante, como em “I Spy”). Ali só já coube o público, de câmaras apontadas aos muitos milhares que saltaram, gritaram e sorriram ao som do single. «Never watch your life slide out of view / And then dance, and drink, and screw / Because there’s nothing else to do», ouviu-se no último refrão para a passagem repetitiva de «Wanna live with common people like you». Jarvis Cocker vai casar, os Pulp estão em grande forma e a felicidade é partilhada com todas as pessoas comuns, estejam elas em cima do palco, perto dele ou espalhadas por aí.

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_ © Hugo Lima | www.hugolima.com | www.instagram.com/hugolimaphoto

Blonde Redhead

Como um Sol radiante no horizonte, tanto pela hora como pela distância do último concerto de Blonde Redhead em solo português, a entrada em palco do trio constituído por Kazu Makino e os irmãos Amedeo e Simone Pace fez-se ao som da trilha principal de “The Good, the Bad and the Ugly”, clássico de Ennio Morricone que nos coloca no centro de um duelo. “Falling Man”, com as primeiras guitarras engolidas em reverb, foi a faixa introdutória do alinhamento.

Aproveitando-se da ocasião para apresentar o mais recente álbum “Sit Down For Dinner”, com o morango sobre fundo rosa a pintar a tela de palco, os Blonde Redhead comunicaram através de pequenos gestos no Palco Super Bock no primeiro dia do festival. Kazu Makino subiu ao palco com um keffiyeh ao pescoço, colocando-o mais tarde sobre um stand de microfone, sem se alongar mais sobre o tema Palestina. Da mesma forma, não houve qualquer menção a faixas que os viralizaram, como é o caso de “For the Damaged Coda” – um tema tão insignificante na sua extensa carreira (e que nem é mencionado na tracklist de “Melody of Certain Damaged Lemons” por se tratar, lá está, de uma coda), que pareceu demasiado enclausurada nos curtíssimos 50 minutos que lhes foi dado. Esse disco, que aborda a intermitente relação amorosa entre Makino e Amedeo Pace durante a primeira década da banda, nem sequer foi visitado na setlist.

Essa magna exposição não afetou de maneira nenhuma a integridade do trio. São de um longe uma das mais polidas pérolas da música alternativa com raízes no noise rock durante os anos 90. Vern Rumsey, falecido baixista de Unwound, chegou a atuar ao lado dos nova-iorquinos que trabalharam ainda com Guy Picciotto, dos Fugazi. Uma rede de contatos que os levou a trocar as guitarras mais ruidosas de “Fake Can Be Just as Good” ou “In an Expression of the Inexpressible” pelo shoegaze e a dream pop com o selo da 4AD: “Misery Is A Butterfly” e “23” são, ainda hoje, dois pontos altos da carreira que tem em “Sit Down For Dinner” um digno sucessor.

As melodias bonitas de “Dr. Strangeluv”, “Doll Is Mine”, as duas partes de “Sit Down For Dinner” ou “Spring and By Summer Fall” saíram principalmente da guitarra às mãos de Amedeo, mas enquanto isso foi Kazu que se deu à expressão física, dançando e trocando entre baixo e teclas. Já depois de “23”, foi trágico o adeus ao som de “Kiss Her Kiss Her”, saindo do palco debaixo de ovação. Deviam-nos visitar mais vezes e com mais tempo, pois ficou muito por ouvir e por dizer sobre eles.

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The National

A relação de The National com o público português é longa e com vários capítulos escritos. «Feliz mês do orgulho», rematou Matt Berninger do seu microfone assim que lhe chegou perto, ao ter avistado um cartaz colocado pelo público nas grades. Depressa nos deixaram mergulhar em “Sea of Love” para uma maratona de 23 músicas durante 2 horas de concerto.

É sempre através dos devaneios de Berninger que os The National conquistam o seu público, ainda que tal seja ocorrência comum nos palcos portugueses. Foi este o 22º concerto, sendo uma repetição no festival (a banda encabeçou em 2014) e até um regresso pouco demorado à cidade do Porto, onde atuaram em Outubro passado. Nem assim se deixou de avistar uma enchente junto do Palco Porto para o último grande nome do cartaz desta edição.

Somando já uma extensa fileira de singles, é nos chamados deep cuts que a banda acaba por arrancar reacções mais efusivas: “Mistaken For Strangers” e “Aparment Story” fazem parecer “Boxer” um disco já longínquo demais; “Abel” mostra que não se podem esquecer das canções de “Alligator” e “Conversation 16” evidencia a excelência de “High Violet”. Já as faixas dos mais recentes discos “First Two Pages of Frankenstein” e “Laugh Track” acabaram por passar algo despercebidas nos cânticos da audiência.

Enquanto as missões dos irmãos Dessner, Aaron e Bryce, e dos irmãos Devendorf, Bryan e Scott, foram cumpridas, foi Matt Berninger que se arriscou mais, descendo ao público várias vezes e manifestando-se como pôde: pediu para se cessar fogo no conflito de Gaza, afirmou que Donald Trump é «um criminoso e um violador» em “Fake Empire” e a propósito das eleições norte-americanas, disse para se votar Joe Biden em “Mr. November”. Ao público português, presente em massa, interessou mais celebrar o terrível amor que ainda hoje se nutre pelos The National. Para surpresa de ninguém.


(c) Teresa Mesquita